segunda-feira, 30 de março de 2015

AINDA SOBRE O PROGRAMA "MAIS MÉDICOS."

Resposta a um amigo que me criticou por apoiar o programa mais médicos.



Sabia que o ilustre amigo iria "pegar no meu pé" e viria com um pensamento pequeno burguês, típico dos extratos sociais nos quais a solidariedade e o coletivo não existem, já que estão preocupados mais com seu individualismo e com o próprio umbigo do que com o próximo.
Solidariedade e pensar no coletivo é marca do pessoal de esquerda. Esse pessoal é que forma "brigadas internacionais" para atuar, por exemplo, junto a resistência francesa ou na guerra civil espanhola. Um brasileiro, Apolônio de Carvalho, já falecido, atuou em ambas as frentes, e foi referenciado pelos governos francês e espanhol.
 Em vez de você se alegrar com o fato de que milhões de pobres brasileiros passaram a ter assistência médica pela primeira vez em suas vidas, está preocupado com o envio de dinheiro para a ilha de Fidel, ou com agentes cubanos comunistas, etc, etc. esquecendo que a "guerra fria" já acabou há muito tempo. Prefere que nossos irmãos brasileiros continuem à mingua de assistência médica, já que seus patrícios médicos não estão nem aí com essa situação.Que preocupação e pensamento pequeno seus! Eu acho que acima de tudo, o programa "Mais Médicos" tem que ser visto como um programa de caráter humanitário.

Antes de continuar, alguns esclarecimentos:

A Organização Pan-americana de Saúde, OPAS, firmou convênio com o governo cubano para prestar serviços de saúde não só com o Brasil, mas também  com inúmeros países da periferia do capitalismo, a maioria nações africanas e latino-americanas.
Tal convênio já existe há muitos anos e através dele, centenas de médicos cubanos prestaram serviços em inúmeros países tal como acontece agora no nosso país. Os países pagam a OPAS que repassa o dinheiro para o governo cubano. Não me consta que outras nações beneficiadas pela atividade dos médicos cubanos tenha reclamado que está enviando dinheiro para a ilha de Fidel.
Pelo contrário, são só elogios a abnegação desse médicos. Na recente epidemia de Ebola na Libéria, a atuação dos cubanos mereceu elogios não só da Organização Mundial da Saúde, como também do arqui inimigo de Cuba, os EUA.
O NYT também soltou um editorial elogiando a conduta dos médicos cubanos na Libéria. É lógico que isso não sai no JN e nem na Veja.
No convênio do governo brasileiro com a OPAS, ficou acertado que os médicos cubanos atuariam em 579 municípios brasileiros e em 18 aldeias indígenas.

Cabe lembrar que não é a primeira vez que médicos cubanos atuam no Brasil. Em 1999, no governo FHC, quando o Serra era ministro da saúde, médicos cubanos foram atuar em vários municípios do estado do Tocantins, e foram praticamente expulsos de lá, em face do corporativismo e da insensibilidade das entidades médicas brasileiras.
Muitos prefeitos de vários partidos, ficaram revoltados com isso, pois a atuação dos referidos médicos junto as pessoas mais necessitadas era sempre elogiada.
A revista Veja, publicou uma matéria sobre os médicos cubanos na sua edição de número 1620, de outubro de 1999. Nela está escrito que "o milagre veio de Cuba" e que "os cubanos são bem vindos". Agora no governo Dilma, esse lixo de revista é só críticas ao programa "Mais Médicos". Seu pitbull mór, Reinaldo Azevedo, chamou os cubanos entre outras coisas,  de "escravos de jaleco do partido comunista" .
Lamentável também a atitude dos conselhos de classe médicos, que dentro do seu conhecido corporativismo e elitismo, não enxergou o caráter humanitário da ajuda à grande parcela da população brasileira, que não está tendo seus direitos constantes da nossa Carta Mágna atendidos.
Tais conselhos resolveu partidarizar um problema de saúde pública, agindo ideológicamente e políticamente para atingir a presidenta Dilma. Continuam insistindo nessa tecla, mesmo sabendo que recente pesquisa do Datafolha revelou que o programa Mais Médicos tem o apoio de mais de 80% das pessoas consultadas.
Você falou no Boechat. Vi que ele questionou também quem iria substituir os cubanos, já que sua atuação estava sendo bem avaliada.
Para encerrar,  para mim, face ao tamanho do problema de saúde publica que envolve milhões de brasileiros à margem dos serviços de saúde mais elementares que sejam, não tem a maior relevância se os médicos que atuam nos rincões do nosso país continental, sejam cubanos, chineses ou russos. Não estou preocupado se os caras são espiões ou agentes do comunismo internacional. Para mim o que importa, é que alguém está dentro de condições difíceis e adversas, está tentando ajudar o próximo, ajudando a mitigar o sofrimento de milhões de brasileiros.

