quinta-feira, 28 de outubro de 2010

ELEIÇÕES - Sem medo de ser feliz.

Repasso mensagem do Pedro, meu filho, em resposta a um estagiário naemissora de TV onde trabalha. Como tem rodado bastante, e tenho recebido muitos comentários, resolvi compartilhar com mais alguns amigos.

abraços

Helena

Caro estagiário,

Hoje pela manhã, quando perguntei em quem você votaria para presidente,confesso que foi com surpresa que recebi sua resposta. Nos últimos dias,ânimos exaltados por causa das eleições, não tenho ouvido gente jovem einteligente como você dizer que votaria no Serra. Meio sem pensar, um poucoaborrecido, disse que talvez você o fizesse por ser novo demais para lembrardos anos FHC. Fiquei mais surpreso ainda quando você concordou, disse quetem ouvido muito esse argumento, mas que nada poderia fazer. Era de fatomuito jovem nos anos 90, não pode fazer um juízo de valor sobre eles.Votaria no Serra por não gostar da Dilma. Cheguei a me achar um privilegiadopor poder votar “de verdade“, calcado em coisas que vivi na pele, mas agoraestou em dúvida. Como não sou tão mais velho assim e não sou seu chefe, achoque não vai soar paternalista se dividi-la com você.A primeira vez que eu votei oficialmente foi em 2000, nas eleiçõesmunicipais. Apertei o botão verde para confirmar voto no meu pai, candidatomodesto a vereador. Votei também num prefeito do PDT que fez história aoderrotar um candidato tucano que tinha a máquina pública e um supostoaparato de corrupção a sustentar sua campanha. Por outro lado, se esqueceros trâmites burocráticos, posso dizer votei pela primeira mesmo em 1989.Puxado pela mão de meu pai, entrei na cabine e risquei um X ao lado de umnome: Lula. Eu tinha seis anos, mas me lembro bem daquela campanha: ânimosmuito mais exaltados do que agora, ameaças. Meu pai me arrumava para escolae invariavelmente pregava a estrelinha vermelha do PT na minha camisa. Podiaser muito lúdico durante o caminho, mas uma vez em sala de aula, ela setornava um fardo. As professoras e diretoras queriam me fazer de garoto derecado: “Fala para o seu pai que o Lula é analfabeto“, “Fala que eu vouvotar no Collor, porque ele é bonito. O Lula é feio“.Fernando um, Fernando dois e eis que chegou a minha vez de votar pelaprimeira para presidente. Foi em 2002. Eu não tinha nenhuma dúvida sobrequem escolheria. Há poucos meses, tinha vivido a frustração de pisar nauniversidade e ter recebido trote do Governo Federal. “Estamos em greve”,diziam os cartazes. Poderia ter voltado para casa, mas fui para as ruas coma molecada gritar. Os professores explicavam: “Eles querem sucatear auniversidade para depois vender”. Apesar dos meus 17 anos, era difícilacreditar numa estratégia tão simplista. Aos poucos, porém, vi que era tudoverdade. Faltava cadeira, material, e sobretudo, caráter. Lembro bem doVilhena, o reitor imposto pelo FH à UFRJ. Foi ele quem deu a mão e o braçopara as fundações privadas se firmarem dentro do campus. Eram abutresesperando o boi morrer.Era só querer ver, embora doesse. Como diz Saramago, a amargura é oolhar dos videntes. Quem tinha olhos mas não via, chamava os grevistas devagabundos. Eu não podia me dar esse direito. Minha mãe é professorauniversitária, sei o que é amargar nos olhos um contra-cheque que não condizcom uma mulher que fez mestrado, doutorado e pós-doutorado com três filhospra criar, dois empregos, trabalhando numa cidade, vivendo em outra. (Porfalar em vagabundo, essa tinha sido a palavra com que o Ilmo SenhorPresidente da República, Fernando Henrique Cardoso, tinha se referido temposantes aos aposentados).Mas deixemos as trevas de lado. Era 2002, eu dizia. Foi nesse ano que vium certo Luis Inácio Lula da Silva, depois de três tentativas frustradas,ser eleito Presidente da República. Eu tinha 20 anos quando ele começou agovernar. É a idade que você tem agora. Fazendo contas simples, vocêportanto, devia ter 12 anos nessa época. Talvez não se lembre, mas eu pudever na prática a esperança vencer o medo. Com os mesmos olhos, vi tambémmilhões de brasileiros erguerem a cabeça sobre a linha da miséria. Oargumento preferido dos serristas é o de que o Lula usou a mesma políticaeconômica do governo anterior. Para mim, é o que mais depõe contra eles. Setinham o mesmo dinheiro em caixa, porque não usaram em benefício dapopulação ?Se meu texto é simples e emotivo, não me leve a mal. Posso ter atreladominha argumentação à minha história de vida, mas agora entendo: não voto emDilma por razões pessoais. Aqui em casa, tudo vai bem, obrigado. Tenho umbom emprego, estudei numa das melhores universidades, falo línguas, conheçovários países. Um governo Serra não abala meu mundo. Eu não voto nem peloque viverei, nem pelo que vivi. Voto pelo que vi: primeiro, uma universidaderenascer, onde pude estudar durante quatro anos sem pagar um centavo;depois, vi um país colocar a cara de fora do atoleiro, olhar o mundo comaltivez. Hoje pela manhã, vi a Inglaterra anunciar um corte de quinhentosmil empregos públicos, pra conter a recessão, enquanto o Brasil anunciavarecorde histórico: dois milhões de vagas criadas nos últimos nove meses. E vi também, na sexta-feira passada, um sujeito arreganhar os dentes para mim em plena madrugada da Lapa. Era um vendedor de incenso, morador de NovaIguaçu. Ele me mostrou os dentes e falou:- Brasil sorridente, Brasil do Lula. Consegui consertar meus dentes.Se ao fim desse texto a minha idéia de que era um privilegiado por votar“de verdade” desabou, levo com ela a sua de que é preciso viver para ver. O mestre Saramago, sempre ele, não precisou perder a vista para falar de cegueira. Era ele mesmo quem dizia: “Se podes olhar, vê. Se podes ver,enxerga.“ O Brasil do Lula está na rua, é só sair e olhar. O de FHC é uma nau que já some no horizonte. Eu não quero que ela volte.

Pedro Leal David é jornalista

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