sábado, 26 de dezembro de 2009

POLÍTICA - Arrudagate.


O suposto esquema de pagamento de propinas envolvendo membros do Executivo e Legislativo do Distrito Federal é uma prática que ocorre, neste momento, em outros lugares do país, porque o problema central está na apropriação do orçamento público para fazer negócios privados. Essa constatação é do experiente cientista político de Brasília Antônio Flávio Testa, que em entrevista ao Contas Abertas ainda afirmou que os deputados da Câmara Legislativa do DF, salvo “muito poucas exceções, apresentam uma performance política e ética muito aquém do mínimo aceitável numa democracia”. “É difícil avaliar a atuação de políticos que se corrompem e utilizam meias para guardar dinheiro de propina e justificam esse ato como se fosse para preservar sua integridade física”, diz.

“Esse tipo de político [que fez a 'oração da propina'], desprovido de qualquer dosagem de escrúpulo, de ética, de senso crítico, deveria ser banido do sistema político e do religioso. Pois desonram, com essas práticas, tanto o Parlamento como o tabernáculo, que lhe dá sustentação eleitoral. Os péssimos exemplos são muitos. As boas ações ainda são invisíveis, se é que existem”, avalia. Segundo Testa, o sistema de governo no país está bem corrompido. "Mensalões são usuais na prática política brasileira. No Brasil, política é a disputa entre grupos privados pelo controle do patrimônio público. Se puxar o fio de meada, com transparência, o efeito será de um dominó caindo sobre o outro. Um tsunami político", acredita.

Confira a entrevista abaixo:

CA - Como o senhor avalia essa crise pela qual passa os poderes Executivo e Legislativo do Distrito Federal, respingando um pouco ainda no Ministério Público?

Testa - A relação entre os Três Poderes revela uma articulação para fazer prevalecer interesses de grupos que estão no comando desses poderes, sobretudo do Executivo e do Legislativo, mas supervisionados pelo Judiciário.

Na prática, ocorre a captura desses poderes por grupos que se revezam no comando das máquinas de governo, executiva e legislativa, com aliados poderosos no Judiciário. Isso leva a uma lógica funcional que impede a fiscalização mútua entre os Três Poderes.

Acontece o contrário: um tipo de cooptação que leva a um mecanismo de proteção mútua entre os poderes, mantendo os interesses corporativos dos grupos que estão no comando das instituições de governo.

CA - Há anos, muito se critica o comportamento ético de boa parte dos deputados distritais da Câmara Legislativa do DF. No entanto, todos que ali estão são eleitos democraticamente pelos cidadãos. Não há uma contradição nessa questão?

Testa - Aparentemente sim. O processo eleitoral é democrático, mas o sistema político funciona de forma a induzir o eleitor a escolher candidatos que, na maioria das vezes, pertencem a corporações econômicas, militares, policiais, religiosas, sindicais e outras oligarquias, com interesses particulares muito bem definidos.

Uma vez eleitos, atuam muito mais como representantes dos interesses dessas corporações do que em defesa da sociedade, do bem comum. A Câmara distrital é um exemplo real desse fenômeno. São poucos os parlamentares que atuam como representantes da população. É uma Câmara corporativista e distanciada profundamente dos interesses e das necessidades da população.

A grande contradição está exatamente nesse fato: a população eleje candidatos que irão trabalhar intensamente para viabilizar interesses de grupos privados, além de interesses pessoais.

Não há, salvo poucas e notórias exceções, parlamentares distritais que apresentam um desempenho compatível com a dimensão geopolítica do Distrito Federal. Os cidadãos são iludidos por um sistema político eleitoral enganoso, que cobra seu voto, mas não garante o retorno qualitativo dessa escolha.

CA - Como o senhor avalia a atuação dos deputados distritais de Brasília?

Testa - Salvo poucas, muito poucas exceções, os distritais locais apresentam uma performance política e ética muito aquém do mínimo aceitável numa democracia. É difícil avaliar a atuação de políticos que se corrompem e utilizam meias para guardar dinheiro de propina e justificam esse ato como se fosse para preservar sua integridade física.

