domingo, 30 de maio de 2010

DE MÃOS DADAS E SUJAS.


De mãos dadas e sujas

"Desastre petrolífero nos EUA revela outro conluio entre mercado e Estado contra o interesse público". escreve Vinícius Torres Freire, jornalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 30-05-2010.

Eis o artigo.

A gente não deu muita bola para o desastre do petróleo que vaza no golfo do México, resultado do colapso de um poço marinho da BP, antiga British Petroleum. Nada parecido com a reação ao naufrágio do Exxon Valdez, petroleiro da Esso que afundou em 1989, no Alasca.

O naufrágio do Valdez foi tão midiático que esse navio, apodrecido de ferrugem e pilotado por piratas punks fumantes, aparece naquele filme de Kevin Costner, "Waterworld", o mundo aquático de um pós-apocalipse ambiental qualquer.

Apesar da vaga ambientalista, desta vez talvez falte aquela torrente de fotos tristíssimas de bichos empapados de óleo e alcatrão. Mas o desastre da BP já é maior que o da Esso e sujou a reputação de Barack Obama. Assim como no Brasil se rotula de apagão uma inépcia maior do governo, diz-se nos EUA que o caso BP é o "Katrina" de Obama.

O Katrina, como se sabe, foi o furacão que provocou a submersão de Nova Orleans, sob o olhar abestalhado do governo de George Bush.

O desastre da BP suscitou novo debate sobre a vergonheira nas relações entre Estado e empresas. Parlamentares investigam as falhas da BP, que vazam como os milhares de barris de petróleo no mar.
Como de costume, aparecem evidências de que as petroleiras fizeram lobby bem-sucedido contra novas regulamentações de segurança. Ficou claro que tanto agentes estatais como empresas estavam de acordo com a ideia de que o setor privado deveria se "autorregular".

Alguém aí lembrou dos bancos, da propaganda mercadista contra interferências estatais e o colapso financeiro de 2008? Pois é.

O desastre do golfo do México chamou a atenção sobre as relações promíscuas entre petroleiras e agências reguladoras. O caso é enrolado e longo. Para encurtar a conversa, basta dizer que a bandalha é forte o bastante para permitir a Obama falar em público de "relações calorosas e por vezes corruptas da indústria do petróleo" com as agências reguladoras.

Além do mais, Obama suspendeu novas autorizações para explorar petróleo no mar e adiou a pesquisa de petróleo no Ártico (Alasca).

Agências reguladoras independentes são muito prezadas por tecnocratas, economistas em especial. "Independentes" significa autônomas em relação a ingerências "políticas", dos governantes de turno. Tomariam decisões "técnicas", baseadas em políticas de Estado e diretrizes de longo prazo, imunes a influências do "ciclo político" (isto é, a "medidas eleitoreiras").

Governantes de fato manipulam políticas públicas tendo em vista interesses de curtíssimo prazo. Mas agências frequentemente se tornam piqueniques de empresas com servidores capturados pelo interesse privado. Os funcionários das agências não raro pensam do mesmo modo que o setor privado, quando não são empregados das empresas, no passado ou no futuro. O lobby nos Parlamentos, movido a muito dinheiro, já determina "políticas de Estado". Nas agências, tal "distorção", digamos, desce às minúcias.

Em suma, o odor de santidade técnica das agências é tão ruim quanto o cheiro da política partidária. Basta ver o caso dos EUA: o conluio público-privado deu no desastre na finança, em 2008. No da energia elétrica e o das auditorias, de 2000-2002. No do petróleo, 2010.

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