sábado, 24 de julho de 2010

IRAQUE - Falluja é mais grave que Hiroshima.

Layla Anwar*

FallujaA leitura do fundamentado texto de Layla Anwar deixa o leitor como uma angústia revoltante e algumas interrogações: Como é possível no século XXI tamanha barbárie? O que significa direitos humanos para o poder nos EUA? Como é possível os governos de todos e cada um dos nossos países colaboraram, e pior, terem relações de subordinação com tão desapiedados criminosos? Cada vez é mais evidente por que razão os EUA não aceitaram para os cidadãos norte-americanos a territorialidade do Tribunal Penal Internacional.

Esta informação é demasiado importante para ser somente anotada… e este é apenas um comentário apressado.

Acabei de assistir a uma reposição da Arabic-interview, da Al-Jazeera, conduzida por Ahmad Mansour com o Professor Chris Busby. O Professor Busby é Cientista e Director da Green Audit, e conselheiro científico do Comité Europeu para os Riscos de Radiação. Para saber mais sobre o Professor Busby e o seu trabalho pode procurar no Google: Chris Busby Uranium.

O Professor Busby publicou vários artigos sobre radiação, urânio e contaminação em países como o Líbano, Kosovo, Gaza e, claro, Iraque.

Falar-vos-ei das suas recentes descobertas, que eram o tema do programa emitido pela Al-Jazeera. Como alguns de vocês saberão, Falluja é uma cidade proibida. Foi sujeita a intensos bombardeamentos em 2004, com bombas DU e fósforo branco, e depois disso transformou-se numa zona interdita - o que significa que tanto as autoridades-fantoche como as forças invasoras e ocupantes norte-americanas não permitem que se conduza nenhum estudo em Falluja. Falluja está cercada. Evidentemente que tanto os norte-americanos como os iraquianos sabem de alguma coisa que escondem do público. E é aqui que entra o Professor C. Busby. Determinado em ir até ao fundo do que aconteceu em Falluja em 2004. Sendo um cientista de renome na sua área, conduziu pesquisas e exames em Falluja cujos resultados preliminares serão publicados nas próximas semanas – assim esperamos. O Professor Busby encontrou bastantes obstáculos enquanto desenvolvia o seu projecto. Nem ele nem nenhum membro da sua equipa foram autorizados a entrar em Falluja para realizar entrevistas. Logo, na sua opinião, quando a porta principal se fecha, torna-se necessário encontrar outras portas para abrir. E foi o que fez. Conseguiu reunir uma equipa de iraquianos de Falluja para conduzir os exames por ele. A pesquisa baseou-se em 721 famílias de Falluja, num total de 4.500 participantes - vivendo em zonas com diferentes níveis de radiação. Os resultados foram comparados com um grupo padrão - um exemplo do mesmo número de famílias vivendo numa zona não-radioactiva noutro país árabe. Para esse efeito comparativo, escolheu três outros países - Kuwait, Egipto e Jordânia.

Antes de avançarmos para os resultados preliminares, devo salientar o seguinte:

• As autoridades iraquianas ameaçaram todos os envolvidos na pesquisa, de prisão e detenção, caso cooperassem com os “terroristas” que os estavam a entrevistar. Por outras palavras, foram ameaçados na alçada da lei anti-terrorista.
• As forças norte-americanas proibiram o Professor Busby de obter quaisquer dados, argumentando que Falluja é uma zona insurgente.

Os médicos de Falluja recusaram o pedido para prestarem declarações que seriam transmitidas em directo para o programa de Ahmad Mansour, já que receberam inúmeras ameaças de morte e temem pelas suas vidas.Noutras palavras, este estudo foi conduzido em condições extremamente difíceis. Mas foi conduzido.

Como o programa ainda não foi carregado no youtube, não posso proporcionar uma transcrição oral absolutamente exacta. Mas tomei breves notas e memorizei o necessário. Farei o possível para apresentar todos os factos a que hoje assisti. E então o que é que os EUA e os seus fantoches iraquianos não querem que o público saiba? E porque é que não autorizam quaisquer medições dos níveis de radiação em Falluja, e porque é que proíbem até a AIEA de entrar na cidade? Que é que aconteceu em Falluja, exactamente? Que tipos de bombas foram usadas? Somente DU ou outra coisa mais?