Conversando com um amigo meu, médico sanitarista, ele revelou grande medo dos médicos com a importação de médicos cubanos é a contaminação pela prática da medicina preventiva, tão obviamente melhor que destronaria toda a estrutura de prática médica no Brasil, que é curativa. Na medicina curativa não estão envolvidos apenas médicos, mas a indústria farmacêutica (uma das mais poderosas do mundo), a de equipamentos médicos, os negócios de clínicas e hospitais, exames laboratoriais e de imagem e os acordos entre todos estes componentes que afirmam a falsa ideia de que todo um complexo de informações são necessárias para um diagnóstico, profilaxia e intervenção. Na grande maioria dos casos isto não é necessário. O que ocorre com todo este complexo lucrativo ao se introduzir no Brasil a medicina preventiva? Desmorona.
Os médicos cubanos estão acostumados a trabalhar com termômetro, aparelho de pressão, estetoscópio e conhecimento. Costumam atuar em áreas além da medicina tais como saneamento, aconselhamento de higiene pessoal/familiar e muita prevenção. É o que se conhece como medicina social. Além disso, como disseram alguns pacientes dos médicos cubanos, estes conversam bastante, procuram saber do meio em que vivem, das relações familiares, etc, e, "tocam os doentes". Os daqui, principalmente os da rede pública, cada vez mais  atuam pendurados em exames e mal conversam com seus pacientes.

Abaixo um texto interessante sobre a medicina cubana na ótica de dois médicos americanos:

Dois médicos norte-americanos avaliam o sistema de saúde de Cuba


publicado em 30 de junho de 2013 às 23:31

Um Modelo Diferente – Atenção Médica em Cuba
Edward W. Campion, M.D., and Stephen Morrissey, Ph.D.

