terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

GEOPOLÍTICA - A crise ucraniana.

Ucrânia e a grande ofensiva dos EUA contra a Rússia

A Rússia não vai admitir um regime pró-ocidente no país mais importante para sua segurança. Onde, como e quando responderá a tais provocações?


Nazanín Armanian (*)
Arquivo

Em uma conferência patrocinada pela petroleira Chevron, a subsecretária dos Estados Unidos, Victoria Nuland, revelou que, desde 1991, seu país investira mais de cinco bilhões de dólares na Ucrânia, um dos países mais estratégicos do planeta. E não foi para erradicar a pobreza, precisamente. A divulgação (pela Rússia?) de uma conversar telefônica entre Nuland, uma ferrenha anti-Rússia procedente da OTAN, e o embaixador norte-americano em Kiev dias antes, em que ela se queixou da União Europeia por ser incapaz de derrubar o governo. Afirmou também usar um representante da ONU – organismo internacional tratado como marionete – para formar um novo Executivo, de acordo com a suspeita.

Washington estaria por trás do golpe de Estado contra o governo legítimo (com os mesmos critérios do Ocidente) de Viktor Yanukóvich, eleito em 2010? Claro que, neste caso, ninguém chamará de “golpe de Estado” para poder reconhecê-lo como legítimo, da mesma forma como foi feito com o golpe no Egito por Al Sisi. Por outro lado, foi surpreendente que Barack Obama pedisse tranquilidade aos manifestantes e diálogo com o governo, enquanto ultras como John Bolton e o senador McCain (que esteve até presente na Praça da Independência de Kiev!) exigiam contundência. Há um governo neoconservador dentro ou paralelo ao governo de Obama, ou se trata de um jogo duplo do presidente?


A realidade é mais complexa do que “os ucranianos queriam pertencer à UE e seu governo tirano se propôs a impedir com tiros”. Enquanto os meios de comunicação transformavam um assunto interno da Ucrânia em uma questão internacional, exagerando seu impacto com a finalidade de facilitar o caminho da ingerência das potências ocidentais (mais preocupadas com a democracia na Ucrânia do que na Arábia Saudita!), ninguém soube da fuga da primeira tailandesa Yingluck Shinawatra para não se sabe onde por conta dos protestos massivos, nem da terrível matança de muçulmanos em Myanmar.


O monopólio da ingerência nos assuntos de outros Estados tem nome: American exceptionalism (a teoria do excepcionalismo americano).


Cabe aos ucranianos discutir o caldo interno que propiciou uma crise de tal magnitude e de como 20 mil puderam determinar o destino de 45 milhões de pessoas. E não vale a justificativa à espanhola de “maioria silenciosa”! É desconhecido que alguns “revolucionários” arrisquem suas vidas para entrar em uma aliança econômica sendo esta, ademais, uma União Europeia em bancarrota e com milhões de desempregados, desenganados e classes médias empurradas para a miséria.


O modus operandi da UE e dos Estados Unidos tem sido aplicar o modelo das primaveras líbia e síria: protestos pacíficos transformados, de repente, em levantes armados de grupos tenebrosos com disciplina militar, provocando caos e terror para dar a impressão de perigo de massacre e de guerra civil. Que os ditadores respondam com uma dura repressão mostra que nenhum deles representa o interesses dos cidadãos.


A destituição de Yanukóvich com tais métodos é um mau precedente para os governos europeus que quase diariamente enfrentam dezenas de milhares de manifestantes contra a corrupção e o confisco de suas poupanças.

Bruxelas oculta a verdade

Não se diz aos ucranianos que:

1. A UE não ofereceu ao seu governo a integração ao clube, mas sim um acordo de livre comércio (leia também A guerra do gás: da Ucrânia à Síria e dos EUA ao Irã) que destruiria a economia de um país que possui um quarto das “terras negras” (Chernossolo, solo agrícola que não precisa de fertilizante) do mundo, além de carbono, urânio e ferro. Sua população empobrecida acredita que viveriam como os suecos, ignorando que, na Bélgica, por exemplo, uma em cada quatro crianças vive abaixo da linha da pobreza.

2. Que hoje estando na bancarrota, a UE não tem interesse na entrada da Ucrânia. Se tivesse, Geórgia, Azerbaijão e Moldávia também entrariam na fila.