• Algo que é bastante curioso em Falluja é a subida dramática das taxas de cancro, num curto espaço de tempo, por exemplo em 2004. Exemplos fornecidos pelo Professor Busby:
• Taxa de leucemia infantil aumentou 40 vezes desde 2004 em comparação com anos anteriores. Comparada com a Jordânia é 38 vezes maior.
• Taxa de cancro da mama cresceu 10 vezes desde 2004
• Taxa de cancro linfático cresceu também 10 vezes desde 2004.

2) Outra curiosidade em Falluja é o dramático aumento nas taxas de mortalidade infantil. Comparada com dois outros países árabes, como o Kuwait e o Egipto, que não estão contaminados pelas radiações, é este o retrato:

• Mortalidade infantil em Falluja é de 80 crianças por cada 1.000 nascimentos, em comparação com o Kuwait, com 9 crianças por cada 1.000 nascimentos, e com o Egipto, com 19 crianças por cada 1.000 (assim, a taxa de mortalidade infantil no Iraque é 4 vezes maior do que no Egipto e 9 vezes maior que no Kuwait).

3) A terceira particularidade em Falluja é o número de malformações congénitas que explodiram repentinamente desde 2004. Este é um assunto que já abordei no passado. Mas não é toda a verdade, hoje aprendi um pouco mais. A radiação de qualquer dos agentes utilizados pelas forças de “libertação” não só causaram massivas deformações genéticas como também, e não menos importante:

• Provocaram alterações estruturais a nível celular. Por sua vez, isto significa que devido às alterações genéticas dos rapazes (falta de cromossoma X), estes têm mais probabilidades de morrer à nascença, e as raparigas têm mais probabilidades de sobreviver com fortes deformações. Outro exemplo adiantado pelo Professor Busby: antes de 2003, as taxas de natalidade em Falluja eram as seguintes: 1.050 rapazes para 1.000 raparigas. Em 2005, somente 350 rapazes nasceram - o que significa que a maioria não sobreviveu.
• Tal como para as raparigas, e é aqui que jaz a tragédia, a radiação causa mudanças no DNA, o que significa que caso sobreviva, e tente reproduzir, darão provavelmente à luz filhas geneticamente desfiguradas e filhos nados-mortos.

• As conclusões anteriores são suportadas noutros estudos conduzidos nos filhos e netos que sobreviveram a Hiroshima (realizado em 2007) e que evidencia que até a terceira geração exibe malformações congénitas, incluindo doenças (cancro, problemas cardio-vasculares) numa taxa de aumento de 50 vezes. Em Chernobyl, por outro lado, estudos em animais na mesma área demonstram que os efeitos da radiação modificaram geneticamente 22 gerações. Em suma, a radiação é transmitida de gene para gene e tem efeitos cumulativos com o passar do tempo. (não dissecarei o porquê – as propriedades acumulativas/ memória das células e a actividade do sistema imunológico – poderá ler mais detalhes sobre isso quando o artigo do Professor Busby for publicado) [1].

• Algumas destas deformações em crianças são tão grotescas que, tanto a Al-Jazeera como a BBC (que produziu um documentário sobre a mesma matéria), recusaram a difusão destas imagens.

Exemplos das deformações que Ahmad Mansour revelou em imagens:

• Crianças nascidas sem olhos

• Crianças com duas e três cabeças

• Crianças nascidas sem orifícios

• Crianças nascidas com tumores cerebrais e retinais malignos

• Crianças nascidas sem órgãos vitais

• Crianças nascidas sem membros ou com excesso dos mesmos

• Crianças nascidas sem genitais

• Crianças nascidas com severas malformações cardíacas

Mais…

• Sobre esse assunto, os médicos em Falluja foram questionados acerca da relevância para o estudo da comparação das taxas de deformação congénita no espaço de um mês (comparando-o com o mês anterior). Eis o resultado: somente no espaço de um mês, os recém-nascidos com malformações cresceram de uma(mês anterior) para três vezes por dia (mês corrente, que para efeitos de estudo foi Fevereiro de 2010).

