Os vazamentos de inquéritos do Ministério Público paulista



Hoje em dia, é mínimo grau de confiabilidade das notícias. Qualquer procurador que tenha dado entrevistas a jornais sabe desses problemas, o uso indevido das aspas, as conclusões incorretas do que falam, a seleção de declarações que melhor se amoldem aos objetivos da pauta.
Muitas vezes, trata-se apenas de incompetência da cobertura jornalística, nesses períodos de redução das redações, de contratação de estagiários e da pressa para competir no noticiário online.
Mas essa rapaziada sabe que ganhará espaço apenas a matéria que melhor atender aos desejos da casa. Desde que os jornais abriram mão até da encenação de isenção, o que a casa quer são matérias que blindem os aliados e escandalizem cada passo dos adversários.
A partir dessa constatação, os órgãos de investigação precisam discutir com urgência as formas de relacionamento com a mídia.

O caso Kassab

O inquérito da máfia dos fiscais está a cargo do promotor Roberto Bodini. Não existe nenhuma indicação que deponha contra ele e seu trabalho. Mas a falta de critério no vazamento das informações já o jogou – e ao MPE paulista - no olho do furacão das suspeitas de partidarização das investigações e de blindagem do ex-prefeito José Serra.
Na quarta-feira passada, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab anunciou sua candidatura ao governo do Estado (http://tinyurl.com/k6y32xc). Foi interpretada como dificuldade adicional à reeleição do governador Geraldo Alckmin.
Um dia depois, a manchete do Estadão era: Kassab recebeu ‘fortuna’ da Controlar, diz testemunha da máfia do ISS”. A “denúncia” foi repercutida à noite no Jornal Nacional.
No dia seguinte, a manchete da Folha foi “Kassab obteve ‘fortuna’ da Controlar, diz testemunha”. Não é padrão que jornais deem como manchete principal notícia requentada de um furo já dado pelo jornal concorrente. Nesses tempos de partidarização, joguem-se no lixo manuais de redação.
A matéria do Estadão informa (http://glurl.co/dvf) que uma testemunha (não se sabe quem) foi ao Ministério Público Estadual informar que ouviu de outra pessoa (Ronilson Bezerra Rodrigues, chefe da máfia dos fiscais) que a Controlar pagou uma fortuna em dinheiro vivo ao prefeito Gilberto Kassab. O dinheiro teria ficado guardado no próprio apartamento do prefeito. E teria sido transportado para Mato Grosso em um aviãozinho providenciado por Marco Aurélio Garcia, irmão de Rodrigo Garcia, Secretário de Desenvolvimento de Geraldo Alckmin e ex-sócio do prefeito.
A testemunha não apresentou provas. Contou o que ouviu dizer.
Segundo a matéria, “Os fatos trazidos pela testemunha serão analisados pelo MPE”. Ou seja, o promotor Bodini recusou-se a assinar embaixo do depoimento. Se o depoimento não permite assinar embaixo, qual o motivo para ter vazado para a imprensa?
No dia seguinte, a mesma matéria tornou-se manchete principal da Folha.
Para mostrar isenção, o jornal publicou as “denúncias” da testemunha contra Mauro Ricardo – homem de confiança de José Serra, mantido por Kassab na Secretaria das Finanças.
A primeira, é que Mauro Ricardo teria dado isenção ao Mackenzie e à ESPM em troca de bolsas de estudo para seus filhos. Mauro rebateu simplesmente mostrando que ambas já gozavam de isenção há anos.
A segunda, é que teria reduzido o ISS da Bovespa, para impedir que ela se mudasse para Barueri. Mauro rebateu simplesmente comprovando a ameaça de mudança para Barueri.
Só faltou a denúncia de que Mauro isentou a Catedral da Sé do pagamento do IPTU em troca de indulgências plenárias.
Em episódios anteriores, o promotor Roberto Bodini já tinha sido acusado de trabalhar em estreito contato com o Jornal Nacional (http://tinyurl.com/jwas7t7), passando informações exclusivas e escondendo-as de outras equipes de televisão. Não dá.

A pauta e a matéria

O promotor Bodini tem bons indícios para apostar no relacionamento da máfia dos fiscais com Garcia – e, a partir dele, com Kassab. (http://tinyurl.com/q4jh4eo).
Os promotores apuraram que Garcia era locatário do escritório do centro de São Paulo onde a quadrilha se reunia. No local, o MP apreendeu R$ 88 mil em dinheiro. Além desse imóvel, Garcia vendeu dois outros flats a auditores suspeitos de integrarem o esquema. Extratos bancários de Ronilson e seu próprio depoimento confirmaram que adquiriu o apartamento de Garcia.
Se tem bons indícios, boas linhas de investigação, se está tendo liberdade para desenvolver seu trabalho, qual o motivo para dar divulgação a qualquer passo das investigações?
No MPF, há um movimento importante dos principais procuradores de reagir contra essas formas de vazamento. Comprometem não apenas a isenção do promotor/procurador, como da própria instituição.
Seria importante que o MPE paulista abrisse discussões internas sobre essa falta de disciplina corporativa. E o próprio Bodini entendesse o risco de imagem que essa cumplicidade traz para ele próprio e para sua instituição.
No Seminário do Jornal GGN com a OAB Nacional, em Brasília, no final do ano passado, não foram poucas as autoridades – procuradores e magistrados federais – escandalizados com essa usina de vazamentos do MPE paulista.