segunda-feira, 24 de outubro de 2011

POLÍTICA - Geólogo gaúcho é o "zagueiro" da presidente.

Em meio a um despacho rotineiro, na frente de outros assessores e ministros, a presidente Dilma Rousseff disparou sem dó para seu interlocutor: "Você não me diga que voltou a roer as unhas". O puxão de orelha em tom maternal até surpreendeu os presentes. Mas foi uma demonstração da proximidade entre Dilma e o alvo de sua interpelação, o chefe de gabinete presidencial, Giles Carriconde de Azevedo.

A reportagem é de Fernando Exman e publicada pelo jornal Valor, 24-10-2011.

Giles, 50 anos de idade, é o tipo de pessoa que passa despercebida pelas ruas de Brasília. Discreto, não ostenta a proximidade que tem com o poder. Mas os políticos, empresários e representantes de entidades da sociedade civil que pretendem chegar perto da presidente Dilma Rousseff sabem muito bem de quem se trata e do acesso que o geólogo gaúcho pode lhes garantir à sala mais poderosa da República.

Pela lei, Giles comanda a estrutura que garante a assistência direta à presidente, a organização da sua agenda, a gestão das informações em apoio à decisão, o cerimonial, a secretaria particular, o acervo documental e a sua ajudância-de-ordens. Funcionários do Palácio do Planalto, no entanto, resumem: Giles é um "zagueiro" que serve de anteparo a Dilma.

É responsabilidade do auxiliar da presidente conversar com quem Dilma não receberá em audiências, assim como contextualizar à presidente o que foi dito em encontros já realizados e sugerir com quem Dilma deve se reunir em viagens aos Estados e que temas deve abordar com esses interlocutores. Giles, na avaliação de quem trabalha ou já trabalhou com ele, tem a função de um operador político. "A organização da agenda é uma questão política. O chefe de gabinete tem que saber como é o pensamento político do titular da Pasta e o que é feito pelo governo em relação aos mais diversos assuntos", explica uma pessoa próxima a Dilma e Giles.

Geólogo de formação, o chefe de gabinete da presidente está à frente no governo das discussões de assuntos de seu domínio, como o novo marco regulatório da mineração. Giles também participa das reuniões de coordenação política do governo, opinando sobre os desafios do Executivo e a conjuntura política. "Ele organiza, prioriza e define a agenda da presidenta, gerenciando tensões que, na prática, revelam quais são as prioridades políticas do governo", comenta um integrante do primeiro escalão do governo.

Não é de hoje que Giles, avesso a jornalistas e acostumado a agir nos bastidores, é considerado um homem de confiança de Dilma Rousseff. Os dois se conhecem desde os tempos em que eram militantes do PDT do Rio Grande do Sul. Brizolistas e da ala mais à esquerda do partido, ambos faziam parte do grupo liderado pelo ex-marido de Dilma, o ex-deputado estadual Carlos Araújo. Naquela época, quando foi secretário estadual e nacional da Juventude pedetista, chegou a frequentar a casa de Dilma e Araújo.

"Ele [Giles] sempre exerceu funções extremamente importantes e nunca criou problemas. Teria condições de se candidatar, mas nunca quis. Nunca teve a pretensão, sempre ficou na assessoria política", lembra Carlos Araújo.

Pela proximidade, Giles invariavelmente está exposto ao humor da chefe. Mas a descontração também está presente na relação dos dois, como nas vezes em que Dilma faz questão de caçoar do fato de Giles já ter ido quatro vezes passear na Antártida.

Pode-se dizer que Giles "especializou-se" em chefiar gabinetes ao longo de sua carreira. Primeiro, exerceu a função para o deputado federal Vieira da Cunha (PDT-RS), quando o parlamentar ainda era deputado estadual. Na época, coordenou uma derrotada campanha de Vieira da Cunha à Prefeitura de Porto Alegre e também foi da assessoria da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, onde destacou-se pela produção de estudos e pareceres para os parlamentares. Giles ainda fez carreira no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), antes de sua trajetória voltar a cruzar com a de Dilma.