• O urânio é introduzido na corrente sanguínea através da ingestão e inalação.

Os níveis massivos de urânio a que a população de Falluja foi sujeita também concorre para o aumento vertiginoso de cancro nos pulmões, vasos linfáticos e mama, na população adulta.

Com estas conclusões preliminares, o Professor Busby e a sua equipa concluíram que, em comparação com Hiroshima e Nagazaki, Falluja é pior. E cito o Professor Busby: “A situação em Falluja é horrenda e assustadora, mais perigosa e grave que Hiroshima…”

Uma nota lateral, ou talvez não:

Referi que estes eram resultados preliminares. Porquê?

Porque o Professor Busby tem sido molestado, viu os seus fundos de pesquisa cortados, portas fechadas, foi ameaçado (tal como outros cientistas que tentaram conduzir estudos semelhantes nos anos 90, no Iraque). As implicações políticas são enormes e perigosas para os EUA e seus homens de mão. Significa que as evidências científicas de crimes de guerra estão aqui mesmo na ponta dos dedos…

Logo, a vida do Professor Busby não tem sido fácil. A pesquisa que conduziu e produziu com grande dificuldade foi enviada para a revista científica Lancet, para uma revisão do Comité Científico. A revista científica Lancet recusou-o, afirmando que não tinha tempo para o rever. Os laboratórios que, no passado, cooperaram com ele no teste a amostras recusaram colaborar quando souberam que as amostras provinham do Iraque. Só dois laboratórios estão disponíveis para testar as amostras do material/agente usado em Falluja – e fazem-no a um preço exorbitante – pela natureza sensível do estudo. Também devido à falta de verbas, o Professor Busby tem cerca de 20 amostras de Falluja para teste – que guarda cuidadosamente. Aguarda os fundos necessários para testar as amostras.

Quando questionado por Ahmad Mansour acerca da sua perseverança perante os enormes obstáculos que tem enfrentado, a sua resposta foi:

“Toda a minha vida procurei a verdade, sou um caçador da verdade nesta selva de mentiras. Também tenho filhos. As crianças não são só o nosso futuro, são os portadores das gerações futuras. Nos últimos 50 anos temos contaminado o planeta (com radiação) e passamos esta herança para os nossos filhos e netos. Devemos a verdade à população de Falluja.”

Quando questionado como lida com a escassez de fundos e o excesso de portas fechadas na cara, respondeu:

“Confio na boa vontade de pessoas que enviam pequenas quantias, e acredito verdadeiramente que quanto a porta principal se fecha, outras se abrem.

Quando há vontade, há caminho.”

Tiro-lhe o chapéu, Professor Busby.

Insto a que todos que leiam este artigo, todas as pessoas de consciência, insto a que todos os iraquianos (mexam-se por amor de Deus!) e todos os árabes contactem o Professor Busby e doem para que as amostras de Falluja sejam testadas e a verdade venha ao de cima. Terminarei este artigo com uma última citação que dedico a este grande homem:

“A verdade tem asas que não podem ser cortadas”

Tenho de terminar. Já é madrugada. Ainda não dormi. Quis colocar este artigo disponível ao mundo… a questão que levo comigo para a cama - se é que conseguirei fechar os olhos - é a mesma questão que tenho colocado desde 2003
Porquê? Que fez o povo iraquiano, que fizeram as crianças iraquianas para merecer isto?

A conclusão é horrível…

Nota do tradutor:
[1] A autora refere-se ao texto “Cancer, Infant Mortality and Birth Sex-Ratio in Fallujah, Iraq 2005–2009”, Chris Busby, Malak Hamdan and Entesar Ariabi, Int. J. Environ. Res. Public Health 2010, 7, 2828-2837; doi:10.3390/ijerph7072828.

* Layla Anwar é membro da Arab Woman Blues, uma organização que considera que a sua pátria a nação árabe.

Este texto foi publicado em http://uruknet.com/?p=m67560&hd=&size=1&l=e

Tradução de José Pedro Ribeiro

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