terça-feira, 30 de novembro de 2010

GUERRA DO RIO - O dia seguinte.

Cláudio Lembo.

De São Paulo.

As cenas dos últimos acontecimentos no Rio de Janeiro preocupam. Há em alguns meios de comunicação uma euforia juvenil pelas ações militares. São expressivas. Demonstram capacidade de ação.
Ocorre que, na outra ponta, se encontram pessoas fragilizadas pela situação e enfraquecidas pela dura realidade que as cercam. Não são os integrantes do tráfico.
Trata-se daquelas pessoas que compõem a comunidade e nela desenvolvem suas vidas e esperanças. Todas, em razão da generalização, são tratadas como delinqüentes.
Perigosa percepção. Tanta gente boa e trabalhadora. Sensata. Envolvida, porém, pela violência e por um preconceito generalista e inconseqüente. As questões sociais exigem mais do que armas.
Sente-se, nos episódios do Rio de Janeiro, a ausência de comissões específicas de parlamentares federais. Onde estão os representantes do povo no Congresso Nacional?
Até agora foram incapazes de conceber um grupo para acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos dos órgãos de segurança. Nada, absolutamente nada.
O Judiciário - federal e o estadual - certamente poderia ter instalado juizados nos locais afetados para receber eventuais registros de um Ministério Público até agora aparentemente ausente.
A mesma observação cabe à Defensoria Pública. Onde se encontra este novo órgão concebido pela Constituição de 1988? Há uma ausência das entidades significativas da sociedade.
Só contingentes militares. Nada de atividade social. Pessoas preparadas para enviar mensagens em situações de confronto. Apenas armas. Nenhuma atividade de solidariedade aos bons.
Esquecem os agentes da legítima ação contra os traficantes que há um dia seguinte e este diz respeito à comunidade como um todo. Os habitantes de todas as regiões precisam conviver em harmonia.
É própria das cidades a convivência civil. Aquela que permite a igualdade, ao menos formal, entre as pessoas. As armas são instrumentos transitórios. Pode-se resolver aparentemente um conflito.
Elas, todavia, jamais levam à paz. Esta é conseqüência da harmonia entre pessoas e da busca comum da felicidade. Este anseio não pode ser apenas de alguns. Para ser efetiva necessita ser de todos.
Falta, na fala das autoridades, a exposição do dia seguinte. Como serão tratadas as comunidades? Quais os investimentos a serem efetivados? Como se combaterá a ociosidade oriunda da ausência de escolas e trabalho?
As operações são necessárias em razão da violência atomizada que se espalhou pelo Rio de Janeiro. Mas o extermínio de alguns poderá contentar setores da sociedade. Não resolverá, porém, a questão.
Esta necessita de esforço conjunto de todas as esferas de Governo. Contentar determinados segmentos da sociedade, em detrimento de outros, não é boa política.
A política sadia é desapaixonada. Pensa no bem comum. Esquece diferenças. Compreende que todas as pessoas são iguais e merecem, em conseqüência, tratamento igualitário.
As exposições das autoridades, em grande massa, nas rádios e televisões apontam para o momento. Lembram comandantes de batalhas contra inimigos da Nação.
Jamais se lança palavra apaziguadora e sensata. A comunicação eletrônica, nestes momentos difíceis, deve ser usada para dirigir mensagens positivas à parte que se deseja reintegrar na sociedade.
Caso contrário, todos se tornam bravateiros em busca de fama transitória, Esta se transformará em veredicto histórico. Até hoje, acontecimentos sociais do passado são relembrados.
Aquilo que, no momento, parece heróico mostra-se com o afastamento do tempo patèticamente amargo. Basta reviver Canudos. O Rio de Janeiro é diferente, dirá alguém. Trata-se de criminalidade puro e simples.
É verdade. Mas mesma miséria que gerou inúmeros episódios pelo Brasil afora, no longo dos séculos, se encontra presente nos morros da cidade do Rio.
Valeira a pena pensar em recolher as armas. Procurar a paz. Os brasileiros não podem ser divididos por brasileiros. É preciso buscar - desesperadamente - a união de cada cidadão com o seu conacional.
Assim se construirá o futuro.


Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.
Fonte: Terra Magazine.

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