terça-feira, 22 de dezembro de 2009

ANOS DE CHUMBO - A morte do embaixador do golpe de 64.

Hélio Fernandes

A morte e a morte de Lincoln Gordon. A traição que durou 45 anos e não serviu à nossa História nem a dos EUA

Agora será enterrado mesmo. Da primeira vez, apareceu no Brasil como embaixador, ressalvando que vinha como “professor de Harvard”. Ilusão fugaz. Da mesma linha dos outros que chegavam fingindo “amizade e respeito”, mas mandavam da mesma forma. Só que Gordon enganou mesmo.

Em 1962, um importante líder do PTB, (já morto) que morava no Parque Guinle, num edifício bem em frente ao Palácio Laranjeiras, me dizia da varanda, com mais dois amigos do presidente João Goulart: “Tivemos sorte de receber como embaixador, um professor como esse, 100 por cento democrata”.

Se lessem seus relatórios, saberiam o que preparava junto com generais americanos. Sem o embaixador Gordon, a “Operação Brother Sam” não teria obtido tanto sucesso.

Em 1963, logo depois de 6 de janeiro, quando acabou o Parlamentarismo com Tancredo, e “voltou” o presidencialismo, Brizola, tendo terminado o mandato de governador do Rio Grande do Sul, e eleito deputado pela Guanabara (em cada 10 eleitores, 4 votaram em Brizola, o governador era Carlos Lacerda) fez uma proposta ao cunhado presidente: “Você me nomeia Ministro da Fazenda e o Marechal Lott, Ministro da Guerra”.

Jango que não tinha bom relacionamento com Brizola, perguntou: “Para quê o Lott ministro? Você na Fazenda, compreendo”. E Brizola imediatamente: “Se eu me exceder em alguma coisa como Ministro da Fazenda, você pode me demitir que o Lott te garante”.

João Goulart disse que ia pensar, Brizola me contou, mas pediu sigilo, “temos que esperar, acho que o Jango vai aceitar”. Não demorou uma semana, Jango recebeu o embaixador (que morreu agora pela segunda vez) junto com Roberto Marinho, este sempre vivo e atuante. Já sabiam de tudo.

No quarto particular do presidente, sentado na cama dele, (o embaixador era mais discreto mas apoiava tudo), Roberto Marinho foi direto, nem cortou caminho, garantiu: “Jango (assim mesmo) se você nomear o Brizola Ministro da Fazenda, não conseguirá terminar o mandato”. Jango perdeu a oportunidade de expulsar os dois ou mandar prendê-los, ganharia o respeito e a admiração da opinião pública. Não fez isso, os dois saíram livres. Uma semana depois, Jango chamou Roberto Marinho, sozinho, ao Palácio, comunicou: “Achei melhor não nomear o Brizola Ministro da Fazenda”.

Jango não terminou o mandato, (o que Roberto Marinho disse que aconteceria, mas em outras circunstâncias). 24 horas depois de ter dito que não nomearia Brizola, O Globo, na terceira página, publicou uma foto grande de João Goulart, com o título: “Jango, o Estadista”.

Em 1966, em plena ditadura, mas ainda sem a censura que na Tribuna duraria 10 anos exatos, de 1968 a 1978, escrevi um artigo, com total isenção, sinceridade e esperança. Eu dizia que gostaria que o Brasil passasse pela experiência de ter Lacerda e Brizola, (ou os dois, seguidos, como deixava bem claro) como presidente da República.

Brizola estava exilado e asilado no Uruguai, estávamos em plena “Frente Ampla”. Registrava: “É possível que nem Lacerda nem Brizola atingissem o que eu esperava ou acreditava. Mas o Brasil merecia a oportunidade”. Lacerda morreu em 1977 (com 63 anos), Brizola bem depois, teve uma chance em 1989, quando não foi para o segundo turno com Collor. Se tivesse ido, teria ganho, apesar do aparato e do espetáculo da candidatura empresada, participada e dirigida, precisamente pelo próprio Roberto Marinho e sua “tropa de choque”.

Em 1982, o dono da poderosa Organização, armou a Proconsult para Brizola não ser governador. Não conseguiu, Brizola ganhou, se empossou e governou. Como fazia sempre, Roberto Marinho demitiu todo mundo, assim não se julgava derrotado.

Quando escrevi sobre a possibilidade dos dois líderes chegarem a presidente da República, eu estava no auge da amizade com Carlos Lacerda, jamais havia falado com Brizola. Este me mandou uma carta muito agradável, por alguém que passara pelo Uruguai.

Até 1979 nunca falei com Brizola, nenhuma animosidade. Acontece que ele fez toda a carreira até 1962, no Rio Grande do Sul. (Deputado estadual, prefeito de Porto Alegre, governador, quando se elegeu deputado federal, em 1962, a capital já era Brasília). Em 1979 voltou para o Brasil aparece na Tribuna sem aviso, diz: “Minha primeira visita tinha que ser para você. Durante 15 anos, diariamente chegavam 20 ou 30 Tribunas, disputadas e distribuídas. Era nossa única satisfação. Todos nós comentávamos. Como é que esse jornalista Helio Fernandes, escreve o que escreve e não sai do Brasil? Quando você escreveu o artigo histórico sobre a morte do Castelo, achávamos que ia ser morto. Agora estou conversando com você”.

* * *

PS – Quando Lacerda foi a Montevidéu levar o documento para João Goulart assinar, eu ia com ele, não pude sair do Brasil. O presidente perguntou: “O jornalista Helio Fernandes não vinha com o senhor?”. Lacerda confirmou e explicou a ausência. Jango lamentou.

PS2 – Numa época, Lacerda me ouvia muito. Mas não seguia. Teria disputado a presidência se tivesse atendido e entendido a minha análise: “Lute contra a prorrogação do mandato de Castelo, é uma jogada contra você”. Forças mais altas se “ALEVANTARAM”, ficou calado, perdeu por 1 voto.

PS3 – Numa época, Brizola me ouvia muito. Mas não seguia. Disse a ele: “Não é possível ser presidente da República sem voto em São Paulo. Você tem o Rio Grande e a Guanabara, mas tem que MORAR UM TEMPO EM SÃO PAULO”. Forças mais altas se “ALEVANTARAM”, não foi para o segundo turno, por causa de meio ponto. Foi quando chamou Lula de “sapo barbudo”. Mas tinha que apoiá-lo. Como poderia ficar com Collor, “produzido por Roberto Marinho, ao vivo e a cores?”.

Tribuna da Imprensa

Nenhum comentário: