segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

AFEGANISTÃO - Um herói de guerra (e anti-guerra) na Grã-Bretanha.

Joe Glenton

O "crime" do Primeiro-cabo Glenton foi afirmar que o Reino Unido está a agravar a situação no Afeganistão. O seu verdadeiro crime não foi exprimir uma opinião, apenas a opinião "errada".

Por Mark Steel, publicado originalmente no The Independent

Os políticos e os jornais adoram venerar um herói da guerra do Afeganistão; torna-se estranho então o facto de não se terem dado ao trabalho de o fazer em relação ao Primeiro-cabo Joe Glenton. Quando partiu em missão foi avisado de que poderia ser capturado, mas decerto não esperaria que isso significasse ser aprisionado pelo Exército Britânico.

O crime cometido foi concluir que a guerra estava a agravar a situação no terreno, que era imoral prosseguir com o conflito, e dizê-lo publicamente. Está detido numa prisão militar a fim de, presumivelmente, ser impedido de dizer tudo isto em público. Deixem este traidor em liberdade e poderá recusar-se a lutar no Zaire, em Cachemira, numa reencenação da Batalha de Bosworth1; quem sabe o perigo que ele poderá constituir para o público.

Enquanto soldado isto deve deixá-lo confuso, até porque duvido que os briefings iniciais incluam uma parte em que se diga: "Soldados, ouçam, durante o vosso serviço no Exército Britânico, imploro-vos que se mantenham sempre alerta e usem de prudência em relação a esse inimigo astuto que dá pelo nome de Exército Britânico".

Joe Glenton poderia ter evitado a prisão se estivesse preparado para silenciar a sua oposição à guerra, em vez de falar abertamente sobre a sua experiência. Isto porque ninguém está à espera que, enquanto soldado, torne pública a sua opinião acerca do conflito. Mas, todas as semanas, há relatórios em que soldados nos dizem que estamos a ganhar muito lentamente - e nenhum deles foi enviado para tribunal marcial. Portanto, o verdadeiro crime não foi exprimir uma opinião, apenas a opinião errada.

De qualquer modo, os líderes militares emitem declarações sobre quase todos os aspectos da Guerra; de tal forma o fazem que o General Richard Dannatt, chefe das forças britânicas, criticou o governo ainda antes de ter anunciado o seu apoio aos Conservadores. Talvez haja a seguinte regra: "Os oficiais com a patente de Capitão, ou superior, terão direito a opiniões (porém, às patentes inferiores, até à de Sargento-Mor, serão apenas permitidos certos impulsos, o máximo de três por mês).

* * *

Será difícil para os soldados não formularem uma opinião acerca da guerra, sobretudo quando percebem que estão muitas vezes a armar os senhores da guerra uns contra os outros - ao ponto de apelidarmos de "talibans moderados" aqueles com quem simpatizamos. Em princípio, estes serão os que dizem: "Uma torre [de controlo britânica] não há problema, mas não devíamos ter destruído as duas".

Haverá nas casernas, por todo o lado, avisos a dizer: "É proibido aperceberem-se de que o governo honesto em defesa do qual estão a arriscar as vossas vidas falsificou de tal forma as eleições que a ONU ordenou um novo sufrágio; ou que a produção de heroína está a aumentar em vez de ser destruída conforme vos foi dito; ou ainda que muitos dos civis sob vossa exclusiva protecção desejam a vossa partida. Também devem ter o cuidado de esquecer que uma das justificações desta guerra foi a captura de Bin Laden, jamais alcançada. Portanto, quem o avistar deve ignorá-lo, pois tal servirá para diminuir a moral das tropas".

Será por esta e outras razões que Joe descreveu o seu tempo de prisão com este comentário: "A reacção foi fantástica. Os soldados cumprimentavam-me com apertos de mão e palmadinhas nas costas. Um deles disse-me, ‘Tu dizes o que toda a gente pensa'. Quando falas com soldados de outras unidades, ficas com a impressão de que se estão interrogar sobre a nossa presença aqui no Afeganistão".

Estas dúvidas estão a multiplicar-se em todos os sectores da sociedade. Um bom exemplo. Numa emissão recente do "Question Time", em Wootton Bassett2, onde as ruas se enchem todas as vezes que regressa o corpo de um soldado morto em combate, a audiência recebeu calorosamente os argumentos de Salma Yaqoob3. Os políticos e os apoiantes do conflito devem estar agradecidos, portanto, a Anjem Choudary, que planeou marchar pelas ruas de Wootton Bassett com a sua organização (pró-islamita) Islam4UK4.

A darmos crédito a Choudary, ninguém poderá acusar o Islam4UK de ser conivente com as classes médias inglesas. Se um dos seus apoiantes sugerisse: "Talvez nos devêssemos intitular ‘Islão para o Reino Unido (Islam4UK), excepto no Surrey'", este responderia, "Se estão a tornar-se brandos, vão bugiar, e juntem-se aos Democratas-Liberais (Liberal Democrats)". Na próxima semana, já estão a imaginar, ele estará a anunciar uma marcha e a exigir o massacre ritual, ao vivo, de todos os gatinhos do Blue Peter5.

A marcha permite aos apoiantes do conflito definir a situação do seguinte modo: a sensível Grã-Bretanha contra o Islão militante. Mas a sensível Grã-Bretanha está a começar a opor-se à guerra.

Joe Glenton foi recentemente libertado sob caução. O seu julgamento terá lugar daqui a poucas semanas - mais ou menos na mesma altura em que outro participante no conflito apresentará as suas provas (isto é, Tony Blair). Portanto, a regra parece ser esta: quem mentir para começar uma guerra será chamado, sete anos depois, para prestar, muito educadamente, um depoimento num inquérito; mas quem disser a verdade para por fim a uma guerra, provavelmente levará pancada. Para vocês aí, onde quer que estejam, calculo que isto faça sentido.

8 de Janeiro de 2010

Mark Steel nasceu no Reino Unido e é comediante, cronista do jornal The Independent, socialista e activista. É ainda autor de duas antologias de humor acerca do Reino Unido, It's Not a Runner Bean: Dispatches from a Slightly Successful Comedian e Reasons to Be Cheerful--as well as Vive la Revolution: A Stand-up History of the French Revolution.

Tradução de Pedro Sena

http://socialistworker.org/2010/01/08/anti-war-hero-britain

1 N.T: A penúltima batalha da Guerra das Rosas, ocorrida em 1485, onde se opuseram as casas de Lencastre e de Iorque.

2 N.T: Uma cidade próxima de Bristol.

3 N.T: S. Yaqoob é dirigente das plataformas anti-guerra Birmingham Stop the War Coalition e Respect - The Unity Coalition, e ainda porta-voz da Mesquita Central de Birmingham.

4 N.T: A. Choudray é autor de uma ‘carta aberta' dirigida às famílias enlutadas pelo conflito, publicada no jornal Telegraph, a 3 de Janeiro deste ano, onde explica a sua perspectiva do conflito

5 N.T: Um programa infantil da BBC, no ar desde 1958.
Fonte:Esquerda.net

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