terça-feira, 16 de novembro de 2010

POLÍTICA EXTERNA - A diplomacia da coragem.

Por Mauro Santayana

Voltam os adversários da política externa do presidente Lula à tentativa de desconstruir os êxitos do Itamaraty nos últimos oito anos. Irrita-os que os nossos representantes tenham deixado de usar os metafóricos punhos de renda, não levem muito a sério os ritos de servir o chá, e não se preocupem em conhecer de vinhos como deles conhecem os sommeliers dos hotéis de Monte Carlo e Deauville. Mas o que mais os incomoda é a conduta apontada por Chico Buarque: o Itamaraty deixou de falar grosso a países como o Paraguai e o Uruguai, e a se dirigir em voz mansa aos Estados Unidos e à Europa. O timbre de voz é o mesmo, com uns e com os outros. Para alguns, devemos nos contentar com as sobras que nos destinem, em lugar de exigir tratamento de igualdade na ocupação dos mercados, na política monetária e na direção dos organismos internacionais.

Agora que novo governo se forma, eles tentam recuperar as posições perdidas, e consideram serôdia (ou terceiro-mundista) a doutrina pragmática do Itamaraty. Como sempre ocorre nesses casos, tentam usar contra os outros os adjetivos que lhes cabem. Segundo dizem, a Doutrina Amorim está ultrapassada, porque se orienta por ideias anteriores à Queda do Muro de Berlim. Ora, o malogro da experiência socialista serviu de pretexto para o fortalecimento da política neoliberal de inspiração neocolonialista, mediante a farsa da globalização. Durante oito anos, a nossa diplomacia se curvou aos que nos exigiram desnacionalizar grande parte da indústria e a valorizar o real artificialmente, o que significou criminoso dumping contra os produtos nacionais, além de entregar setores estatais estratégicos, como os da energia e do sistema de telecomunicações, a investidores estrangeiros, au bon marché, com financiamento do Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Incomoda-os que o Itamaraty se democratize, e que acolha hoje jovens nascidos em lares plebeus. Sentem-se constrangidos que nomes comuns se mesclem aos das antigas famílias do Império, antes as únicas a oferecer seus filhos aos quadros diplomáticos, da mesma forma que a guarda do palácio do Itamaraty ainda é confiada aos fuzileiros navais de porte atlético, nascidos no sul e descendentes de imigrantes nórdicos.

Sempre que vemos as fotografias dos encontros internacionais de há 50 anos, e comparamos com as de hoje, percebemos que a diplomacia tirou, literalmente, o paletó. Os fraques e as casacas desapareceram de cena; chefes de Estado dispensam, sabiamente, o uso de gravatas, e os acordos são discutidos diretamente pelos governantes, orientados, como é natural, pelos seus chanceleres.

Com sua forma amena de agir, Celso Amorim conduziu a Secretaria de Estado com a coragem da preservação moral. Ele já anunciara essa doutrina no discurso de posse, quando recomendou aos jovens diplomatas que não tivessem medo. Foi, assim, o chanceler ajustado ao estilo do presidente Lula, da mesma forma que se sentira à vontade como chanceler de Itamar Franco. Mesmo que o Brasil não fosse o que é, em suas dimensões, população, desenvolvimento econômico e intelligentsia (de que se deve orgulhar), sua postura no mundo tinha que ser a da independência.

Nos últimos oito anos, o Brasil teve como prioridade trabalhar pelo fortalecimento do Mercosul, como a primeira etapa em busca da construção de um grande mercado continental, ao mesmo tempo em que se aproximou de nações que emergem, na África e na Ásia, na economia e na política. Ainda bem que conseguimos nos livrar da armadilha do Nafta. Do contrário, estaríamos hoje na situação do México, cujo povo talvez viva os tempos mais trágicos de sua história.
Fonte: JBonline

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