sábado, 30 de agosto de 2014

POLÍTICA - Ousar e vencer.


                                    

Saul Leblon: Ousar e vencer ou entregar o Brasil aos mercados passivamente?


Enviado por Webster Franklin
da Carta Maior
Ousar e vencer ou entregar o Brasil aos mercados passivamente?
Ao aluvião de malafaias, rentistas e insatisfeitos bem intencionados não basta contrapor conquistas incorporadas. É preciso sinalizar um símbolo da repactuação.
por: Saul Leblon
 Facebook/Silas Malafaia
Silas Malafaia, pastor e radialista evangélico, de larga audiência no Rio de Janeiro, é um símbolo exclamativo daquilo que se convenciona chamar um estereótipo.
Certas características nele são tão acentuadas que mais se assemelha a um personagem de desenho animado.

Mas Malafaia é de verdade.

E personifica um dos mais buliçosos marcadores do extremismo conservador nos ciclos eleitorais brasileiros.

Malafaia é velho conhecido no ramo do palanque de rebanho.

Com a retórica adestrada na radiofonia da fé, o pastor evangélico se notabiliza como uma ferramenta implacável no exorcismo de gays e lésbicas; na condenação do aborto e da educação sexual; na demonização de petistas, esquerdistas e libertários em geral.

Não necessariamente nessa ordem, mas com essa vivacidade. Sempre em nome da pureza da sociedade, dos costumes e do que mais se engata a esse comboio.

Em 2012, já descendo a ladeira do seu moderado escrúpulo, na largada do 2º turno em São Paulo quando foi derrotado por Fernando Haddad, Serra importou o animador cirúrgico para reforçar a musculatura na hora do vale tudo na disputa.
Silas Malafaia desembarcou na cidade festejado então em manchete graúda do caderno de política da
'Folha de SP', em 10/10/2012.

Assim:

"Líder evangélico diz que vai 'arrebentar' candidato petista -- Silas Malafaia afirma que Haddad apoia ativistas gay".

Em entrevista ao diário dos Frias, de imoderados pendores tucanos, o bispo disse que Serra agradeceu o apoio recebido no primeiro turno, quando fez um vídeo em que pedia votos ao candidato do PSDB e ligava Haddad ao ‘kit anti-homofobia’.

Carimbado de "kit gay" pelos evangélicos, o material consistia de uma cartilha contra a homofobia encomendada pelo Ministério da Educação em 2011, para ser distribuída nas escolas na gestão Haddad.

A pressão da mídia e evangélicos obrigou o governo a recuar. "O Haddad já está marcado pelos evangélicos como o candidato do 'kit gay'. Não vamos dar moleza a ele", fuzilou Malafaia, após o encontro com Serra.

Arrebentar a tolerância, de um lado, para resgatar o voto da ‘pureza’ de outro; esse, o fundamento regressivo representado pela restauração do filtro religioso na política.

A especialidade de Silas Malafaia está prestes a ser direcionado agora no apoio à candidata do PSB.

O bispo anunciou que apoiará Marina Silva no provável 2º turno das eleições presidenciais deste ano, embora a tenha trocado por Serra, em 2010, quando Marina sugeriu um plebiscito sobre o aborto.

Malafaia é um estereótipo.

Como qualquer marcador, cola onde encontra aderência.

A adesão a Marina foi revelada em blog de uma revista semanal, ela também um marcador sanguíneo dos pecados incluídos na lista de Malafaia.

No 1º escrutínio, ’para marcar posição’, informa a revista, o voto do influente bispo terá outro dono: o pastor e presidenciável Everaldo, do PSC, -como ele e Marina, também da Assembleia de Deus, e cujo bordão eleitoral é ‘vou privatizar tudo’.

Na decisão para valer, Malafaia vai de Marina.

Outro conhecido político e pastor evangélico, o deputado federal Marco Feliciano (PSC), envolvido recentemente em acusações de homofobia e rompido com o governo pela falta de solidariedade dos petistas, anuncia a mesma dobradinha.

Porém, com uma ênfase mais representativa dos dias que correm: ‘no segundo turno, qualquer um, menos o PT’, proclama Feliciano.