The New England Journal of Medicine, January 24, 2013

Para um visitante dos Estados Unidos, Cuba desorienta. Automóveis norte-americanos estão em todo lugar, mas todos datam dos anos 50. Nossos cartões bancários, cartões de crédito e telefones inteligentes não funcionam. O acesso à internet é praticamente inexistente. E o sistema de saúde também parece irreal. Há médicos demais.
Todo mundo tem um médico da família. Tudo é de graça, totalmente de graça — e não precisa de aprovação prévia ou de algum tipo de pagamento. Todo o sistema parece de cabeça para baixo. É tudo muito organizado e a prioridade absoluta é a prevenção. Embora Cuba tenha recursos econômicos limitados, seu sistema de saúde resolveu alguns problemas que o nosso [dos Estados Unidos] ainda nem enfrentou.
Médicos de família, junto com enfermeiras e outros profissionais de saúde, são os responsáveis por dar atendimento primário e serviços preventivos para seu grupo de pacientes — cerca de mil pacientes por médico em áreas urbanas.
Todo o cuidado é organizado no plano local e os pacientes e seus profissionais de saúde geralmente vivem na mesma comunidade. Os dados médicos em fichas de papel são simples e escritos à mão, parecidos com os que eram usados nos Estados Unidos 50 anos atrás. Mas o sistema é surpreendentemente rico em informação e focado na saúde da população.
Todos os pacientes são categorizados de acordo com o nível de risco de saúde, de I a IV. Fumantes, por exemplo, estão na categoria de risco II, e pacientes com doença pulmonar crônica, mas estável, ficam na categoria III.
As clínicas comunitárias informam regularmente ao distrito sobre quantos pacientes tem em cada categoria de risco e sobre o número de pacientes com doenças como a hipertensão (bem controlada ou não), diabetes, asma, assim como sobre o status de imunização, data do último teste de Papanicolau e casos de gravidez/cuidado pré-natal.
Todo paciente é visitado em casa uma vez por ano e aqueles com doenças crônicas recebem visitas mais frequentes. Quando necessário, os pacientes podem ser direcionados a policlínicas distritais para avaliação de especialistas, mas eles retornam para as equipes comunitárias para acompanhamento. Por exemplo, a equipe local é responsável por garantir que o paciente com tuberculose siga as recomendações sobre o regime antimicrobial e que faça os exames.
Visitas em casa e conversas com familiares são táticas comuns para fazer com que os pacientes sigam as recomendações médicas, não abandonem o tratamento e mesmo para evitar gravidez indesejada. Numa tentativa de evitar infecções como a dengue, a equipe de saúde local visita as casas para fazer inspeções e ensinar as pessoas sobre como se livrar da água parada.
Este sistema altamente estruturado, orientado para a prevenção, produziu resultados positivos. As taxas de vacinação de Cuba estão entre as mais altas do mundo.
A expectativa de vida de 78 anos de idade é virtualmente idêntica à dos Estados Unidos. A taxa de mortalidade infantil em Cuba caiu de 80 por mil nos anos 50 para menos de 5 por mil — menor que nos Estados Unidos, embora a taxa de mortalidade materna esteja bem acima daquela dos países desenvolvidos e na média para os países do Caribe.
Sem dúvida, os resultados são consequência de melhorias em nutrição e educação, determinantes sociais básicos para a saúde pública. A taxa de alfabetização de Cuba é de 99% e o ensino sobre saúde é parte do currículo obrigatório das escolas. Um recente programa nacional para promover a aceitação de homens que fazem sexo com homens foi desenhado para reduzir as taxas de doenças sexualmente transmissíveis e aumentar a aceitação e adesão aos tratamentos.
Os cigarros já não são oferecidos na cesta básica mensal e o número de fumantes decresceu, embora as equipes médicas locais digam que continua difícil convencer fumantes a deixar o vício. Os contraceptivos são gratuitos e fortemente encorajados. O aborto é legal, mas considerado um fracasso do trabalho de prevenção.
Não se deve romantizar o sistema de saúde cubano. O sistema não é desenhado para escolha do consumidor ou iniciativas individuais. Não existe sistema de saúde privado pago como alternativa. Os médicos recebem benefícios do governo como moradia e alimentação, mas o salário é de apenas 20 dólares por mês. A educação é gratuita e eles são respeitados, mas é improvável que obtenham riqueza pessoal.
Cuba é um país em que 80% dos cidadãos trabalham para o governo e o governo é quem gerencia orçamentos. Nas clínicas de saúde comunitárias, placas informam aos pacientes quanto o sistema custa ao Estado, mas não há forças de mercado para promover eficiência.
Os recursos são limitados, como descobrimos ao ter contato com médicos e profissionais de saúde cubanos como parte de um grupo de editores-visitantes dos Estados Unidos. Um nefrologista de Cienfuegos, a 240 quilômetros de Havana, tem uma lista de 77 pacientes em diálise na província, o que em termos de população dá 40% da taxa dos Estados Unidos — similar ao que era nos Estados Unidos em 1985.
Um neurologista nos informou que seu hospital só recebeu um CT scanner doze anos atrás. Estudantes norte-americanos de universidades médicas cubanas dizem que o trabalho nas salas de cirurgia é rápido e eficiente, mas com pouca tecnologia. Acesso à informação via internet é mínimo. Um estudante informou que tem 30 minutos por semana de acesso discado.
Esta limitação, como muitas outras dificuldades de recursos que afetam o progresso, é atribuída ao embargo econômico dos Estados Unidos [imposto em 1960], mas podem existir outras forças no governo central trabalhando contra a comunicação fácil e rápida entre cubanos e os Estados Unidos.
Como resultado do estrito embargo econômico, Cuba desenvolveu sua própria indústria farmacêutica e agora fabrica a maior parte das drogas de sua farmacopeia básica, mas também alimenta uma indústria de exportação. Recursos foram investidos no desenvolvimento de expertise em biotecnologia, em busca de tornar Cuba competitiva no setor com os países avançados.
Existem jornais médicos acadêmicos em todas as especialidades e a liderança médica encoraja fortemente a pesquisa, a publicação e o fortalecimento de relações com outros países latino-americanos. As universidades médicas de Cuba, agora 22, continuam focadas em atendimento primário, com medicina familiar exigida como primeira residência de todos os formandos, embora Cuba já tenha hoje o dobro dos médicos per capita que os Estados Unidos.
Muitos dos médicos cubanos trabalham fora do país, como voluntários num programa de dois anos ou mais, pelo qual recebem compensação especial. Em 2008, havia 37 mil profissionais de saúde cubanos trabalhando em 70 paises do mundo. A maioria trabalha em áreas carentes, como parte da ajuda externa de Cuba, mas alguns estão em áreas mais desenvolvidas e seu trabalho traz benefício financeiro para o governo cubano (por exemplo, subsídios de petróleo da Venezuela).
Todo visitante pode ver que Cuba continua distante de ser um país desenvolvido em infraestrutura básica, como estradas, moradias e saneamento. Ainda assim, os cubanos começam a enfrentar os mesmos problemas de saúde de países desenvolvidos, com taxas crescentes de doenças coronárias, obesidade e uma população que envelhece (11,7% dos cubanos tem 65 anos de idade ou mais).
O seu incomum sistema de saúde enfrenta estes problemas com estratégias que evoluiram da peculiar história política e econômica de Cuba, um sistema que — com médicos para todos, foco em prevenção e atenção à saúde comunitária — pode informar progresso também para outros países.

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