terça-feira, 22 de setembro de 2015

MÍDIA - Bilionários remodelam o panorama da mídia francesa.

Bilionários remodelam o panorama da mídia francesa

Mas o código de deontologia dos grandes veículos tem cláusulas que garantem a total independência da redação quanto ao conteúdo editorial


Leneide Duarte-Plon, de Paris*
reprodução
Seriam os veículos de mídia os diamantes raros que faltavam a bilionários franceses para serem mais influentes e poderosos? Analisando um gráfico de quem detém hoje a mídia privada na França, descobre-se uma miríade de grandes fortunas francesas que pouco a pouco foram adquirindo jornais, revistas, canais de TV e rádios, estendendo seus impérios ao mundo da comunicação.

Esses grandes industriais detêm grande parte do PIB francês e vêm da indústria de armamentos (Dassault e Lagardère, este até 2013 dono de uma indústria de armamentos), do luxo (Bernard Arnault) da construção civil (Vincent Bolloré) ou da telefonia (Patrick Drahi e Xavier Niel), entre muitos outros.

O mais voraz de todos parece ser o franco-israelense Patrick Drahi, 52 anos, até dois anos atrás praticamente desconhecido do grande público, que recentemente adquiriu o jornal de esquerda Libération e o semanário L’Express, entre outros jornais, rádios e emissoras de televisão. Drahi tem um império na área de telefonia celular que atravessa o Atlântico e se estende aos Estados Unidos. As revistas especializadas atribuem-lhe uma fortuna de alguns bilhões de euros “apenas”, mas ele próprio a avalia em 16,7 bilhões de euros, o que o colocaria em sexto lugar na lista dos mais ricos na França.

Mídia alinhada ao neoliberalismo?

Seria um exagero dizer que a mídia francesa está alinhada à direita sarkozista que só tem uma ideia fixa: voltar ao poder. Muito maior exagero seria dizer que o velho partido da direita racista e neofascista Front National, criado por Jean-Marie Le Pen e dirigido por sua filha Marine, tem grande influência sobre o panorama midiático do país de Voltaire e da Revolução Francesa (que na França se chama Révolution de 1789, por motivos óbvios).

Na França, existe o jornalismo honesto, pelo qual clama exaustivamente no Brasil o jornalista Mino Carta. Mas mesmo fazendo um jornalismo honesto (não imparcial, que isso não existe), os veículos podem ser porta-vozes de uma visão de mundo que aponta o neoliberalismo e as “reformas” no sentido de uma economia de mercado como o único horizonte do mundo “moderno”. Tudo é questão de edição, de como privilegiar o noticiário, de como apresentar os fatos pelo ângulo da ideologia com a qual se identificam os leitores a quem o veículo se dirige.

Por isso, jornais, revistas, rádio e televisão (canais privados) da França estão sendo alvo do interesse cada vez maior do grande capital industrial e financeiro, num movimento que gira os ponteiros para a direita. Obviamente, não resulta disso uma imprensa uniforme e monótona (no sentido literal, de um tom só) que em certo país do Sul do Equador bate na mesma tecla do pensamento único do Oiapoque ao Chuí.

Na “terra de amores alcatifada de flores”, de que falou o poeta, faz-se um jornalismo partidário e engajado na defesa de interesses de classe, utilizando todos os recursos, inclusive a calúnia e a deformação da realidade. Tudo isso para defender os interesses da classe que fica no alto da pirâmide e se aliou ao capitalismo internacional para continuar a depredar o país como é hábito desde a colonização.

O jornalismo honesto existe na França, ainda. Os jornais defendem um mundo de ideias, ideologias de esquerda ou de direita, sem deformar a realidade, sem caluniar ou publicar inverdades. Podem silenciar o que não interessa enfatizar, mas mesmo os de direita não ousam caluniar ou inventar falsos escândalos. A lei é severa e a Justiça atenta na punição dos infratores.

A diversidade da imprensa francesa é tal que quando se vê uma pessoa lendo um jornal pode-se avaliar mais ou menos suas inclinações políticas dentro do espectro esquerda-direita, passando até mesmo pelos extremos. Todos estão representados no panorama geral da mídia. Isso sem contar os sites com versões exclusivamente online como o prestigioso jornal de esquerda Mediapart, fundado pelo ex-diretor da redação do Le Monde, Edwy Plenel. Os grandes furos do site e matérias exclusivas são suitados quase diariamente pelos grandes jornais. Mediapart tem uma redação de ex-jornalistas do Le Monde e de Libération e se financia apenas das mais de cem mil assinaturas que conquistou em poucos anos de existência. Daí sua total independência e seu slogan: “Nosso compromisso é unicamente com o leitor”.

Os amigos do “presidente dos ricos”

O maior representante dessa galáxia de bilionários que foram pouco a pouco, desde a década de 80, chegando ao mundo da comunicação é o bilionário Vincent Bolloré, magnata do setor de construção civil e de um conglomerado internacional com interesses nas áreas de energia e vinho, entre outras. Hoje, Bolloré detém o maior grupo de comunicação privado (5,45 bilhões de euros de lucros anuais só nessa área). Ele é dono do grupo Canal , entre outros inúmeros canais de televisão, e foi em seu iate que Sarkozy descansou da vitoriosa campanha eleitoral de 2007. Essa foi, entre outras, uma das causas que o levou a ser chamado pelos adversários de “presidente dos ricos”. Vale dizer que Sarkozy não desmentiu nos atos o epíteto e fez leis para favorecer o bolso dos empresários.

