sábado, 22 de novembro de 2014

PETRÓLEO - Aonde quer chegar a Arábia Saudita?


20/11/2014 - Copyleft

Sobre os objetivos do dumping do preço do petróleo

Arábia Saudita está destruindo o mercado de petróleo ao vender 11,8 milhões de barris (2 milhões a mais que sua cota) a um preço de 50-60 dólares o barril.


Nazanín Armanian (*)
Arquivo

A Arábia Saudita está destruindo o mercado de petróleo ao vender 11,8 milhões de barris (dois milhões a mais que sua cota) a um preço de 50-60 dólares o barril (d/B), ou seja, até 40 dólares menos do que alguns meses atrás. Se a baixa vai ser temporária, só Washington poderá saber, além de Riad, já que a fórmula oferta demanda não explica a situação: a elevada tensão e as guerras que estão esgotando o Oriente Próximo, junto das flutuações na oferta do Iraque, Líbia, Irã, Nigéria e Síria deveriam ter empurrado os preços para cima.

O conjunto das explicações convencionais apontam para a necessidade de a Arábia Saudita conseguir grandes quantidades de dinheiro para realizar seus mega projetos de construção de infraestrutura; recompensar a redução de suas exportações para os Estados Unidos, país que aumentou sua própria produção; a desaceleração na China e o estancamento na zona do Euro; o fracasso da Abenomics, o projeto de reformas econômicas no Japão, lançadas pelo premiê Shi ao Abe; a queda da tensão entre Rússia e Ucrânia e inclusive a diminuição do avanço do Estado Islâmico no Iraque.

Parece que desta vez uma queda no preço do petróleo não impulsionará o crescimento econômico de seus compradores. Por sua vez, os analistas "não convencionais", divididos em dois principais apontam o seguinte:

(A) Um complô arquitetado pelos Estados Unidos e pela Arábia Saudita para afundar as economias da Rússia, principal produtor de petróleo no mundo, e do Irã. Desse modo, também castiga Moscou pela Ucrânia e Crimeia e pelo apoio a Bashar al Assad, forçando o Kremlin a reduzir seus gastos militares. No caso do Irã, serve para tirar vantagem de Teerã nas negociações nucleares em curso e tirar sua força na região. Lembra 1985, quando os sauditas quintuplicaram sua produção de 2 a 10 milhões de barris por dia e os vendeu a 10 dólares em vez dos 32, que era seu preço, obrigando a URSS a oferecer seu barril por 6 dólares, afundando a economia planificada.

(B) Que se trata de outro caso de dumping lançado pelos sauditas: fixar preços predatórios com a finalidade de atingir a Rússia e o Irã, mas também os EUA por sua "revolução do xisto". Assim, pretende conseguir contratos interessantes na Ásia e sabotar a petição das companhias norte-americanas ao Congresso para levantar a proibição sobre as exportações de petróleo.

O cenário, porém, é mais complexo: em um cartel como a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), um aumento da produção não tem por que acarretar uma queda nos preços.

O Irã, apesar de ser uma das principais reservas mundiais de petróleo, envia somente ao mercado 800 mil barris (comparados aos 4 milhões de 1977) e a política dos sauditas não pode lhe prejudicar mais do que as sanções da ONU, dos EUA e da União Europeia fazem.

Se Riad quisesse prejudicar os EUA, teria desvinculado o petróleo do dólar. Em vez disso, reduziu os preços para seu aliado estratégico, sendo consciente de seu status de ser “Estado cliente” e que sua existência e segurança continuam dependendo da proteção militar do Tio Sam, que controla os sauditas, entre outros mecanismos, mediante a venda de armas.

Que um preço abaixo de 75 dólares não é rentável para os EUA pelo alto custo da produção de xisto betaminoso. Seria dar como um tiro no pé.

Objetivos: desmantelar a OPEP e salvar o petrodólar

Em 1973, Henry Kissinger sugeriu que os EUA deveriam invadir o Oriente Próximo e dissolver a OPEP. Acabar com o controle da OPEP sobre os preços do petróleo, fazer com que cada sócio estabeleça de forma individual para reduzir as tarifas e impedir que utilizem outra moeda que não seja o dólar, são dois objetivos da guerra de preços. Dois líderes que tentaram substituir a moeda verde pelo Euro, Saddam e Kadafi, foram assassinados. Em setembro de 2000, o presidente iraquiano anunciou a venda de seu pretróleo em Euros e em 2002 transformou os 10 bilhões de dólares do fundo de reserva do país na ONU na moeda europeia, desvalorizando o dólar. Os EUA querem sancionar, encurralar ou atacar todos os produtores de petróleo para obrigá-los a usar o dólar? E o capitalismo de livre mercado?