Após a eleição do pedetista Alceu Collares ao governo gaúcho em 1993, Dilma foi nomeada secretária de Energia, Minas e Comunicação. A presidente já havia sido da equipe de Collares. Após participar da fundação do PDT gaúcho ao lado do ex-marido, Dilma trabalhou na assessoria da bancada estadual do partido entre 1980 e 1985. No ano seguinte, Alceu Collares, à época prefeito de prefeito de Porto Alegre, colocou-a à frente da Secretaria da Fazenda de sua administração.

Alceu Collares nomeou Giles para chefiar seu gabinete, decisão que promoveu uma aproximação entre Dilma e seu futuro auxiliar. Como resultado, Dilma convidou-o para reforçar a Pasta de Energia, Minas e Comunicação. Giles topou, mas decepcionou-se quando percebeu que não iria voltar a atuar na sua área de formação, a geologia e mineração. A então secretária preferiu colocar o correligionário na presidência da Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás), onde Giles participou do processo de implementação do sistema de distribuição no Estado do gás natural adquirido da Bolívia e ajudou o governo a resistir a privatizar a estatal.

Dilma e Giles permaneceram na gestão do petista Olívio Dutra. No entanto, quando o PDT rompeu com o governo petista, ambos deixaram o partido, filiaram-se ao PT e consolidaram a sua parceria profissional. Recentemente, na presença de alguns ministros, Dilma e Giles rememoraram as articulações que culminaram no afastamento entre petistas e pedetistas depois de uma reunião no Palácio da Alvorada. Os petistas presentes se divertiram com as histórias, apesar de o episódio ainda provocar ressentimentos entre pedetistas.

O geólogo foi recompensado poucos anos depois. Após destacar-se na transição dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff foi nomeada em 2003 ministra de Minas e Energia e indicou o auxiliar para chefiar a Secretaria de Minas e Metalurgia.

Giles retornou então ao seu campo profissional original, e logo no ano seguinte foi beneficiado por um decreto que ampliou os poderes da sua secretaria para autorizar a exploração mineral no país. O mesmo ato mudou o nome da área chefiada por Giles para Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral. No governo, a medida foi vista como um símbolo da confiança depositada pela então ministra ao subordinado.

"A relação dos dois é de muito tempo e de muita cumplicidade", comenta uma fonte do primeiro escalão do governo. "Eles se entendem pelo olhar."

Giles seguiu com a chefe para a Casa Civil quando, em 2005, Dilma Rousseff foi convidada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a substituir José Dirceu em meio ao escândalo do mensalão. Lá, onde chegou a ser secretário-executivo-adjunto e por algumas vezes na ausência da então ministra assumiu a chefia da Pasta, o geólogo firmou-se como um dos principais assessores de Dilma.

Era Giles o responsável pela agenda e a interlocução da chefe da Casa Civil com o meio político. Quando Dilma não tratava diretamente com as principais lideranças políticas ou governadores, Giles fazia o meio de campo. A consequência não poderia ser outra: a importância estratégica da função exercida por Giles crescia à medida que Dilma conquistava um maior espaço na administração de Lula e se consolidava como potencial candidata à Presidência da República. Parlamentares sabiam que atender a um telefonema do gaúcho era o mesmo que receber um recado da própria Dilma.

Em 2010, Giles foi novamente carregado por Dilma quando a então ministra desincompatibilizou-se para disputar a eleição presidencial. Responsável pela agenda da candidata, Giles integrou o núcleo da coordenação da campanha petista. Não à toa, Giles integrou a lista com os primeiros nomes dos indicados por Dilma Rousseff para tocar a transição de governos.

Nomeado chefe de gabinete da presidente, Giles está à disposição de Dilma em tempo integral, mas não abre mão de buscar os filhos na escola nos fins das manhãs. Quem conhece o gaúcho sabe que a atividade é considerada "sagrada" e Giles só abre mão de realizá-la se não tiver outra opção. Fanático pelo Grêmio, o gaúcho debate futebol com paixão. E tem também outra válvula de escape: sempre que pode vai para o mato passear de jeep nos arredores de Brasília com sua turma de trilheiros.
Fonte: IHU

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