segunda-feira, 29 de agosto de 2011

MÍDIA - O jornalista argentino que já foi ator pornô.

Carol Pires

De Buenos Aires

Emilio Fernández Cicco é jornalista, mas também foi coveiro, caçador, assistente de boxe, anfitrião de tangos e ator pornô. Tudo pela profissão que leva a sério - ou não tanto assim -, a de repórter "border".

Border é como Cicco define o jornalismo que faz, sendo a primeira de suas regras viver a história ao invés de ouvir o relato de alguém. O texto, claro, também sai em primeira pessoa, sempre carregado de sarcasmo e sem nenhuma meia-palavra. "Acabo de me masturbar vendo Letícia Brédice por razões estritamente profissionais", começa um dos seus textos, publicado na Rolling Stone argentina sobre uma conhecida atriz e cantora.

Marcamos um encontro na Avenida Corrientes, no centro da cidade, na última quarta-feira. Saí de casa em busca de um tipo de cabeça raspada, magro, como vi nas fotos. Recebi uma mensagem: "Já cheguei. Estou de gorro e barba". E lá estava ele, não com uma simples barba, dessas apenas por fazer, mas sim uma longa barba tapando-lhe todo o pescoço.

Sentamos no El Gato Negro, um dos bares notáveis da cidade, e ele me explicou que não poderia comer nada, porque é mês de Ramadã e há dois anos ele segue a doutrina sufista, um segmento místico do islã. E isso não é para reportagem nenhuma, diga-se.

Cicco nasceu em Buenos Aires, mas mora em Lobos, uma cidade a 102 km da capital, onde nasceu o ex-presidente Juan Domingos Perón. Lá, foge das más energias da cidade grande, vive com a filha de um casamento anterior e logo receberá também sua nova mulher, uma muçulmana, que ele conheceu há menos de dois meses. "Quem é sufi não pode namorar muito tempo, tem que decidir se é ou não a pessoa certa em 45 dias", explica.

Formado em jornalismo pela Universidade de Belgrano, Cicco começou a trabalhar aos 18 anos na revista semanal Notícias. Hoje, aos 35, ele lembra dos colegas repórteres contando anedotas sobre seus entrevistados, de como aquele apresentador famoso maltratava os garçons, ou sobre como aquele outro ator falava besteiras. "Só que depois eu ia ler o texto, e nada disso estava lá".

Foi quando decidiu escrever reportagens mais descaradas. Fez uma série de reportagens sobre profissões malditas, e para descrever a vida de um coveiro, trabalhou no cemitério da Chacarita: chegou cedo, abriu uma cova sozinho, retirou os restos do cadáver que já estava lá, e até guardou um botão de camisa achado na terra de lembrança. "O que mais me chamou a atenção foi que os familiares não olham para o coveiro. Todo mundo passa, mas ninguém te olha, porque você ali representa a morte", conta.

Cicco me explica que o jornalismo border não é novo jornalismo, "porque isso é velho", e nem é jornalismo gonzo, "porque não sou Hunter S. Thompson".

Ele diz que, diferente do jornalismo gonzo popularizado nos Estados Unidos por Thompson, no "border" o repórter não precisa tornar-se o centro das atenções, pelo contrário: você vive a experiência, mas com discrição, para não alterar o ambiente investigado. Com uma tatuagem do jornalismo gonzo no braço direito, Cicco também discorda do seu ídolo Thompson em relação a drogas. Diz que já experimentou algumas para escrever sobre elas, mas não as usa para escrever.

Uma das matérias de Cicco mais comentadas e republicadas pelas revistas foi a "Segredos de um ator pornô". Nela, Cicco participa da quinta edição de uma série de 30 filmes só com atores debutantes, de um diretor conhecido do ramo chamado Maytland.

"Cada vez que alguém termina sua cena, dá uma palmada na bunda da atriz, se despede do diretor como se acabasse de marcar um gol, pega um papel e coloca sua assinatura: cinco cláusulas onde a gente autoriza que o diretor faça o quiser com nossa imagem. Em poucas palavras, você vende sua alma ao diabo. Eu vendi a minha e até agora ele não veio me cobrar. Deve estar com muito trabalho", diz um dos trechos, onde conta como funciona os bastidores de um filme pornô.

Cicco participa do filme com uma mulher e um homem casados e um outro ator também novato. Ele relata: "Para fazer meu personagem não estou obrigado a memorizar nada. Não tem conflito psicológico. Sou eu, nu, e coberto de pintas como um leopardo, aos pés de um sofá".

A matéria, publicada na revista argentina Notícias, acabou replicada na revista colombiana Gatopardo e em outras publicações no Chile e Peru. Cicco também ganhou um prêmio da indústria pornô por ter sido o primeiro jornalista a encarar a experiência para uma reportagem, e a matéria também virou título do seu quinto livro, "Yo fui un pornô star y otras crónicas de lujuria y demencia", sem tradução no Brasil.

Ele ainda pretende lançar-se candidato a deputado para escrever uma reportagem sobre eleições, e diz que já pensou em frequentar prostitutas para montar um ranking de atendimento ao consumidor, mas como a história do sufismo é séria, ele vai se casar em breve e pelo menos por enquanto as reportagens sobre luxúria ficaram para trás.

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