Como avaliar a atuação de políticos que aprovam leis para beneficiar suas próprias empresas, em detrimento do bem comum? Como avaliar políticos que oram, como fariseus, agradecendo a deus dinheiro de propina e pela existência de personagem como o chantageador e operador das extorsões?


Esse tipo de político, desprovido de qualquer dosagem de escrúpulo, de ética, de senso crítico, deveria ser banido do sistema político e do religioso. Pois desonram, com essas práticas, tanto o Parlamento como o tabernáculo, que lhe dá sustentação eleitoral. Os péssimos exemplos são muitos. As boas ações ainda são invisíveis, se é que existem.

O que mais preocupa é a possibilidade de o eleitor ter que optar, nas próximas eleições, por candidatos apresentados por um sistema partidário que reproduz estruturalmente essa mediocridade e descompromisso cívico.

Uma vez que os próprios partidos são capturados por grupos de poder, dos mais variados matizes e com um só interesse: poder - para viabilizar seus interesses econômicos. Pode ser que alguns desses não voltem. Mas, seguramente, lá colocarão prepostos treinados nas mesmas práticas e com os mesmos interesses.

CA - É possível afirmar que esse suposto esquema de pagamento de propina envolvendo empresários, parlamentares e membros do Governo do Distrito Federal (GDF) é uma prática comum na política brasileira? Em outras cidades do país pode estar ocorrendo, neste momento, situação semelhante?

Testa - O sistema político brasileiro funciona baseado num relacionamento orgânico entre o Executivo e o Parlamento. Se o Executivo não tiver maioria no Parlamento, precisa negociar, para aprovar projetos de seu interesse.

Os relatórios de diversas CPIs, como a dos Correios e a do Mensalão, revelaram que a negociação entre o grupo que está no comando do Executivo e o Parlamento (uma coalizão de partidos para dar sustentação ao governo) tem um preço, que é pago em dinheiro; além de outras facilidades, como a entrega, de "porteira fechada", de estatais e órgãos estratégicos, dotados de muito orçamento, para que os partidos aliados apoiem o governo.

Os tucanos mineiros introduziram essa prática no final dos anos 90. O PT aperfeiçoou em nível federal, no primeiro mandato do governo Lula. E o DEM do DF apenas replicou algo que, se houver interesse e investigação profunda, provavelmente serão encontradas raízes dessa prática desde a primeira eleição no DF, uma vez que o grupo que está no poder é praticamente o mesmo. E a cultura política local reproduz o que ocorre em todo o país.

Sem dúvida, essa prática ocorre em outros estados. Basta acompanharmos as denúncias nas mídias regionais e até nacional. O problema central está na apropriação do orçamento público para fazer negócios privados.

O próprio processo eleitoral brasileiro tem um custo elevado - que não será minimizado com o financiamento público de campanha - e gera grande dependência de financiadores: os vários grupos de interesses dos mais variados setores da economia, que investem em candidatos que irão trabalhar para viabilizar seus interesses. Por isso, acontecem tantas denúncias, geralmente patrocinadas por grupos que ficaram fora das negociações e acertos.

CA - Se vários “Durvais Barbosa”, “Robertos Jefferson” e “Nicéias Pita” “saíssem do armário” e resolvessem “abrir o jogo”, o senhor acredita que muito mais políticos e empresários brasileiros possam estar envolvidos em esquemas de corrupção? No popular: tem gente que escapa?

Testa - Esses personagens não "saíram do armário", foram expurgados do sistema de corrupção e abriram o jogo, mas apenas parcialmente. Muita coisa ainda não foi explicada. No caso Jefferson, ainda falta explicar, pelo menos, o que foi feito dos R$ 4 milhões (ou muitos milhões mais).

No caso Durval, por que somente agora resolveu mostrar vídeos só desse governo, uma vez que operou nos governos passados? Nesse caso, parece mais uma troca de comando. É o mesmo grupo, mas houve uma troca de comando no processo de chantagem e repasse. Não dá para acreditar em delação premiada para esse tipo de crime. Portanto, esse argumento é uma balela. É uma aposta na ingenuidade da população.

