domingo, 12 de fevereiro de 2012

À MÃO ARMADA

"Com o piso nacional, o peso da ameaça de greve não virá de uma polícia, em um Estado, mas de todo o país", afirma Jânio de Freitas, jornalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 12-02-2012.

Eis o artigo.

A decisão das polícias civis de 22 Estados, de greve simultânea se a Câmara não aprovar logo o projeto chamado de PEC-300, clareia a situação em que o país está desde o primeiro brado na onda de greves com arma na mão. Nada menos do que isto: para fazer felizes os policiais e os bombeiros, é preciso que o Congresso aprove e o governo aplique uma deformação ao sistema constitucional e ao regime político. Sem que a população nem sequer faça ideia do que se esconde sob a sigla PEC-300.

Ainda que a maioria também não saiba, o nome deste país é República Federativa do Brasil. Trata-se de uma Federação, portanto. Ou seja, em termos bem simplificados, uma associação política e econômica de Estados dotados de autonomia administrativa e de um governo central, regidos e limitados todos por uma Constituição Federal, de toda a Federação.

Polícias militares, polícias civis e corpos de bombeiros levam todos o nome do Estado a que pertencem e em que têm jurisdição -Polícia Civil do Estado tal, e seguem os demais. Essas entidades integram a estrutura de administração sobre a qual os Estados têm autonomia. São de decisão estadual uniformes, contingentes, localizações, e outros muitos quesitos. Entre os outros: vencimentos. Como servidores estaduais que aquelas entidades são.

A PEC-300 - proposta de emenda constitucional nº 300 - contém a criação de um piso idêntico, em todo o país, para os vencimentos das polícias e dos bombeiros. Como se fossem da estrutura administrativa federal. À primeira vista, não faz diferença para as polícias e os bombeiros que criaram e propagam a onda de greve e ameaças. A medida seria em benefício, acima de tudo, dos seus colegas de Estados com vencimentos piores.

Há mais do que isso, porém. O vencimento nacional é um fator de força inimaginável. A cada pretensão de melhoria, o peso da ameaça de greve não virá de uma polícia, em um Estado. Cobrirá, de cima a baixo, todo o país. A mera ideia de que as polícias militar e civil e os bombeiros podem abandonar a população em todo o país é, para um lado, uma percepção de força incalculável e, para o outro -os governos e a população- um calafrio de terror. Ainda mais com a confiança que as PMs infiltradas têm demonstrado merecer.

Apesar disso, a PEC-300 é tratada como se relativa apenas ao equilíbrio nacional de vencimentos. Pois bem, também por aí, ou sobretudo por aí, a proposta tem má direção. Seu resultado seria a amputação de atribuições estaduais próprias da autonomia no sistema de Federação. Logo, transgressão a um princípio tão essencial da Constituição, que foi elevado ao próprio nome do país.

Um dos problemas mais graves e menos considerados do Brasil é o descaso com seu regime de Federação. A centralização sem limites no governo federal assume tudo, dirige tudo, apropria-se de tudo, oprime tudo, e arrecada tudo.

Com tamanha deformação, os Estados estão reduzidos a pedintes, incapazes de impedir a evasão dos frutos de sua riqueza natural, incapazes de fazer uma pequena ponte ou umas quantas casinhas sem receber a benesse federal, incapazes de ser o que a Constituição diz que são.

E a PEC-300, tocada pela originalidade de greves à mão armada, ainda quer mais deformação.

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