sábado, 21 de abril de 2012

Um mundo de incertezas e oportunidades

Por Altamiro Borges

1- O Brasil não é uma ilha apartada do mundo. Ele reflete e interfere – cada vez com mais força – no cenário internacional. A crise capitalista, as mudanças políticas em curso e as guerras imperialistas, entre outros fatores, têm impacto em nosso país e ajudam a determina sua política interna. Neste sentido, analisar o cenário mundial tem grande significado para a definição das estratégias de luta dos trabalhadores brasileiros. De imediato, o que chama atenção é que o planeta atravessa um período de incertezas e de enormes perigos. Ao mesmo tempo, novas oportunidades se abrem para o avanço das conquistas dos que vivem do trabalho.



2- EUA, Europa e Japão, que compõem o bloco dos chamados países desenvolvidos, hoje afundam numa das mais graves crises da história do capitalismo. Nos anos 1980, quando as taxas de crescimento já eram declinantes, eles adotaram o chamado “Consenso de Washington”. Eles impuseram ao mundo o receituário neoliberal, com o desmonte do trabalho (desemprego, arrocho salarial e flexibilização trabalhista), o desmonte do Estado (com privatizações e redução de investimentos públicos) e o desmonte da Nação (com a criminosa desnacionalização das economias periféricas). Este projeto garantiu sobrevida ao capitalismo, mas, no seu bojo, agravou o processo de desregulamentação financeira. Hoje, o capitalismo é dominado pela ditadura dos banqueiros e rentistas.

3- Como consequência da libertinagem especulativa, os países capitalistas desenvolvidos voltaram a sentir o impacto da crise nos anos recentes. Os EUA, epicentro do sistema capitalista, foi o detonador desta nova onda devastadora. Em 2008, a sua economia quase entrou em colapso. Em curto espaço de tempo, faliram 19 dos maiores bancos do país, a maior seguradora mundial (AIG), 22 empresas de crédito imobiliário e duas montadoras de automóveis (GM e Chrysler). A crise no império contagiou a economia mundial. Num segundo repique, a Europa foi duramente atingida. Os países pobres do velho continente – Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, os chamados PIIGS – estão falidos, com a quebradeira das empresas, aumento do déficit público, explosão de desemprego e crescimento vertiginoso da miséria. É triste assistir a morte do cultuado “estado de bem-estar social” europeu.

4- Quem mais sofre com a crise capitalista nos países centrais são os trabalhadores. Os banqueiros, os principais responsáveis pelo caos, são socorridos com generosos pacotes de ajuda financeira. Já os assalariados ficam sem emprego, sem salário e sem direitos. Em fevereiro último, a taxa de desemprego na zona do euro foi de 10,8%, a maior desde 1997, com 17 milhões de trabalhadores sem emprego. O quadro é ainda mais dramático entre a juventude, que não tem qualquer perspectiva de futuro. Na Espanha, por exemplo, o desemprego já atinge quase 50% dos jovens. Nos Estados Unidos, o desemprego também bate na casa dos 10%, um recorde na história deste país. Milhões de estadunidenses foram despejados das suas casas e hoje dormem em automóveis. Para piorar, diante da crise, os governos destas nações, hoje controlados por banqueiros, impõem cortes nos direitos sociais. Numa só tacada, a Grécia reduziu o salário mínimo em 22%, demitiu 150 mil servidores públicos e aumentou o tempo de aposentadoria. O mesmo ocorre em outras nações falidas da Europa. No Reino Unido, o governo direitista cortou os gastos com programas sociais.