Alguns analistas dizem que as recentes compras de jornais e empresas de mídia por alguns dos homens mais ricos da França já é uma preparação para uma cobertura mais favorável a Sarkozy na campanha que o “amigo dos ricos” pretende fazer, em 2017, contra o socialista e provável candidato François Hollande. Isso se ele conseguir ganhar de Alain Juppé nas primárias no partido de direita Les Républicains, ex-UMP.

Implicado em inúmeros escândalos durante seu governo, Sarkozy não pode dizer que goza de grande prestígio entre os jornalistas franceses, considerados pelos empresários como majoritariamente de esquerda. Além de convencer os eleitores, Sarkozy terá que ultrapassar a vigilante imprensa francesa.

Isso porque os jornalistas têm no código de deontologia dos grandes veículos cláusulas que garantem a total independência da redação quanto ao conteúdo editorial. Dessa forma, um patrão pode ver publicado em seu jornal conteúdos muito distantes de suas posições pessoais.

Foi o caso em fevereiro deste ano quando o Le Monde publicou parte da lista das grandes fortunas que detinham contas secretas no HSBC da Suíça, o que desagradou os novos proprietários do jornal. O trio que comprou o Le Monde em 2010 é composto por milionários de diversos setores: Pierre Bergé é o criador da griffe Saint Laurent e ex-companheiro do estilista; Xavier Niel é dono, entre outras, da empresa de telefonia celular Free, e Matthieu Pigasse, banqueiro da área de finanças. Além do Le Monde, eles detêm dezenas de outros títulos como Courrier International, Télérama e a revista semanal Nouvel Observateur.

No segundo lugar da galáxia de bilionários da comunicação está outro amigo de Sarkozy, Martin Bouygues. Ele é dono de uma série de canais de televisão, inclusive a TF1, a líder de audiência entre os canais privados. Seus veículos de comunicação têm um lucro anual de 2,2 bilhões de euros.

Outro milionário que vem pouco a pouco comprando jornais e revistas é o dono da LVMH (Dior, Louis Vuitton, entre outros) e primeira fortuna da França, Bernard Arnault. Ele começou recentemente sua investida na mídia comprando o jornal econômico Les Echos e este ano adquiriu o Le Parisien, um dos campeões de vendas da mídia impressa.

Dos armamentos à imprensa

Um leitor de direita sabe que o Le Figaro publica noticiário e articulistas com um viés neoliberal, prevalecendo a visão de mundo do capitalismo nacional e mundial, mesmo que o código de deontologia do jornal assegure a independência da redação. Por isso mesmo, os jornalistas que ali trabalham são, a justo título, considerados de direita. O proprietário do Figaro desde 2004, o bilionário Serge Dassault, fez fortuna na indústria aeronáutica (vendedor de Rafales e armas variadas no mundo inteiro) e, ao comprar a Socpresse, passou a ter 70 veículos de imprensa. De origem judaica, a família mudou o nome para Dassault no fim da guerra e se converteu ao catolicismo.

Por que o herdeiro do império Dassault, nascido Serge Bloch, hoje com 90 anos e senador da République (acusado, aliás, de se eleger comprando votos, entre outros escândalos) teria interesse em ter um jornal? Elementar: a 5ª fortuna da França, do alto de seus 17,5 bilhões de euros de patrimônio, quer mais poder.

Para Dassault, os jornais devem difundir ideias sãs (entre outras, ele é contra o casamento gay) e ele chegou a pedir aos responsáveis do Centre de formation de Journalistes que parassem se formar “jornalistas de esquerda”.

Na imprensa engajada à direita, o jornal semanal Minute é feito sob medida para o eleitor reacionário e racista que vota ou milita no partido lepenista. A revista semanal Valeurs actuelles, definida como tendo uma linha liberal-conservadora, nunca escondeu sua defesa do mundo e dos valores capitalistas. Eles não tentam enganar o leitor francês, que sabe que não existe jornalismo imparcial.

No outro espectro da esquerda mais extrema, existe o jornal L’Humanité, que já foi o porta-voz oficial do Partido Comunista Francês e sempre defendeu, e continua defendendo, os ideais comunistas, hoje manifestos na defesa da classe operária, dos marginalizados pelo neoliberalismo e de uma sociedade mais justa e menos desigual. Considerado patrimônio da imprensa francesa, o jornal recebe, como os demais, subvenção do governo, e frequentemente faz campanhas de arrecadação de fundos entre seus leitores e simpatizantes para continuar na sua luta, que é essencialmente política.

* Leneide Duarte-Plon é jornalista, trabalha em Paris e é co-autora, com Clarisse Meireles, da biografia de frei Tito de Alencar, Um homem torturado-Nos passos de frei Tito de Alencar.

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