domingo, 15 de maio de 2011

POLÍTICA - O "guia" da presidente para decifrar o PT.

O assunto em discussão era o polêmico Código Florestal, mas o dono do telefone estava interessado em outro tipo de ocupação.

"Você conversou com o Gilberto?", perguntou o petista ao interlocutor. "Conseguiu passar a nossa insatisfação com essa questão dos cargos?"

A reportagem é de Vera Rosa e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 15-05-2011.

O "Gilberto" mencionado na conversa reservada era o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. No Palácio do Planalto, ele é conhecido como "nosso guia", o homem do "freio de arrumação".

Nos últimos dias, Carvalho atuou para acalmar a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, enquadrou companheiros de partido e distribuiu broncas.

Ex-seminarista que largou tudo para viver a experiência de Jesus entre os pobres, ele morou dez anos numa favela de Curitiba - onde se casou em festa regada a Ki-Suco - e hoje é o ministro que faz a ponte entre o governo de Dilma Rousseff e o PT.

Conhecedor das entranhas do partido e amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - de quem foi chefe de gabinete durante os oito anos dos dois mandatos -, Carvalho atua sempre como anteparo, antes que as queixas batam à porta de Dilma Rousseff. É também ele o ministro que faz o elo entre o governo e os movimentos sociais e dialoga com as centrais sindicais. Nas festas do 1.º de Maio, foi Gilberto Carvalho quem trouxe a mensagem da presidente aos sindicatos e trabalhadores.

Cultura

Na hora do almoço de quarta-feira - aquele mesmo dia da frustrada tentativa de votação do Código Florestal -, o ministro foi conversar com a titular da pasta da Cultura, Ana de Hollanda, e sua equipe.

Disse a todos que era preciso reagir rapidamente ao bombardeio contra a ministra, chamado por ele de "campanha sórdida", mostrar serviço e não se intimidar com as críticas.

A ministra, cuja gestão já vinha sendo alvo de críticas dentro do PT e entre segmentos da classe artística, teve a situação agravada na semana passada depois de o Estado revelar que ela utilizara diárias pagas pelo Executivo para permanecer no Rio de Janeiro, onde possui residência fixa, durante os fins de semana, mesmo sem ter compromissos oficiais na agenda.

"Se vocês não se unirem e não derem um basta nisso, passarão uma imagem de hesitação", afirmou Carvalho. "A presidente já avisou que não haverá troca. Mas vocês não podem deixar a crise se prolongar."

A intervenção de Carvalho deu fôlego a Ana de Hollanda e estancou o fogo amigo no PT contra a ministra.

A presidente Dilma está convencida de que Ana de Hollanda não soube conquistar o apoio da equipe e por isso escalou Carvalho para conversar com assessores da ministra e traçar a estratégia de reação. É ele também que tem feito o meio de campo com petistas descontentes com a gestão de Ana porque tiveram interesses contrariados. No diagnóstico do Planalto, parte dos ataques é insuflada nos bastidores pelo ex-ministro da Cultura Juca Ferreira (ex-PV).

Ouvidor-geral

Embora Gilberto Carvalho seja o "ouvidor-geral" do Planalto, muitas vezes as reclamações são arquivadas ali mesmo. Na composição do segundo escalão do governo, por exemplo, ele pouco tem ajudado seus amigos do PT.

"Entreguem isso lá para o Palocci e para o Luiz Sérgio ", costuma dizer Carvalho, numa referência ao chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, e ao titular da pasta de Relações Institucionais. É, na prática, a senha para que os companheiros de partido entendam as dificuldades do caso.

"Gilberto é uma figura generosa, educada e de posições firmes. Muita gente acha que ele não tem lado, mas tem e faz a disputa política", comentou o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), que defendeu a candidatura de Carvalho ao comando do PT, em 2009. À época, Lula barrou a articulação. "Você está doido, Vaccarezza? Ele é um homem bom. Não pode presidir o PT", interveio Lula.

"Dormiu bem?"

Ser "ouvidor-geral" do Planalto também tem seus momentos de descontração. No último dia 6, por exemplo, Carvalho recebeu uma ligação do ex-presidente Lula. Animado, pensou que fosse se inteirar sobre os movimentos do ex-chefe para as alianças municipais nas eleições de 2012. De uns tempos para cá, Lula e Carvalho têm conversado bastante com o deputado federal Gabriel Chalita (PSB-SP), hoje de malas prontas para o PMDB e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo.

"Você dormiu bem, Gilbertinho?", perguntou Lula. Ainda sem entender nada, o ministro desconfiou do estilo irônico do amigo, a quem chama de "Baiano". Não demorou muito para que caísse sua ficha: a ligação ocorreu depois que o Palmeiras sofreu uma goleada de 6 a 0 ao enfrentar o Coritiba. Palmeirense roxo, Gilberto Carvalho ouviu, mais uma vez, a gozação do corintiano Lula.

Guia

"Ele é o guia espiritual de todos nós", resumiu o ministro Antonio Palocci ao comentar sobre a importante atuação de Carvalho no governo. Assumindo o papel atribuído a ele no Planalto, o secretário-geral da Presidência chamou o senador Paulo Paim (PT-RS) para um tête-à-tête, em fevereiro.

Na bancada do PT, o senador gaúcho era a única voz contrária à proposta do Planalto, que fixou o salário mínimo em R$ 545. Na ocasião, o petista defendia o reajuste do mínimo para R$ 560.

Gilberto Carvalho providenciou, então, um encontro entre o senador Paim e a presidente Dilma antes da votação do reajuste do salário mínimo no plenário do Senado e, fervoroso, leu um salmo da Bíblia. As rezas funcionaram.

Fonte:IHU

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