Revisão da Lei da Anistia: capítulo glorioso na história do MPF


Depoimento da procuradora Eugênia Gonzaga ao GGN, sobre a grande batalha contra a tortura
O parecer do Procurador Geral da República Rodrigo Janot, com a posição oficial do Ministério Público Federal a favor da revisão da Lei de Anistia, é uma demonstração da capacidade do órgão de se abrir – ainda que lentamente, como deve ser em um poder do Estado – aos novos conceitos e interpretações.
Inicialmente, a PGR era contrário à revisão da Lei da Anistia.
Teve início, então, o trabalho solitário de dois procuradores, Marlon Weichert e Eugenia Gonzaga, visando convencer o MPF da imprescritibilidade dos crimes de tortura, Marlon atuando mais na parte jurídica e Eugênia nas ações contra torturadores.
As primeiras ações de Eugenia foram no episódio da Vala de Perus. Abriu ações contra uma enorme lista de responsáveis, do ex-prefeito Paulo Maluf aos legistas do IML (Instituto Médico Legal), Unicamp e USP.
Com algumas exceções, a maioria das ações não passava da Primeira Instância, com os juízes entendendo que a Lei da Anistia valia para todos – inclusive para os torturadores.
A estratégia inicial era insistir na Primeira Instância, ir formando um consenso na opinião pública, ampliando as ações até chegar a hora de recorrer aos tribunais superiores e ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O voluntarismo do jurista Fábio Konder Comparato atrapalhou a estratégia. Antes de se começar a formar o consenso, Comparato levou o caso ao STF. Fundado em opiniões do ex-Ministro e ex-Procurador Geral Sepúlveda Pertence, o STF entendeu que a Lei da Anistia se aplicava a todos os crimes.
A dupla não desistiu. Foram abertas ações na área civil, enquanto se aguardava o avanço das discussões.
Quando a Corte Interamericana se pronunciou, entenderam que era hora de avançar de novo na tese. O Brasil assinou o tratado da Corte, considerando imprescritíveis os crimes de tortura. Abria-se novamente a porta para a revisão da Lei.
Àquela altura, as sementes plantadas no MPF floresciam, com o aparecimento de uma nova geração de procuradores assumindo o tema e enriquecendo o debate.
A primeira brecha na armadura da PGR foi ainda na gestão Roberto Gurgel. Os depoimentos de torturados e familiares sensibilizaram Gurgel.
Já na campanha pela sua sucessão, durante evento de lançamento do Brasil Sem Tortura eletrônico, o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Aurélio Rios assegurava que, independentemente de quem fosse indicado PGR, haveria o endosso à revisão.
No evento dos 50 anos de Ditadura – promovido pelo Ministério da Justiça no Recife – a mesa destinada ao MPF comprovava a convergência de opiniões em favor da revisão da Lei da Anistia.
Ontem, ao divulgar o parecer oficial da PGR favorável à revisão da Lei da Anistia, completa-se o ciclo e o Ministério Público Federal assina uma página maiúscula na história da cidadania e do processo civilizatório brasileiro.
De Antonio Carlos Fon
Oi Nassif,
 
o doutor Marlon e a doutora Eugenia estão dando, também, uma lição de cidadania. Nos últimos meses, após a chegada da ministra Ideli Salvatti à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, finalmente o Estado brasileiro começou a apurar a identidade das ossadas da chamada Vala de Perus. São 1049 ossadas que esperam há 24 anos - é isso mesmo 24 anos - por exames de identificação. Elas foram recolhidas na vala comum do Cemitério de Perua, na capital paulista, onde eram enterrados indigentes e prisioneiros políticos assassinados pelas forças armadas. Entre essas ossadas, descobertas na administração Luiza Erundina, sabe-se que estão vários "desaparecidos" políticos.
Agora foi formada uma equipe multidisciplinar, com a participação de órgãos do governo federal, como a Polícia Federal e a Unifesp - Universidade Federal de São Paulo, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania paulistana, ministério público, antropologs forenses brasileiros, peruanos e argentinos, Cruz Vermelha Internacional, familiares de mortos e desaparecidos e representantes da sociedade civil, como o Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça - CPMVJ.
Os exames das ossadas devem começar nas próximas semanas - e você pode intuir a dificuldade em harmonizar opiniões, respeitando as divergencias, em um grupo tão heterogêneo. Pois a escolhida por unanimidade para coordenar o grupo que vai orientar os trabalhos foi a doutora Eugenia.
No que diz respeito à luta pela revisão da Lei da Anistia e punição dos crimes da ditadura, o Ministério Público Federal de São Paulo e não apenas o Marlon e a doutora Eugenia, mas principalmente os dois, estão de parabéns.
Quanto à posição do procurdor-geral, doutor Janot, ficamos felizes por, enfim, uma autoridade representstiva do Estado brasileiro se manifesta pela punição dos crimes do regime militar. Esperamos que manifestações semelhantes venham também dos poderes Legislativo, onde existem, tanto na Câmara quanto no Senado, projetos de lei reinterpretando a lei de anistia para permitir a punição dos criminosos, quanto do Judiciário, revusando um entendimento equivocado e aderindo ao sistema jurídico internacional que, através de sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, mandou o Brasil apurar e processar os autores dos crimes do regime militar. Ao não cumprir essa sentença, o Brasil se torna um país pária no sistema jurídico internacional.
Mais uma vez, obrigado e parabéns ao Ministério Público Federal paulista.
A.C.Fon