5- Diante desta onda destrutiva e regressiva, os trabalhadores tentam resistir. 2011 foi um ano de intensas lutas na Europa e nos EUA. Na Espanha, os jovens desempregados e sem perspectiva ocuparam, a partir de maio, as praças públicas de várias cidades na chamada “revolução dos indignados”. Na Itália, a revolta da sociedade levou à queda do fascista Silvio Berlusconi, logo substituído por um banqueiro no governo. Na Grécia já ocorreram nove greves gerais e os confrontos com a polícia são diários. Em Portugal, uma greve nacional paralisou totalmente o país no final de março. Nos EUA, o movimento “Ocupe Wall Street” evidenciou que a luta de classes está viva no império. A crise econômica também repercutiu no mundo árabe, causando explosões que derrubaram várias ditaduras monárquicas. Infelizmente, toda esta explosão de revolta ainda não produziu alternativas mais progressistas, que evitem retrocessos e garantam avanços sociais aos trabalhadores. A Europa hoje é governada por banqueiros, que nem sequer são eleitos. Nos EUA, Barack Obama foi uma frustração, mas se apresenta como um mal menor na disputa contra os republicanos. No mundo árabe, as potências capitalistas procuram abortar as revoltas populares e manter a sua influência nesta região rica em petróleo. Usam mísseis e soldados da Otan para derrubar governos contrários aos seus interesses na Líbia e Síria. Esta em curso uma escalada belicista no mundo, com o risco de novas e sangrentas guerras. A próxima vítima dos imperialistas deverá ser o Irã.

6- Contraditoriamente, neste mundo em crise e guerra, alguns países emergem e se projetam no cenário mundial. Eles formam o bloco das nações em desenvolvimento – os chamados Brics, com Brasil, Rússia, Índia e China. Enquanto as nações desenvolvidas encolhem economicamente e produzem milhões de desempregados e miseráveis, estes países geram emprego e renda e batem recordes de crescimento. A reunião dos Brics na Índia, no final de março, apontou que é urgente aumentar a cooperação entre os emergentes para se defender da rapina dos impérios falidos. Nela foi aprovada a proposta de criação de um novo banco mundial, independente das antigas potências, e o aumento do comércio entre os países emergentes. O dólar já é tratado como uma moeda descartável nos acordos internacionais. Os países dos Brics também criticaram a corrida expansionista e belicista dos EUA e da Europa no mundo árabe, defendendo a soberania da Síria e do Irã. Na avaliação dos Brics, a crise capitalista pode se transformar numa janela de oportunidades para as nações que sempre foram aviltadas pelas potências capitalistas.

7- Esta perspectiva mais otimista ganha maior alento na América Latina. Os países do nossa região atravessam uma situação ainda mais alvissareira, tanto na economia como na política. Os índices de crescimento na região são positivos, causando a redução das taxas de desemprego, de miséria absoluta, de analfabetismo e de outras chagas do capitalismo periférico. A própria ONU atesta que a pobreza diminuiu neste sofrido continente, há décadas explorado e oprimido pelos EUA. Além disso, a América Latina, que foi o laboratório do neoliberalismo nos anos 90, transformou-se na vanguarda da luta contra este projeto destrutivo e regressivo. A partir da vitória da Hugo Chávez na Venezuela, no final de 1998, o continente vive uma guinada à esquerda, com governos mais preocupados com a soberania nacional, a integração regional, a ampliação da democracia e a resolução das suas graves dívidas sociais. Este cenário produz cenas inimagináveis num passado recente, como a eleição de um operário, retirante nordestino e líder grevista no Brasil (Lula), um camponês e líder indígena na Bolívia (Evo Morales), um economista de esquerda no Equador (Rafael Corrêa), um religioso ligado à teologia da libertação no Paraguai (Fernando Lugo), entre vários outros governantes progressistas. Estes países têm investido na integração regional, cientes que do contrário seriam desintegrados pelas ambições do imperialismo. A fundação da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), no final de 2011, representa um salto neste rumo, somando-se aos esforços de fortalecimento do Mercosul, de criação do Banco Sul e do Conselho de Defesa da América do Sul. As dificuldades ainda grandes na região e as experiências progressistas são embrionárias, mas o sentido é bastante positivo.

* Exposição sobre conjuntura internacional apresentada no IX Congresso dos Comerciários do Rio Grande do Sul - Torres, de 19 a 21 de abril.
 

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