3. Que países como Romênia e Bulgária, que estão na UE, não viram nem prosperidade econômica, nem direitos políticos e vivem pior do que há 40 anos. A Bulgária socialista de então exportava eletricidade e produtos agrícolas à Turquia. Atualmente, sua economia sofre tamanha paralisia que seus cidadãos qualificados emigraram e o restante são meros consumidores dos produtos das potências, devendo até as calças. 

4. Que na Bielorrússia, país que vai fazer parte da União aduaneira da Eurásia, junto do Cazaquistão e da Rússia, as taxas de pobreza e do desemprego são de 2%, e a Educação e a Saúde continuam sendo gratuitas e universais.

5. Que Bruxelas e Washington estão apoiando, na Ucrânia, a direita mais reacionária, os grupos fascistas (como fizeram com Talibã e Al-Qaeda) e inclusive antissemitas que acusavam o governo de ser marionete da máfia judia russa. Os partidos comunistas das ex-repúblicas soviéticas advertiram, ainda em dezembro, sobre o perigo das forças neonazistas na Ucrânia, que avançam também na Europa Ocidental.

De Buda a Lênin, de Bamiyan a  Kiev

A derrubada da estátua de Lênin em Kiev, símbolo da vitória sobre os nazistas (que não era a da URSS ou da Rússia, já que nos últimos três anos foram instaladas outras cinco estátuas de Lênin e de Marx em cidades distintas do país), foi tão significativa como a destruição da estátua de Buda no Afeganistão pelos talibãs, nascidos nos sótãos da CIA, cuja missão era operar em outro país da área de influência russa.

Dominar a Ucrânia tem sido um dos principais objetivos dos Estados Unidos. Em 1989, Zbigniew Brzezinski, assessor de Segurança Nacional de Jimmy Carter,  elaborou estatutos para uma Ucrânia independente da URSS. Os objetivos da atual intromissão de Washington na Ucrânia (que significa “Pátria” em seu idioma) são:

Impedir que a Rússia colocasse em funcionamento a Comunidade Econômica Eurasiática, prevista para 2015, cujo núcleo seria a Ucrânia.

Conter a exitosa recuperação do espaço soviético por Moscou na Eurásia e na Ásia central.

Irritar Putin, vingando o caso de Snowden, que tanto prejudicou Obama, e também condenar ao fracasso as Olimpíadas de Sochi em que Moscou investiu 50 bilhões de dólares e que seria uma vitrine de seu poderio organizativo e esportivo.

Acabar com as forças para desafiar os Estados Unidos em outras áreas em disputa.

Abrir o mercado da Ucrânia aos produtos ocidentais, tendo conhecimento de que as mercadorias ucranianas não poderão competir com as deles.

Deixar o Kremlin nervoso e na defensiva, preocupando-se com “qual será o próximo golpe?”

Caracterizá-los um modelo antidemocrático e antidireitos humanos e mostrar o modelo ocidental como o paradigma do paraíso, quando, na verdade, ambos servem a uma elite mesquinha e putrefata.

Fortalecer sua posição na Nova Europa, agora que os europeus ocidentais deixam de ser submissos executores de suas ordens, prevenindo a formação de um eixo Paris-Berlim-Moscou. Não se esquecem de que a Alemanha se negou a participar da invasão do Iraque em 2003.

Para arrastrar a Ucrânia em direção à sua órbita, os EUA contam com vários planos:

* Plano A: Instalar um governo antirrusso que atue como um contrapeso a Moscou e que permita a integração do país na OTAN, como aconteceu na Polônia, Hungria, Eslováquia e Romênia. O avanço da Aliança em direção às fronteiras russas parou com a intervenção militar da Rússia na “guerra dos cinco dias” contra a invasão da Geórgia, apoiada pelo Pentágono, na Ossétia do Sul. O golpe de Estado contra Yanukóvich facilita uma tarefa primordial: mudar a direção dos serviços de inteligência e o comando do exército ucraniano e vinculá-los ao Pentágono.

* Plano B: Se o futuro regime não for amigo, que pelo menos transforme a Ucrânia em um Estado tampão entre a Rússia e o Ocidente. É preferível que esteja fraco e instável do que forte e parceiro da Rússia.

