terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

ECONOMIA - Um novo colapso econômico?

'Mentor' do Occupy, antropólogo vê sinais de novo colapso econômico


 
"Há uma preocupação crescente no mundo sobre a possibilidade de um grande colapso econômico com as proporções de 2008. Muitas dificuldades daquela época persistem; de certa forma, a securitização [dívida transformada em aplicações financeira] é até maior. Dessa vez, as consequências serão maiores para países em desenvolvimento por causa da desaceleração na China, que necessariamente vai produzir uma grande", afirma David Grabberantropólogo americano e professor da Universidade de Londres, em entrevista de Toni Sciarretta, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 21-02-2016.
Dívida não é para ser sempre paga; a inadimplência faz parte do negócio dos bancos e justifica juros pesados para compensá-la.
Para defender teses como essa, o antropólogo americano David Graeber, professor da Universidade de Londres, fez longo tratado sobre os 5.000 anos do que considera uma das mais antigas relações comerciais: a dívida. O estudo está em "Dívida: os Primeiros 5.000 Anos", publicado pela editora Três Estrelas.
Para Graeber, a economia global dá sinais de entrar em colapso, como ocorreu em 2008, mas dessa vez com consequências nefastas para emergentes, como o Brasil. Ele teme que empresas desses países não tenham como pagar as dívidas em dólar.
Momentos como o atual, afirma o antropólogo, se repetem na história, são sempre acompanhados por calotes e quebradeiras em série, mudanças regulatórias e políticas profundas e, finalmente, perdão de pelo menos parte das dívidas. "De outra forma, a economia não se recompõe", disse.
Anarquista e ativista antiglobalização, Graeber foi um dos mentores intelectuais em 2011 do movimento Occupy Wall Street, cujas ideias reaparecem na campanha do senador Bernie Sanders para se tornar o candidato democrata nas eleições americanas.
À época, jovens protestavam contra os juros do crédito estudantil e o poder dos bancos ocupando o Zuccotti Park, na região da Bolsa de Nova York.
Eis a entrevista.

Quais as perspectivas para economia mundial e para os países emergentes?
Há uma preocupação crescente no mundo sobre a possibilidade de um grande colapso econômico com as proporções de 2008. Muitas dificuldades daquela época persistem; de certa forma, a securitização [dívida transformada em aplicações financeira] é até maior. Dessa vez, as consequências serão maiores para países em desenvolvimento por causa da desaceleração na China, que necessariamente vai produzir uma grande. As implicações não são apenas nos preços de insumos, como petróleo, mas também nos produtos industrializados que a China passou a importar. Na Alemanha, há dez anos apenas 3% das exportações da Volkswagen eram para a China; agora, passam de 20%. A questão é o que vai acontecer com a dívida em dólar das empresas de países como Brasil, Malásia etc. Desde 2009, os Bancos Centrais reduziram as taxas de juros, promoveram estímulos, mas agora não têm mais o que fazer. O dinheiro foi parar nos países em desenvolvimento, mas sob a forma de dívida em dólar, que essas empresas não terão como pagar devido aos problemas em suas próprias moedas. Podemos ter um colapso massivo.
No Brasil, a crise econômica ocorre em meio a uma forte instabilidade política devido a escândalos de corrupção envolvendo prestadores de serviço privados para o setor público. Como o jogo político é afetado pela economia?
Não conheço as particularidades sobre a política no Brasil. Posso afirmar que desde 2011 ocorre uma mudança profunda na dinâmica política por causa da influência de movimentos sociais democráticos, como o Occupy Wall Street, a
Primavera Árabe e muitos outros, inclusive no Brasil. Os movimentos sociais questionam o poder político de uma forma diferente; pedem a democracia também para fora do Estado: economia, relações trabalhistas, consumo, direitos civis, contra a burocracia. Posso antecipar que, claramente, os movimentos sociais estão se articulando para que a maior parte da população não pague o preço desses problemas com corrupção no Brasil e de um novo colapso econômico! E isso aparecerá no debate político e influenciará a escolha dos novos dirigentes.
Qual o legado do movimento Occupy Wall Street? Faria alguma coisa diferente?
Quando se fala que o Occupy poderia ter ido mais longe, as pessoas se esquecem que os movimentos sociais levam tempo, especialmente nos EUA, que não têm essa tradição. As pessoas acham que vão mudar as coisas [de uma hora para outra], mas isso nunca aconteceu na história. A diferença é que o Occupy foi incrivelmente rápido, se espalhou com grande velocidade, o que não acontece sempre. O governo ficou apavorado! Ainda estamos vendo frutos desse movimento, inclusive no debate eleitoral atual nos EUA. [As pessoas se deram conta de que] O capitalismo financeiro favorece apenas uma minoria, mas todo o restante [da população] paga a conta dos equívocos –por isso, falávamos que éramos os outros 99%. O movimento teve sucesso em dar voz a isso. O equívoco que algumas pessoas fizeram foi acreditar que teria influência na atuação de profissionais e nas médias gerências do setor financeiro nos EUA.
Há algum movimento social, como o Occupy, em gestação e que ainda não eclodiu? Por que é tao difícil colocar as pessoas nas ruas para protestar?
Não acho que seja tão difícil assim colocar as pessoas para protestar. Há uma série de movimentos ocorrendo, mas que não são conhecidos porque a imprensa não noticia; então parece que nunca existiu. Difícil é fazer as pessoas saberem o que outras estão fazendo e pensando. Agora isso aparece com frequência [pelas rede sociais] na internet.
O avanço tecnológico possibilitou a economia colaborativa, facilitou o acesso à informação e ao consumo, mas, ao mesmo tempo. aumentou as desigualdades sociais. A tecnologia aprofunda as diferenças?
Muitas tecnologias foram concebidas para facilitar o acesso a determinados bens e serviços, antes restritos a uma parcela pequena da população. Permitem o uso coletivo de carros e equipamentos, o que chamo de comunismo da posse de bens de uso comum. É uma tendência irreversível que diminui as desigualdades.
Acontece que a tecnologia não é uma variável independente da economia; envolve relações de poder e interesses. No passado, decidia-se colocar mais e mais dinheiro na corrida armamentista e menos na pesquisa médica; a corrida armamentista acabou, mas ainda não temos a cura do câncer.
Não dá para se afirmar que a tecnologia produz mais desigualdade, mas, de certa forma, tem permitido com que isso aconteça. As desigualdades aumentaram porque o capitalismo, especialmente o financeiro, se tornou mais conservador nos últimos anos, tendo custos maiores para uns em detrimento dos outros.
O que ficou daquela discussão sobre a dívida dos países do Terceiro Mundo nos anos 80?
Historicamente, foi um debate importante, porque apontou para a desigualdade econômica entre os países e para o empobrecimento do terceiro mundo. Os protestos personificaram o FMI. Isso levou a mudanças na forma como o Fundo impõe condições e conduz as negociações de socorro.
Há perspectiva de que os movimentos sociais cheguem à China?
A China é uma sociedade muito interessante. As pessoas criticam o regime autoritário e o desrespeito às liberdades individuais, e isso tudo é verdade, mas existe uma preocupação da classe dirigente com o que a população pensa e considera aceitável. E isso tem implicações efetivas nas decisões. Os políticos chineses têm muito medo da população, enquanto os dos EUA e da Alemanha, não.
DÍVIDA: OS PRIMEIROS 5.000 ANOS
Autor: David Graeber
Editora Três Estrelas

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