O bordão é o mesmo empunhado pelos operadores de outra confissão de fé arrebatada: a do mercado financeiro, que aspira à multiplicação bíblica do pão e do peixe na forma dinheiro.

O vertedouro desse sortido aluvião de intolerância e cobiça é a proposta de higienizar ‘a velha política’, apresentada ora como uma instância devassa de uma sociedade pia; ora como uma interferência suja na pureza lógica do maquinismo rentista.

A purgação desses pecados uiva na fogueira programática mais festejada da praça nesse momento. Das labaredas emana o espírito santo de um Banco Central autônomo ; de um mercado financeiro independente e de um moralismo a salvo dos incréus.

Todos abrigados da ingerência do Estado belzebu e das liberdades democráticas e individuais.

O tucano Aécio Neves, no debate da Bandeirantes, ao criticar Marina Silva, que se autonomeia a semente dessa ‘nova política’ (a limpa), acabou na verdade reiterando a falsa disjuntiva.

Aécio trocou a dualidade higiênica de Malafaia e assemelhados pelo maniqueísmo da 'boa e a má política'.

Boa política para o candidato do PSDB era a política de Tancredo ...Naturalmente não a de Vargas, não a de Morales, não a de Chávez, não a de Lula.

A ideia de uma salubridade externa à história que deve ser tomada como referência limpa e boa na construção da sociedade é um daqueles mantras aos quais se agarram os interesses dominantes de todos os tempos.

Pode assumir a forma de uma religião (
leia o indispensável artigo de Katarina Peixoto; nesta pág). Ou a da judicialização da ‘velha e má’ política. Ou ainda encarnar no monopólio de um dispositivo midiático que se avoca a prerrogativa de um Bonaparte, a emitir interditos e sanções em defesa dos interesses que nomeia como ‘a ordem’.

O mercadismo rentista, o fanatismo religioso, assim como o barbosismo togado ou o bonnerismo midiático sempre tiveram dificuldade em se expressar através de um palanque unitário que emprestasse carisma a um credo excludente em seus próprios termos.

Agora parece que não mais, graças à ascensão desse super-bonder chamado 'nova política'.

Trata-se de um retrofit da desgastada terceira via.

Retro, do latim “movimentar-se para trás” e fit do inglês, adaptação, ajuste.

O termo emprestado da arquitetura adequa-se à descrição da candidatura sensação nesse momento que os mais entusiasmados, a partir de dados do Datafolha, enxergam em escalada irreversível rumo a Brasília.

O retrofit é recomendável quando um edifício chega ao fim de sua vida útil, oferecendo-se como opção para corrigir o desgaste e a decadência do longo tempo de uso, todavia sem alterar seus alicerces e estruturas de sustentação.

É mais barato e funcional.

No caso da política, o retrofit consiste em vender como novo a velho ardil conservador que evoca uma ordem natural naquilo que cabe ao conflito democrático resolver: ou seja, as escolhas inerentes à luta pelo desenvolvimento da economia e da sociedade.

Objetivamente, a candidatura Marina Silva é um retrofit do neoliberalismo e da terceira via.

Não qualquer retrofit , mas o estuário do higienismo político diuturnamente inoculado no imaginário brasileiro pelo intercurso de mídia, togas e elites nos últimos anos.

O desafio de vida ou morte do campo progressista nesse momento é restaurar a transparência dos dois campos em confronto na sociedade brasileira, dissimulados sob o xale da ‘nova política’.

O calcanhar de aquiles do retrofit conservador é o antagonismo entre a maquiagem da fachada e de alguns equipamentos e a rigidez dos pilares e colunas estruturais.

Num edifício isso é contornável com algum jogo de decoração.

Numa sociedade pode ser insuportável.

A participação soberana e democrática da população nas decisões sobre o desenvolvimento frequentemente evoca mudanças que colidem com as velhas estruturas que a ‘nova política’ visa preservar.

Marina Silva afirma apoiar o decreto de Dilma, demonizado pela elite que a festeja, da Política Nacional de Participação Social.