*Plano C: A “Iugoslavização” da Ucrânia, com linhas imaginárias divisórias etnolinguísticas (russo/ucraniana) e religiosas (ortodoxa católica), conforme Samuel Huntington apontou em 1996, baseando-se no argumento de “choque de civilização entre os ucranianos orientais e os ocidentais”. Os Estados Unidos também seguirão a nova política da Casa Branca: não às intervenções e riscos desnecessários, se ou as intervenções e riscos desnecessários, e sim para tirar proveito das fraturas sociais existentes nos territórios de interesse (Leia também: Obama e seu realismo aristotélico).

A Ucrânia sentada em duas cadeiras

Desde sua independência em 1991, Kiev teve que se equilibrar entre o Ocidente e a Rússia, salvando sua difícil posição geográfica: a oposição de Yanukóvich em 2011 à oferta russa de fundir a ucraniana Naftogaz com a Gazprom, apesar da oferta de preços mais baixos para os consumidores de gás na Ucrânia, ou negociar um acordo de associação com a OTAN, enquanto firmava com Moscou os direitos da frota russa do Mar Negro são alguns exemplos.

Será decisão sua ser outro Chipre ou a Grécia na UE ou ser um aliado de importância para a Rússia: o rabo do leão ou a cabeça do rato. Escolhas geopolíticas podem ser condicionadas pelos indivíduos que estão no poder, mas a pressão dos interesses nacionais de longo prazo permanece forte. O futuro é que determinará o peso dos interesses nacionais, o que impedirá a fidelidade absoluta de Kiev a Moscou ou a Bruxelas-Washington.

O retorno do imperialismo alemão

Com 287 bases militares americanas em seu solo (a Noruega tem três e a Espanha tem cinco), a grande Alemanha não é mais do que um refém dos Estados Unidos. A chanceler precisou ir ao encontro de seu chefe em Washington umas vinte vezes. Nuland, em sua famosa chamada telefônica, permite-se menosprezar a Alemanha sem compreender o risco energético que uma guerra aberta com a Rússia trará.

Ainda assim, a atual intervenção de Berlim nos assuntos da Ucrânia – apoiando Vitali Klitschko, um milionário líder da oposição, residente em Hamburgo – representa um novo marco na política externa dos alemães, com a intenção de:

Poder ampliar sua influência ao Mar Negro e alcançar o Oriente Média por terra através dos Bálcãs.  Em 1917, a Alemanha exigiu aos bolcheviques a entrega da Ucrânia em troca da paz que eles pediam. Foi também um sonho de Hitler que a Ucrânia, a Bielorrússia e os países bálticos estivessem sob domínio alemão.

Preencher o vazio que os Estados Unidos estão deixando em algumas partes do mundo, apesar de atualmente governar uma Europa fraca e fragmentada.

Os benefícios econômicos da Ucrânia – a melhor terra agrícola da Europa, mão de obra qualificada e barata, de pele branca e fé cristã – devem ser superiores aos possíveis prejuízos vindos de Moscou, afinal, conta com o fato de a Europa ser o maior cliente da Rússia.

A vingança russa

A Rússia não vai admitir um regime pró-ocidente no país mais importante para sua segurança. Onde, como e quando responderá a tais provocações? Talvez faça isso no Irã, sabotando o histórico acordo firmado com os Estados Unidos sobre seu programa nuclear. Ou na Polônia ou na Romênia, ambos dependentes do gás russo.

A Rússia, a partir da Ucrânia, amplia sua linha costeira até o Mar Negro, fortalece seus laços com mais de quatro milhões de ortodoxos, mantém sua base militar (também a aeroespacial), e tem acesso aos amplos e abundantes produtos agrícolas.

O Kremlin não pode perder esta batalha, mas também não quer um enfrentamento durante os jogos de Sochi, razão por usar seu poder de maneira branda. Tem consciência de que qualquer governo na Ucrânia terá que exercer o mesmo jogo de equilíbrio. A dependência econômica da Ucrânia em relação à Rússia é muito profunda, tanto que muitas das grandes empresas do país são de proprietários russos.

O que aconteceu muda o equilíbrio de forças. A próxima parada do “caos controlado” pode ser a Bielorrússia e depois as regiões da própria Federação Russa.

(*) Nazanín Armanian é iraniana e reside em Barcelona desde 1983, data em que se exilou de seu país. Licenciada em Ciência Política, leciona cursos on-line na
 Universidade de Barcelona. É colunista do jornal on-line publico.es .

Tradução: Daniella Cambaúva

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