sexta-feira, 28 de agosto de 2009

POLÍTICA - No espelho com Obama.

Ela foi seringueira e empregada doméstica, era analfabeta até os 15 anos, quando começou a cursar o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Quis ser freira, conseguiu completar os estudos fazendo supletivo, formou-se em história na Universidade Federal do Acre e lecionou no ensino médio antes de começar a militar no movimento social. Ao lado de Chico Mendes, fundou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Acre e ganhou fama internacional pela atuação em defesa do ambiente.

Agora, aos 51 anos, a senadora acreana Maria Osmarina Silva Vaz de Lima, ou simplesmente Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, criou um dos mais importantes fatos políticos dos últimos tempos ao anunciar que deixaria o Partido dos Trabalhadores (PT), após 30 anos de militância. Ao que tudo indica, deverá candidatar-se à Presidência da República pelo Partido Verde (PV). Realmente, não foi pouca coisa: Marina ganhou destaque na imprensa e passou a ser comparada ao atual presidente - "Lula de saias" virou quase um bordão - e a Barack Obama.

A reportagem é de Luiz Antonio Magalhães e publicada pelo jornal Valor, 28-08-2009.

Há espaço para algumas comparações com o presidente americano. "Obama conseguiu mobilizar o voto ausente [nos Estados Unidos, o voto não é obrigatório] e Marina deve mobilizar o voto desesperançado", imagina Lourdes Sola, professora de Ciência Política da USP.

Plínio de Arruda Sampaio, um dos fundadores do PT, hoje filiado ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), também avalia que a ex-ministra tem um apelo parecido com o que Obama teve: "Qual é a novidade na política brasileira?", pergunta. "Marina é o novo. Obama era o novo nos Estados Unidos. Isto é até intuitivo, o eleitor busca o novo, tem sempre um lugar para a novidade, pelo menos em um segmento importante do eleitorado."

Outros aspectos aproximam Marina e Obama no campo simbólico. "Ambos estavam aparentemente fora do jogo", afirma Lourdes Sola. "Marina pode introduzir a transversalidade na política. A candidatura dela atravessa gerações e raças, como a de Obama. A formação de Marina é regional, mas ela já ganhou transversalidade."

Filho de um imigrante queniano negro com uma americana branca, Obama entrou na disputa presidencial americana com a aura da ruptura. Venceu a pré-candidata democrata Hillary Clinton nas primárias e chegou à Casa Branca. Seu triunfo foi considerado por muitos a vitória dos movimentos sociais americanos e traz uma forte carga simbólica de superação, como a história de Marina Silva. Outro ponto de aproximação é a importância conferida às questões ambientais na campanha de Obama e agora em seu governo.

Mas também há quem veja diferenças. O cientista político Bolívar Lamounier diz que o sistema político americano permite, durante as primárias, que os candidatos sejam construídos e ganhem carisma ao longo da disputa interna em um grau muito mais alto do que ocorre no sistema brasileiro.

O cientista político Rafael Cortez, analista da Tendências Consultoria, faz outras restrições a comparações. "O contexto político que permitiu a eleição de Obama era muito diferente. Lá, o governo estava muito desgastado com a crise da economia e os problemas da política externa. O novo teve espaço para crescer. Aqui, Lula tem altíssima popularidade, o Brasil está saindo da crise muito bem." Cortez lembra que nem mesmo a carga negativa de acontecimentos recentes no Congresso atingiu a popularidade de Lula ou derrubou as intenções de voto na ministra Dilma Rousseff.

Mesmo assim, já é possível perceber impactos da possível candidatura de Marina. E foi no PSOL de Plínio de Arruda Sampaio e Heloísa Helena. O partido decidiu adiar para outubro a definição sobre o lançamento de uma chapa própria à Presidência. Hoje vereadora em Maceió, Heloísa fez questão de elogiar a ex-colega de partido e Senado durante o recente congresso nacional do PSOL. Sampaio diz que, se Marina se dispuser a enfrentar na campanha os "dilemas do sistema capitalista que impedem a real preservação do meio ambiente", o PSOL tem obrigação de apoiá-la. "Se ela abrir espaço para esse discurso, acho que deveria ser nossa candidata", argumenta Sampaio, também ele um ex-petista que deixou a agremiação desiludido com os rumos do governo Lula.

Mas não é só o PSOL que se movimenta. Nos bastidores, os prováveis protagonistas da disputa do próximo ano tentam interpretar o significado e o potencial da nova postulante ao cargo de Lula. A candidatura da ex-ministra deve ter força ao menos para mudar a lógica da eleição presidencial, que até aqui vinha se configurando como plebiscitária, com Dilma Rousseff concorrendo pelo consórcio governista contra a aliança DEM-PSDB, alinhada em torno do governador paulista José Serra ou de seu colega mineiro Aécio Neves.

"A entrada de Marina poderá mudar o caráter da eleição. Lula queria e trabalhava por uma eleição plebiscitária. A candidatura de Marina pode estimular outras e uma eleição dual poderá se tornar plural", afirma Lamounier.

O historiador Marco Antonio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos, prevê que, com a presença de Marina na urna, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) também deve acabar entrando na disputa presidencial. "É saudável para o processo político, ruim seria transformar o primeiro turno em segundo turno."
Fonte:IHU

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