terça-feira, 14 de setembro de 2010

ELEIÇÕES - Parece que o Serra "jogou a toalha".

No auditório de O Globo Serra jogou a toalha.

Pedro do Coutto


Na sabatina, sexta-feira passada no auditório de O Globo, com a participação de editores, colunistas e repórteres do jornal, o candidato José Serra, como se diz no boxe e nas lutas livres, jogou a toalha no ringue. Quer dizer: desistiu, embora faltassem ainda três semanas para as eleições. Como fez isso? Afirmando que, para Lula voltar em 2014, sucessão da sucessão atual, era preciso que ele, Serra, vencesse. Se Dilma Roussef ganhar, Luis Inácio não se elege nem deputado. A frase, em letras gigantesca, está em página dupla da edição de sábado. Não pode haver exemplo maior de desistência antecipada. Ele procurou incrivelmente motivar a quem? O eleitorado lulista. Logo, tacitamente, reconheceu que, na oposição, não possui a menor chance de vitória.

Recorreu aos eleitores da coligação PT-PMDB-PC do B, para ficar só nestas legendas. Me lembrei, na hora em que li O Globo, de artigo do ministro aposentado Humberto Braga a respeito do tema alternância no poder, publicado quinta-feira aqui na “Tribuna”. Ele colocou, com ironia, que exigir isso corresponde a imaginar o surrealismo de o próprio Lula pedir ao povo que votasse na oposição.

À primeira vista, claro, uma peça de humor, Pirandello 2010, um candidato à busca de um grande eleitor. Mas sabia ele, Humberto Braga, que dois dias depois a realidade confirmaria o que ressaltou certamente entre sorrisos. Aliás, é sempre assim, vida e arte caminham juntas. São uma coisa só, no fundo. Tanto assim que artista algum escreveu até hoje algo que não tenha acontecido. A ficção, por isso mesmo, é um jogo entre realidade e a imaginação de ressaltá-la.

Mas afirmei no primeiro parágrafo que não poderia haver exemplo maior de uma desistência daquele que José Serra destacou aos jornalistas de O Globo. De fato não pode haver exemplo maior, porém houve um, igual. Nas eleições de 65 para governador da então Guanabara, Carlos Lacerda empenhava-se a fundo por Flexa Ribeiro contra Negrão de Lima. Faltando quinze dias para as urnas, Flexa alcançava 41 no IBOPE, então presidido pelo meu amigo Paulo Montenegro, pai de Carlos Augusto que o sucedeu, contra 26 de Negrão de Lima. De repente apresentando-se como candidato de oposição tanto a Lacerda quanto ao General Castelo Branco, Negrão conseguiu emocionar as ruas. Cinco dias depois, o IBOPE registrava um empate: 39 a 39 pontos. Lacerda sentiu que perderia, já que Negrão subia na proporção em que desciam os indecisos.

Foi então para a TV Excelsior (a Globo estava só começando) e viveu sua noite de Olivier, Gieguld, Fernanda Montenegro. Simulando não saber que já estava no ar, retirou do bolso uma folha de papel, recorreu à caneta, fez anotações. Em seguida mostrou-se surpreso. Fechou a fisionomia e foi em frente: “Não há dor pior do que a dor do remorso. Repetiu. Quando na sua torneira não houver mais água, quando nas escolas públicas de seu bairro não houver mais vagas, quando as obras voltarem a ser intermináveis. Quando os carros oficiais retornarem a parar na porta dos restaurantes, das boates, dos cabarés, exclamou indignado. Trabalhamos muito na Guanabara. E tudo isso para quê? Para entregar o governo a Negrão?”

Eis aqui um precedente histórico à postura que, 45 anos depois, José Serra acrescenta mais um raro episódio. Carlos Lacerda e Serra, em suas épocas, viveram os papéis do que se pode chamar de heróis da desistência. Não da resistência.

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