Esse tipo de operador é útil ao sistema político brasileiro, que costuma absorver e perdoar esse tipo de criminoso. Está, por isso, historicamente blindado. Apenas sairá de cena durante um tempo, para aproveitar a vida em algum paraíso. Basta lembrarmos ilustres criminosos do colarinho branco que protagonizaram grandes escândalos e roubalheiras nos últimos anos. E estão aí, soltos, fazendo suas armações, cheios de clientes.

Aqui, no DF, tem muita coisa inexplicada ainda. As peças do quebra cabeças estão esparramadas e vai demorar para juntá-las e divulgar o resultado para a população. A mídia cooptada só divulgará o que for editado. A verdade não será publicizada.

O sistema de governo está bem corrompido. Mensalões são usuais na prática política brasileira. No Brasil, política é a disputa entre grupos privados pelo controle do patrimônio público. Se puxar o fio de meada, com transparência, o efeito será de um dominó caindo sobre o outro. Um tsunami político.

CA - A honestidade tem vez na política brasileira? Um cidadão comum consegue, por exemplo, se tornar vereador, deputado ou até mesmo senador, sem praticar nenhum ilícito ou ultrapassar as barreiras da ética e da moral?

Testa - Sim, é possível. O indivíduo sabe seus limites éticos e morais. Ocorre que as instituições buscam mais poder e dinheiro. Esse é o jogo da política: partidos que querem poder e corporações que querem dinheiro. Tanto os partidos como as corporações são comandadas por pessoas e, conforme o nível que atuam, seus limites éticos e morais se alteram, pois deixam de ser meros indivíduos e passam a representar interesses corporativos.

É um grande dilema existencial. Mas existem pessoas que não se corrompem. Geralmente são expurgadas do sistema.

CA - Qual a sua opinião a respeito do projeto de iniciativa popular chamado “Ficha Limpa” que tramita no Congresso Nacional e tem o objetivo de barrar candidaturas de pessoas que respondem a processos judiciais, ainda em 1ª instância?

Testa - Acho de uma ingenuidade muito grande. Quem propôs isso desconhece a cultura política brasileira e seu funcionamento institucional. Essa proposta sugere uma mudança estrutural na lógica jurídica brasileira. Não será aprovada.

Quem pode impedir corruptos de chegarem ao parlamento é o eleitor. Seria mais produtivo que a iniciativa popular sugerisse mais debates qualitativos e participação durante a preparação para o processo eleitoral.

É preciso mudar o aspecto espetacular e publicitário das candidaturas. Candidatos não podem ser oferecidos como se fossem cosméticos. O discurso publicitário e a produção televisiva espetacular deformam a realidade e engana o eleitor.

CA - Pesquisas mostram que os brasileiros não confiam nos trabalhos de muitas instituições públicas do país. Quais medidas podem ser adotadas para mudar o atual quadro político brasileiro, manchado por casos de corrupção? Uma reforma política realmente pode melhorar a situação?

Testa - Qualquer reforma política que seja feita reproduzirá essa lógica de poder. A questão central está na cultura política clientelista, personalista e corrupta, que foi desenvolvida durante séculos nesse país. O cerne do problema é de educação política e cívica. Somente haverá mudanças significativas quando a mentalidade política brasileira fizer prevalecer o bem comum, o interesse nacional. Quando o público superar o privado.

E isso, com a sociedade que temos hoje, não acontecerá, porque há um excesso de individualismo e egoísmo corporativo, que gera distorção qualitativa da prática política. O comportamento ético, tanto da sociedade como de seus representantes no parlamento, é pífio.

Os brasileiros têm problemas demais para resolver no presente e transferem a responsabilidade de decidir sobre seu futuro para instituições partidárias, que não têm o menor interesse no bem estar social, nem no futuro da nação, mas sim na manutenção do poder e dos privilégios de seus controladores.

Os partidos poderiam usar parte do fundo partidário para promoverem ações de educação política com foco num projeto de nação, baseado no seu ideário político. Suas fundações poderiam se transformar em centros de pesquisa e formação política, para formarem quadros com competência gerencial e visão política estratégica. Recursos existem e estão à disposição dos partidos, mas falta vontade política e interesse dos donos dos partidos.

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Leandro Kleber
Do Contas Abertas

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