sexta-feira, 27 de março de 2015

POLÍTICA - Uma das poucas vozes lúcidas da oposição.


Lembo: “A burguesia foi às ruas, o povão ainda não”


Do Valor:

Afastado da vida pública desde que deixou a Secretaria de Negócios Jurídicos da Prefeitura de São Paulo, em 2012, o ex-governador Claudio Lembo continua um provocador. Recebeu a reportagem do Valor com um sorriso e a pergunta “Como vai você e aquele seu jornal burguês?”. Aos 80 anos, o advogado dá expediente em seu escritório ao lado do Parque Trianon, leciona duas vezes por semana na Universidade Presbiteriana Mackenzie e mantém o hábito de distribuir ironias à esquerda e à direita.
Alguns trechos:
Valor: Há oito anos o senhor disse que a burguesia tinha de abrir a bolsa para amenizar a grande diferença social que havia no Brasil. Algo mudou de lá para cá?
Claudio Lembo: Eu fui profético. Às vezes, Deus fala pela boca dos loucos. Naquela época, aproveitei e falei. Disse que a minoria branca estava extremamente agressiva, por causa do PCC. Agora vejo a minoria branca toda na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.
Valor: Mas a parcela que está na carceragem da PF…
Lembo: É a pior.
Valor: … é uma minoria dentro da minoria.
Lembo: Felizmente, a burguesia brasileira é maior. É bom que seja.A que está lá é a mais ativa, a que mais viciou a máquina do Estado.
Valor: Esse não é um fenômeno recente. Ele se agravou?
Lembo: Óbvio que os grandes empreiteiros, desde o tempo do Império, são sempre os mesmos. É uma endemia complexa e complicada.
Não é brasileira, é internacional, mas a brasileira é pior. Nós tivemos um período da vida pública brasileira em que havia um planejamento de obras. Bem ou mal, havia.O regime militar pode ter cometido erros na área dos direitos políticos, dos direitos humanos.Mas indiscutivelmente havia racionalidade de pensar em projetos.Isso foi desmontado com a redemocratização.O governo do PSDB, de Fernando Henrique Cardoso, desmontou o que era planificação.
Hoje o Estado brasileiro não tem nada de planejamento. É o empreiteiro que leva o projeto que interessa a ele e nem sempre ao Estado nacional. Até admito que a privatização deveria ter sido feita em alguns espaços, não em todos, mas acho que houve excessos.
Valor: A crise da Petrobras é uma decorrência natural disso?
Lembo: O caso da Petrobras é profundamente grave. A Petrobras é o produto de lutas de gerações.
Sou de uma geração que lutou pelo “O petróleo é nosso”, até ingenuamente, e vejo com amargor o que está acontecendo. Mas também aí há uma interrogação: onde estava a CVM? Onde estava a auditoria? A direção ou o conselho de administração tinha de perceber que havia investimentos excessivos em determinadas áreas. O Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça Federal estão se portando com muita dignidade. Um exemplo mundial de tanto rigor e racionalidade na exposição dos fatos.
Valor: Esse episódio tem uma participação importante das empreiteiras, que o senhor acabou de citar como “planejadoras” do Brasil.
A origem da crise está aí?
Lembo: Primeiro a gente precisa analisar a mudança da 8666 [Lei de Licitações], no governo Fernando Henrique, permitindo à Petrobras que não fizesse licitação, apenas chamada. Acho que aí está o primeiro erro. Deu dinâmica à Petrobras, mas deu também uma liberdade muito grande. Outro ponto foram os exageros do governo Lula, que acreditou que o Brasil era uma grande potência. O Brasil não é uma grande potência. A área de petróleo é muito complexa. Com o pré-sal, enlouquecemos. Se no Mar do Norte não estão explorando petróleo com grande ativismo, por que teria de ser no Atlântico Sul? Ou ingenuidade ou malícia. Excesso de ingenuidade é má-fé.
Valor: A “elite branca” à qual o senhor se referiu está nas ruas, nas manifestações contra o governo Dilma?
Lembo: Muito. Um percentual elevado. Quem viu a avenida Paulista no domingo [15 de março] viu a classe média. E é bom que ela se movimente. A classe média é muito parada, muito sem vibração política. Mas ela está sendo injusta, porque ganhou muito no período Lula-Dilma. Eles não mexeram no bolso da classe média. Ela tem objetividade, uma nítida visão de interesse pessoal, nunca coletivo. E está apavorada. Quer ganho, mas não quer risco. Por isso, pede para as Forças Armadas voltarem. A burguesia está na rua.O povão, ainda não. Há alguma coisa em áreas específicas, mas é pouca gente. O movimento sem teto (MTST) eu acho muito ativo

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