Como, porém, se a mesma Marina defende, por exemplo, a independência sagrada do Banco Central em relação à democracia e ao governo?

Como, se terceiriza aos operadores do mercado a hegemonia plena sobre a fixação de um dos principais preços da economia: a taxa de juros? (
Leia esclarecedor artigo de Paulo Kliass sobre esse tema; nesta pág).

Marina e seus formuladores defendem a mesma autonomia em relação a outro preço estratégico: o câmbio, que segundo eles, deve flutuar livremente. E abjuram, em relação ao salários (o terceiro preço decisivo no capitalismo) , a política de valorização do salário mínimo adotada pelos governos petistas –da qual Dilma avisa que não abdicará.

É justo perguntar: assim encapsulada a economia nas mãos do mercado, o que sobra então à participação social endossada por Marina Silva?

O Brasil, desde 2003 –com todas as limitações e contradições intrínsecas a um governo de base heterogênea-- tem figurado aos olhos do mundo como uma da estacas de resistência à retroescavadeira ortodoxa que demole e tritura direitos sociais e soberania econômica urbi et orbi.

Essa resistência criou um dos maiores mercados de massa do mundo numa demografia de 202 milhões de habitantes.

Não há dúvida de que isso se fez às custas de afrontar a lógica de uma globalização financeira cujo colapso apenas acentuou sua natureza intrinsicamente excludente.

O assoalho macroeconômico brasileiro range e ruge sob o peso da inadequação entre a emergência desse protagonista de massa, que constitui a nova força motriz da economia, e estruturas pensadas para atender a 1/3 da população mais rica.

A solução da ‘nova política’ é reconduzir a agenda do desenvolvimento aos fundamentos estritos de sua autorregulação pelas forças dos mercados globais.

Higienizar ‘a sujeira’ do intervencionismo em todas as frentes.

Com as consequências sociais sabidas. E a dose de repressão necessária que faz do endosso de Marina à participação social pouco mais que um retrofit na palavra simulacro.

Não é uma acusação eleitoreira; é uma operação em marcha promovido por massas de forças ferozes.

Curto e grosso: está em jogo colocar o Estado esfericamente na mira dos jagunços de gravata de seda italiana e Rolex, dos quais Neca do Itaú é só a face elegante, para que façam o serviço sangrento.

Sobrepor o interesse privado aos da sociedade implica capturar o sistema democrático integralmente para o mesmo fim.

É uma operação de potencial lucrativo tão elevado que ao mercado compensa tolerar o xale dissipador de Marina Silva –desde que o bangue-bangue da faxina econômica esteja liberado às mãos e bicos que dão conta do serviço.

Não é só uma sucessão presidencial, portanto.

Estamos diante de um divisor histórico do desenvolvimento brasileiro.

Ao aluvião de malafaias, rentistas e bem intencionados --seduzidos estes pelo glamour da ‘nova política’, não basta contrapor o exaustivo balancete publicitário do que se conquistou nestes últimos 12 anos.

É importante, mas não é suficiente.

É forçoso contrapor à ‘nova política’ aquilo que a desnuda e afronta.

É urgente dizer pelo que se luta e contra quem se trava a batalha dos próximos dias e noites.

Essa é uma batalha entre a democracia social e as forças regressivas do galeão malafaico-rentista.

É preciso escancarar a contradição entre o retrofit messiânico e as estruturas calcificadas que ele maquia.

Contrapor , enfim, ao galope conservador um salto efetivo da democracia participativa em um novo governo Dilma.

Tornar esse salto palpável aos olhos da população requer um símbolo de magnetismo equivalente às tarefas que essa agenda encerra em termos de negociação de pactos, metas, concessões, salvaguardas e organização.

Um novo governo estruturado em torno dessa renegociação do desenvolvimento requer um chefe de Casa Civil dotado ao mesmo tempo de inexcedível sintonia com a Presidenta Dilma , e de incontrastável representatividade popular.

Essa referência existe; já funciona de fato como líder político do campo progressista; deveria ser oficializado desde já na nova estrutura de um segundo governo Dilma.

Seu nome é Lula.

Nenhum comentário: