domingo, 24 de janeiro de 2010

ECONOMIA - O triunfo neoliberal e os desafios do FSM.

O triunfo do neoliberalismo continua sendo enormemente rentável para uma minúscula minoria, a mesma que é servida pelos governos do G-20. Eles não demonstram sinal algum de estarem fazendo algo sério contra as vontades dos bancos. Se imaginarmos a organização do mundo como uma série de círculos concêntricos ou esferas, o primeiro e mais influente de todos é certamente o das Finanças, agora totalmente divorciado da economia real. Os desafios para o FSM e para aqueles que são parte dele em espírito, de maneira consciente ou não, é reverter a ordem desses círculos. A análise é de Susan George.

Susan George

Ainda que as reuniões do Fórum Social Mundial sejam sempre ocasiões marcadas pela esperança, nenhum de nós encontrará razão para celebrar quando olharmos para o ano que passou. O ponto alto foi a Catástrofe de Copenhague – cujo resultado trouxe péssimas perspectivas para a raça humana – mas ele também testemunhou duas reuniões do G-20 pavorosamente convencionais, cujo claro objetivo era voltar ao modo de negociação anterior, no menor tempo possível. A solução do G-20 consistiu em salvar o FMI da extinção oferecendo o equivalente a $750 bilhões em dinheiro de contribuintes sem impor absolutamente nenhuma condição. Desta maneira, o Fundo, mais uma vez, está livre para impor drásticas políticas de ajuste estrutural. Houve uma breve tempestade sobre os paraísos fiscais, mas o G-20 fez todo o possível para que nenhum deles precisasse se preocupar com as ridículas declarações de que não havia mais país algum na lista negra da OCDE.

Enquanto isso, os bancos, ressuscitados por seus respectivos governos voltaram imediatamente ao seu antigo modo de operação. Os trilhões em dinheiro de contribuintes foram devolvidos, mas isso não significa que alguma coisa mudará para melhor. Haverá, talvez, algumas poucas mudanças regulatórias de menor importância, mas claramente nenhuma reforma nos moldes das restrições determinadas pelo ato de “Glass Steagal” será imposta às principais instituições financeiras que permanecem grandes demais para falir, mas não para serem salvas por seus governos. O sistema bancário dos Estados Unidos gastou mais de cinco bilhões de dólares fazendo lobby para se livrar de uma dúzia de regulamentações. A crise financeira foi o resultado direto destes esforços.

No início de 2009, os especialistas que quase universalmente falharam em prever o desastre financeiro ofereceram a débil e falsa justificativa na qual afirmavam que “ninguém seria capaz de prevê-lo”. No fim do mesmo ano, eles também unanimemente declararam que “a crise havia chegado ao fim”. Nada disso é verdade: muitas pessoas previram a crise, mas não foram ouvidas; a crise não terminou sob parâmetro algum, exceto pelo parâmetro do mercado de ações parcialmente recuperado. Os bancos, entretanto, vão muito bem, obrigado – em novembro de 2009, o Goldman Sachs angariou $100 milhões por dia, segundo suas próprias declarações.

Com o G-20 oficialmente substituindo o G-7/8, poderíamos nos perguntar se a presença dos BRICs faria alguma diferença em relação aos resultados. Agora já sabemos. Aparentemente, os recém chegados estão tão agradecidos por estarem sentados na mesma mesa que o grupo dos mais experientes que ofereceram garantias implícitas de não causarem maiores problemas. Os 172 países que não estavam presentes podem esperar pouco ou nada desta nova configuração e se estes precisavam de confirmação para sua insignificância, Copenhague providenciou isso com toda clareza possível.

Nunca subestime os poderes da inovação financeira: Agora que foram verdadeiramente salvos, os bancos estão vendendo um novo produto, estruturado exatamente da mesma maneira que os empréstimos sub-prime: os CDOs ou “obrigações de dívida colateralizada”, também conhecidos como obrigações de dívida com garantia”. Ao invés de comprarem milhares de empréstimos sub-prime, embrulhá-los e vendê-los para clientes por todo o mundo, os bancos agora compram apólices de seguro de pessoas velhas e com doenças crônicas com enormes descontos sendo cuidadosos ao incluírem uma mistura de doenças – AIDS, Alzheimer, câncer, diabetes e outros, empacotando e vendendo aos investidores uma perspectiva de morte breve e ganhos vultosos quando a empresa seguradora pagar a quantia devida. Até o momento, a morte ainda não era realmente uma mercadoria negociável, mas esse equívoco já foi remediado.

Sob nenhum padrão a não ser os utilizados pelos bancos e mercados de ações, a crise encontra-se superada. O desemprego aumentou enormemente assim como o trabalho precário. As desigualdades nunca foram tão grandes entre os países ou dentro deles. Os bancos não estão emprestando para pequenos e médios negócios, que estão falindo. O enorme aumento no preço dos alimentos, que em 2008 mergulhou 100 milhões de pessoas na fome crônica foi causado, em grande parte, pela substituição das lavouras de alimentos por lavouras de agrocombustível nos Estados Unidos e Europa e, acima de tudo, pela especulação dos mercados de commodities. Estes escandalosos aumentos de preços arrefeceram no decorrer daquele ano, mas em 2009 começaram novamente a subir e continuam sua ascensão. Participantes do FSM conhecem todas essas questões muito bem e eu não usarei meu limitado espaço para trabalhar essa questão.

As conclusões que podemos tirar do lamentável estado em que se encontra a economia me parecem ser as seguintes: o triunfo do neoliberalismo continua sendo enormemente rentável para uma minúscula minoria, a mesma que é servida pelos governos do G-20. Eles não demonstram sinal algum de estarem fazendo algo sério contra as vontades dos bancos. Se imaginarmos a organização do mundo como uma série de círculos concêntricos ou esferas, o primeiro e mais influente de todos é certamente o das Finanças, agora totalmente divorciado da economia real. Mais de 80 por cento das atividades relacionadas aos empréstimos financeiros vão para o próprio setor financeiro e não para a produção, distribuição e consumo de fato.

O próximo círculo é a Economia, livre para ir onde o custo do trabalho e dos impostos forem os mais baixos. Juntos, as Finanças e a Economia regulam a Sociedade e ditam como ela precisa ser organizada. Esta, claramente, não está organizada para satisfazer as necessidades dos cidadãos. Finalmente, e menos importante que o resto no presente cenário está o Meio Ambiente. Copenhague provou mais uma vez que o menor e menos importante círculo permanece sendo o lugar de onde tiramos nossa matéria prima, incluindo o petróleo, gás e carvão e onde despejamos nosso lixo.

Os desafios para o FSM e para aqueles que são parte dele em espírito, de maneira consciente ou não, é reverter a ordem desses círculos ou esferas para que o Meio Ambiente seja visto como deveria ser – a condição para a possibilidade de continuidade de existência humana e da civilização.

Precisamos obedecer às restrições colocadas sobre nós pelo planeta porque não podemos fazer diferente e esperar sobreviver. Em seguida vem a Sociedade, democraticamente organizada de maneira que as necessidades básicas sejam reconhecidas e satisfeitas, serviços públicos sejam oferecidos de maneira automática e natural, oportunidades de emprego aumentem e desigualdades diminuam. A Economia precisa ser organizada para satisfazer as demandas da sociedade, com empresas de tipo substancialmente mais cooperativo. O mercado permanece um aspecto importante e funciona de acordo com as forças tradicionais de oferta e demanda, porque mercados podem ser eficientes e promover inovação contanto que sejam regulados. Um planejamento central à la Sovietique não é necessário, mas o gasto governamental planejado de maneira precisa pode ser usado para promover o desenvolvimento de atividades e indústrias específicas, em especial as “verdes”. Finalmente, as Finanças são uma ferramenta a serviço da economia, e não sua chefe.

Esta é a estrutura geral que, acredito, deva ser ambicionada pelo FSM. Tenho muitas propostas concretas a partir das quais poderia trabalhar:

- Nacionalização e socialização, ao menos parcial, de quaisquer bancos que recebam dinheiro público, obrigando-os a emprestar a juros zero para pequenas e médias empresas sociais/verdes, de modo a acelerar a conversão desta para uma economia de energia renovável e administração cooperativa.

- Projetos Keynesianos de infraestrutura verde para a criação de empregos financiados através da emissão de títulos de créditos especiais (na Europa isso significaria mudar a natureza do Banco Central Europeu)

- Iniciar o debate sobre limitação de renda: se a pessoa com o menor salário recebe uma quantia equivalente a 100, qual deveria ser o teto para o mais bem pago? 500?1000?10.000? Temos incontáveis estudos sobre os pobres, mas não sobre os ricos.

- Campanhas internacionais sobre paraísos fiscais. Idem para taxação internacional, incluindo impostos sobre transações financeiras de qualquer tipo, com a prerrogativa de serem usados, ao menos parcialmente, para financiar medidas de mitigação das mudanças climáticas em países pobres. Restabelecer os impostos sobre fortunas particulares abolidos pelo neoliberalismo e usá-los para financiar serviços públicos.

- Um sistema de contabilidade internacional que revele e, portanto, exclua a evasão de preços de transferência e repatriação de capital por corporações transnacionais.

-Restabelecimento (ou, na Europa, introdução) da separação de funções bancárias do tipo Glass-Steagal, com o crédito sendo considerado como bem público (e naturalmente sujeito às regras de precaução). Restabelecimento de diversas medidas regulatórias, particularmente sobre o mercado de commodities, que foram abolidas nos últimos 10 ou 15 anos.

- Cancelamento de débitos em troca de reflorestamento e bio-conservação para os países menos desenvolvidos.

O único benefício gerado em Copenhague foi o estabelecimento de relações mais sólidas entre os movimentos sociais e os responsáveis pelas campanhas ambientais: eles parecem agora, finalmente entender que não podem vencer separadamente. O FSM precisa trabalhar para fortalecer e aprofundar esta aliança e tentar descobrir e incluir neste grupo também as organizações que trabalhem com questões ligadas à paz e conflitos.

Eu ainda acredito que o FSM deva trabalhar em prol de um dia anual de protesto e propostas em todos os países nos moldes das manifestações de 15 de Fevereiro de 2003 contra a invasão do Iraque. Um tema comum, amplo, com um título fácil (como Empregos, Justiça, Clima…) e muitas idéias vindas de todas as partes do mundo preparadas para chamar atenção para ações originais, atraentes para a TV, que qualquer um pode empreender com o mínimo de equipamento. Todos os jornalistas que eu encontro começam dizendo que o movimento está morto. Certamente ele não está visível e podemos ter perdido uma excelente oportunidade em 2009. Eu gostaria de pensar que 2010 pode ser melhor, mais focado, mais cheio de energia, com mais propósito – e que podemos começar a vencer, para variar.

Susan George é licenciada em filosofia pela Sorbonne e doutora em política pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris). Autora de diversos livros, é dirigente da ATTAC-França (Associação pela Taxação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos) e presidente do conselho de administração do Transnacional Institute (Amsterdã).

Tradução: Adriana Guimarães
Fonte:Agência Carta Maior

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