quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

POLÍTICA - A destruição das empresas estatais.

Conversa Afiada reproduz trechos de artigo premonitório de Gilberto Bercovici nCarta Capital
Bercovici é professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde, seguramente, reprovaria o Pedro Malan Parente, se conseguisse passar no vestibular:

A destruição das empresas estatais


Se o governo, em qualquer dos seus níveis, resolver desapropriar uma propriedade particular para realizar um empreendimento público qualquer, como uma estrada ou uma obra viária, o cidadão que sofre a desapropriação tem uma série de direitos e garantias. Afinal, no Estado de Direito o ordenamento jurídico tutela o proprietário privado no seu enfrentamento contra o Poder Público com garantias que devem ser cumpridas em um processo de desapropriação. A própria indenização é uma dessas garantias, expressa desde as primeiras declarações de direitos das revoluções liberais. 

Não há, no entanto, nenhuma garantia ou proteção jurídica aos cidadãos quando o governo decide transferir ao setor privado determinados bens da coletividade, como uma empresa estatal, a prestação de um serviço público ou a exploração de um bem público. Pelo contrário, a privatização é considerada uma opção absolutamente livre e legítima para ser adotada, sem qualquer tipo de contestação. A expropriação dos bens privados, por sua vez, é quase um tabu. A grande mídia exalta os privatizadores e condena aqueles que ousam estatizar, nacionalizar ou recuperar bens públicos transferidos inadequadamente aos privados. Para aqueles, o paraíso da boa governança e o aplauso do “mercado”. Para estes, o inferno do populismo (ou bolivarianismo, a depender do caso) e da reprovação unânime dos meios de comunicação de massa.

O que ninguém diz é que ao privatizar uma empresa estatal ou qualquer parcela do patrimônio público, o governo está expropriando a população de bens públicos que são de sua titularidade. Simples assim. Na privatização, o governo age do mesmo modo que na expropriação. Da mesma forma que desapropria uma propriedade privada, na privatização o governo aliena a propriedade pública. O problema é que o proprietário privado pode contestar e tem garantias, o povo não.

(...) O atual plano de negócios da Petrobrás tem viés de curtíssimo prazo e ignora a essência de uma empresa integrada de energia que usa a verticalização em cadeia para equilibrar suas receitas, compensando a inevitável variação do preço do petróleo, de seus derivados e da energia elétrica, característica essencial para minimizar os riscos empresariais. Na medida em que a Petrobrás seja fatiada, o agente privado tende a buscar o lucro máximo por negócio, majorando os custos ao consumidor, o que restringe o crescimento do mercado interno.

É aterrador o que está ocorrendo com a infraestrutura de gasodutos. Atividade tipicamente monopolista, as redes de gasoduto incorporam um enorme investimento histórico da Petrobrás, estando integradas à empresa pela própria natureza do serviço que prestam. Não obstante, o Conselho de Administração da Petrobrás aprovou a venda de 90% da sua maior e mais lucrativa malha de gás, a Nova Transportadora do Sudeste (NTS), responsável pelo escoamento de 70% do gás natural do país, que será entregue a um grupo de investidores estrangeiros, liderados por uma empresa canadense.

Vamos deixar de lado o fato de ter sido uma venda juridicamente nula, dada a ausência de licitação pública, como determinam o Plano Nacional de Desestatização e o artigo 29 da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, que não incluem a venda de ativos de uma estatal como caso de dispensa de licitação pública. O transporte do gás natural será monopolizado por uma multinacional. Não só a Petrobrás, como qualquer outra empresa que produzir petróleo no país será obrigada a pagar o preço que o grupo estrangeiro exigir, pois não existem outros gasodutos na região. Isso ganha contornos ainda mais graves, se levarmos em conta o crescimento da produção de gás natural, com a exploração do pré-sal, cujas principais jazidas estão justamente no Sudeste.

O desmonte do setor elétrico brasileiro, com a anunciada privatização da Eletrobrás, compromete também de forma definitiva nossa soberania energética. A soberania energética é um componente essencial da soberania econômica nacional. O Estado deve tomar decisões autônomas sobre a produção e destino dos seus recursos energéticos, planejando o seu desenvolvimento e evitando a dependência tecnológica e de fatores externos para a produção de energia. Deste modo, o controle estatal sobre as fontes de energia consiste em um eixo central de um projeto democrático em que a política macroeconômica esteja a serviço dos interesses nacionais.

O povo brasileiro deve deixar claro àqueles grupos econômicos, especialmente estrangeiros, que desejam adquirir o patrimônio nacional a preço vil, bem cientes da ilegitimidade absoluta do Governo Temer, que terão que devolver o que compraram sem qualquer direito a indenização assim que um governo legítimo, eleito diretamente pelo povo, e garantidor dos verdadeiros interesses nacionais, assumir o poder e restaurar a democracia entre nós. 

Empresas e investidores, nacionais ou estrangeiros, que adquiriram, depois do golpe de 2016, recursos do povo brasileiro estão cometendo um crime. Os preços pagos são incompatíveis com o mercado e a situação institucional e política não é exatamente daquelas que inspiram confiança ou segurança. O que está ocorrendo com ativos da Petrobrás e outros bens estatais estratégicos (fala-se, além da Eletrobrás, na privatização dos Correios, da Casa da Moeda, de satélites, etc.) deve ser equiparado ao crime de receptação. Afinal, um bem público foi subtraído do patrimônio público de forma ilegal, muitas vezes até sem licitação, e vendido a preço vil. A empresa compradora obviamente sabe o que está adquirindo e a que preço. Não há nenhum terceiro de boa-fé envolvido neste tipo de negócio. A saída democrática para o impasse do desmonte das empresas estatais brasileiras é uma só: quanto privatizarem, tanto reestatizaremos.

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