Meses antes da invasão do Iraque, um barril custava 15,30 dólares. Meses depois, 40,42, preço que continuou subindo sem parar, enchendo a Reserva Federal de petrodólares. Hoje, esta situação se inverteu; o valor do dólar aumentou e o preço do óleo bruto reduziu. Assim, ressuscitaram um dólar martirizado – cuja fortaleza depende dos petrodólares – mais forte desde junho de 2010.

O petróleo saudita e o dólar são dois dos pilares do domínio de Washington sobre o mundo. Que sua moeda seja o patrão do petróleo é tão vital para os EUA que o país pode perder um punhado de dólares e a indústria de xisto, em troca da desestabilização da Rússia, Irã, Venezuela e Equador. Derrotar Bashar al Assad seria a cereja do bolo.

Em 2012, Barack Obama forçou a Europa a deixar de comprar petróleo iraniano, impedindo, entre outros fatores, a transação petróleo/euro. Guerra financeira entre as potências ocidentais que também se refletiu nas sanções aplicadas por Washington contra o Irã, incluindo seu Banco Central – que em 2005 tinha convertido a metade de suas reservas de dividas em Euros – e que em setembro de 2014 foram declaradas ilegais pelo Tribunal Geral da União Europeia.

Ganhadores e perdedores imediatos

Entre os beneficiários do petróleo barato está a China, que compra cinco milhões de barris por dia e é o maior cliente da Arábia Saudita. Também está aumentando suas compras da Rússia e, pela primeira vez, da Colômbia (30 mil toneladas). Índia e Europa também estão aproveitando do petróleo barato.

Moscou, que aumentou seu orçamento para o próximo ano pensando em um barril de 100 dólares, com 20 ou 40 dólares a menos, sofrerá um déficit orçamentário que se somará aos efeitos das sanções e à queda do preço do rublo. Por isso, vai atuar a partir dos BRICS para desbancar o petrodólar do sistema financeiro mundial, enquanto a China trabalhará para estabilizar o rublo: pedem que seus sócios comerciais usem euro e iene. O Irã, por sua vez, já está trocando o petróleo por bens acordados, eludindo as sanções dos EUA, pois já anunciou a criação de um banco de desenvolvimento com a Rússia, com a finalidade de elevar suas transações comerciais, a construção de novas usinas nucleares e aumentar a compra do petróleo iraniano para exportar para outros países.

Novos movimentos no tabuleiro

Apesar de a China ter diminuído a importação de petróleo iraniano até 30% para “melhorar suas refinarias” - e talvez porque o Irã rompera em maio do ano passado o contrato de 2.500 milhões de dólares com a Corporação Nacional de Petróleo da China por descumprir o mesmo (em seis anos deveria ter perfurado 185 poços), pelo primeira vez na história – os exércitos dos dois países realizaram em setembro uma manobra conjunta no Golfo Pérsico em que participaram Changchun e Changzhou, um destrutor e uma fragata de mísseis. O Irã é a peça fundamental na estratégia chinesa de Marcha para o Oeste” - Ásia central, Ásia do Sul, Oriente Médio e Oceano Índico – e em ampliar o cinturão econômico marítimo na velha Rota da Ceda.

Longe de isolar a Rússia, o Ocidente conseguiu a formação de novas e temíveis alianças: uma aproximação entre Pequim e Moscou sem precedentes após a morte de Stálin, enquanto aumenta cada vez mais a aberta inimizade entre os mandatários e xeques sauditas.

É o final da era do petróleo: estão sendo utilizados os últimos 25% da reserva aproveitável, cuja oferta, se prevê, se esgotará em 25-30 anos. Diante do auge do petróleo e dos cenários que não são possível de se antecipar, a única garantia são os novos conflitos nas regiões produtoras de petróleo.


(*) Nazanín Armanian é iraniana residente em Barcelona desde 1983, data em que se exilou de seu país. Leciona em cursos on-line da Universidade de Barcelona e é colunista do jornal on-line Publico.es.

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