sábado, 8 de dezembro de 2012

ANOS DE CHUMBO - A devolução simbólica dos mandatos de deputados cassados pela "redentora".


A devolução simbólica dos mandatos de 173 deputados


“Ditadura nunca mais”, “viva a democracia”, “a Casa do povo os recebe, sejam bem-vindos”. Com estas, dentre várias outras saudações  efusivas e merecidas, a Câmara homenageou e restituiu simbolicamente os mandatos dos 173 deputados cassados por marechais e generais presidentes e pela Junta Militar que governou o país em parte de 1969.

Dos 173 cassados por atos institucionais e de exceção, 28 estão vivos; os demais não puderam viver este reconhecimento. No início da organizaçã o do ato há algumas semanas, eram 29, mas no dia 26 de outubro faleceu o ex-deputado Marcelo Gato (MDB-SP). Um total de 18 compareceram ao ato, ontem, na Câmara.

Também estiveram representados por familiares outros 60 destes parlamentares. A iniciativa da devolução simbólica de seus mandatos, que merece todo nosso aplauso foi da deputada Luiza Erundina (PSB–SP), que novamente levou à Casa o nome daqueles que a ela chegaram pelo voto do povo e dela jamais deveriam ter saído por atos de arbítrio.

Em seu discurso, o presidente da Camara, deputado Marco Maia (PT-RS), lembrou que o ato tem como objetivo “apagar a nódoa causada pelos gestos autoritários que muito nos envergonham”. Maia convidou os parlamentares presentes a prestar o juramento que todos os deputados fazem quando tomam posse.

“Condenação da ditadura”

Painel de Elifas Andreato (clique na imagem para ampliar) 

O ato durou mais de três horas e contou com a exibição de um vídeo relatando a história de parlamentares assassinados pela repressão, como o deputado Rubens Paiva (PTB-SP). Após o evento, houve também a abertura da exposição do artista plástico paranaense Elifas Andreato, que inaugurou o painel "A verdade ainda que Tardia". Recomendo muito que vocês acessem este link e confiram o trabalho.

“Tivemos nossos mandatos cassados e isso feriu nossa dignidade e nosso direito de cidadãos. Essa Casa foi atingida na sua dignidade e na sua independência. Mais do que uma homenagem, esse é um ato de reparação política e histórica, um ato de justiça”, discursou em nome dos ex-parlamentares Lígia Doutel de Andrade (PTB-MDB-SC), cassada pela ditatura militar.

O ato acontece exatos 36 anos após a morte do ex-presidente João Goulart, o Jango. Um de seus ministros, o do Trabalho, ex-deputado Almino Alfonso (PTB-AM), homenageado, ponderou que  “muito mais do que algo de caráter significativo pessoal - que também é -, esta homenagem tem um significado político importante de condenação explícita a atitude militar da época que anulou decisões do povo. Creio que ajuda a uma retomada de compreensão política do que significou o golpe de 64”.

"Viúvas e filhos do talvez e do quem sabe..."


Dentre os 18 deputados cassados que compareceram ao evento, estava também o ex-deputado Alencar Furtado (MDB-PR), hoje com 87 anos. Furtado foi cassado em junho de 1977 e em depoimento conta: “Eu era líder do MDB, em campanha para o Senado, não podia deixar de apontar que estava tendo tortura e fui cassado, arbitrariamente, pelo discurso que fiz. Como líder do MDB eu tinha o dever de me solidarizar com os que estavam sofrendo a tortura. Fiquei sabendo da cassação quando cheguei para jantar”.

Alencar foi o último deputado cassado pelo AI-5. No programa do MDB no rádio e na TV naquele ano, ele foi o autor do discurso em que afirmava que o Brasil não podia continuar a conviver com viúvas e filhos "do talvez e do quem sabe", referência às mulheres  e aos órfãos dos desaparecidos políticos. Foi cassado pelo general-presidente Ernesto Geisel.

Já Milton Reis (MDB-MG), que teve seu mandado cassado em janeiro de 1969, destacou: “Esta homenagem representa um resgate. Se a ditadura nos tirou o mandato de maneira discricionária, foi porque não podíamos nos dobrar e permitir que ela sobrepujasse à democracia. Entramos na política para defender e fortalecer o regime democrático. A devolução simbólica dos mandatos é um dos momentos mais altos das nossas vidas ao mesmo tempo em que é um protesto contra a ditadura e em favor da democracia”.
Falta a foto dos torturadores e mandantes condenados

Dos cassados, 28 estão vivos e 18 compareceram à homenagem partilhada, também por familiares representantes de 60 outros deputados cassados.

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Deputados cassados pela ditadura fotografados em homenagem na Câmara

Ao ver as fotos do evento, publicadas na imprensa e reconhecer, com alegria,  parlamentares que naqueles anos difíceis tiveram coragem de resistir à ditadura, não pude deixar de pensar: agora falta a foto dos torturadores e dos mandantes dos crimes daquele regime condenados pela Justiça.

Concordo, sem qualquer retoque, com o discurso em que a autora da homenagem, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) - coordenadora da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça da Câmara -, advertiu: “Ou a gente passa a limpo aquela história (da época da ditadura) e encaminha um processo de reparação e justiça às vítimas ou a nossa democracia estará inacabada, incompleta."

A deputada sabe, como eu sei, que esta história um dia será passada a limpo. Pode tardar, demorar como no caso desses cassados, mas, como sempre digo, a verdade virá à tona, queiram ou não.

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