sexta-feira, 22 de julho de 2011

SAÚDE - Uma paulada no SUS.

É uma bordoada a recente regulamentação da lei paulista que permite a venda para planos de saúde de até 25% da capacidade dos hospitais públicos gerenciados por organizações sociais. O comentário é de Ligia Bahia, doutora em saúde pública e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Mário Scheffer, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, 22-07-2011.

Eis o artigo.

É uma bordoada a recente regulamentação da lei paulista que permite a venda para planos de saúde de até 25% da capacidade dos hospitais públicos gerenciados por organizações sociais. Desde o famigerado Plano de Atendimento à Saúde (PAS), criado por Maluf, uma política de governo não atingia assim, de chofre, o Sistema Único de Saúde (SUS).

Reprise do mesmo drama, abrem-se as torneiras que irrigam empresas privadas com dinheiro público. O PAS ensinou que a gambiarra de governantes, baseada em legislação questionável e financiamento improvisado, não resiste à próxima eleição, mas enriquece alguns à custa do calote no SUS.

Para justificar o ardil, a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo identificou que 18% dos pacientes atendidos em hospitais públicos têm plano privado. Por que até hoje não viabilizou essa cobrança por meio da Agência Nacional de Saúde Suplementar?

A falsa alegação de que a lei federal do ressarcimento não é extensiva às organizações sociais e o suposto efeito Robin Hood (tirar dos planos para melhorar o SUS) escondem interesses cruzados. Uma mão lava a outra: as organizações sociais precisam de dinheiro novo para manter sua vitrine assistencial, e os planos e seguros de saúde querem ostentar hospitais públicos de alta complexidade em suas redes credenciadas.

Há um negócio bilionário em ascensão, de planos populares a menos de R$ 100 por mês, que só é viável com o uso da capacidade instalada do SUS. Os planos de saúde já vivem de subsídios públicos.

Eles ajudam a eleger políticos, lucram com a renúncia fiscal, com a isenção de impostos e com repasses do erário para convênios médicos do funcionalismo. Ao mesmo tempo, empurram para as contas do SUS idosos e doentes -que não têm condição de arcar com o aumento das mensalidades decorrentes do passar da idade ou cujo acesso é vetado a tratamentos mais caros.

Uma em cada cinco pessoas com câncer vinculadas a planos de saúde são jogadas ao mar e buscam socorro no SUS. Ajudar empresas altamente lucrativas que não cumprem seu papel já é uma inversão perversa. Celebrar contratos para o atendimento aos clientes de planos, que pensam ter escapado das alegadas agruras da rede pública, constitui requinte de iniquidade.

A aventura em curso nada tem a ver com o ressarcimento, que prevê critérios de justiça contábil para atendimentos eventuais e limitados. O que está em jogo, já testado em hospitais universitários do Estado, é a expansão da fila dupla, verdadeiro apartheid que dá acesso privilegiado a quem tem plano e reserva a porta dos fundos para a "gente diferenciada" do SUS. Não dá para transigir com essa distorção escandalosa.
FONTE: IHU

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