quinta-feira, 27 de agosto de 2009

ANOS DE CHUMBO - Após 30 anos, Brasil ainda não fez o acerto de contas.

Vítimas e familiares de pessoas mortas e desaparecidas na ditadura militar pedem justiça e punição aos torturadores

Michelle Amaral,

da Redação

No dia 28 de agosto, completam-se 30 anos da promulgação da Lei de Anistia, que possibilitou a volta ao Brasil de exilados políticos e a liberdade a pessoas presas pela ditadura civil militar (1964-1985).

Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes, ex-presa política e membro do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), conta que “a campanha pela anistia era para uma anistia ampla, geral e irrestrita, e a anistia não foi nem ampla, nem geral, nem irrestrita”.

Tal opinião é compartilhada por muitos daqueles que viveram aquele período, de ex-militantes a juristas, e é motivo até hoje de controvérsia entre setores do governo brasileiro.

No mesmo ano de promulgação da lei, em 1979, exilados pelo regime em outros países puderam retornar ao Brasil. De igual modo, presos político foram soltos.

Maria Auxiliadora, no entanto, relata que, justamente pela interpretação da lei de anistia em relação aos crimes que seriam anistiados, ficaram de “fora da anistia”. “Naquela época havia 53 presos políticos e 19 não saíram, ela [a lei] não reintegrou todos os cassados”, relata.

A lei 6.683 anistiou aqueles que “no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes”.

A divergência na interpretação da Lei está na descrição de “crimes conexos”. Em seu texto se descreve como conexos “os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”. Desta forma, os crimes cometidos por agentes do Estado - como torturas, censuras, cerceamento da liberdade, entre outros – acabaram sendo anistiados também.





Histórico

Resultado de um forte movimento de massas, o projeto de lei da Anistia foi encaminhado em pleno regime militar pelo então presidente João Baptista Figueiredo ao Congresso, e por 206 votos contra 201 foi aprovado em 22 de agosto de 1979. Seis dias depois a Lei foi sancionada pelo presidente Figueiredo.

“Foi, ao meu modo de ver, um momento importantíssimo. Porque naquele momento nós aplicamos à ditadura militar uma derrota política. A ditadura, que não reconhecia ao menos a existência de presos políticos, que não reconhecia que havia a oposição clandestina e que consumava o país, foi obrigada a discutir com a oposição”, lembra Ivan Seixas, membro do Fórum dos Ex-Presos Políticos.

Seixas, durante seu depoimento no Seminário Internacional “30 anos da Anistia no Brasil – o direito à memória, à verdade e à justiça”, evento que reuniu ex-militantes e familiares de vítimas do regime militar na faculdade de Direito da USP, afirmou que a Lei de Anistia teve caráter de “cessar fogo” em um “momento extremamente importante da luta contra a ditadura”.

A pressão dos movimentos populares em torno da anistia se deu através da criação de comitês, que reuniam familiares de presos políticos e exilados em debates e manifestações. A principal organização da época foi o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), fundado em julho de 1978 no Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia, em Salvador (BA).


Debate



Após 30 anos de sua promulgação, o debate em torno da interpretação da Lei de Anistia e da responsabilização ou não de culpados pelos abusos cometidos na época persiste.

No governo federal as opiniões se dividem. Enquanto os ministros da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, e do Ministério da Justiça, Tarso Genro, ao lado de ex-presos políticos e familiares das vítimas da ditadura, pedem que haja o julgamento de agentes do Estado que cometeram crimes, como a tortura. O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, alegam que os atos cometidos na época configuram crime político e não crime comum, sendo enquadrados assim na anistia.

“A tortura é um crime comum, a tortura não é crime político em nenhum lugar do mundo. Internacionalmente a tortura é considerada como um crime de lesa-humanidade”, protesta Maria Auxiliadora. A ex-presa política explica que se um país assina Tratados Internacionais, ele fica submetido ao que é determinado pelas nações que o compõem. “Então, do ponto de vista político e jurídico, não tem como se anistiar alguém que torturou”, completa.





Responsabilização

Em outubro de 2008, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação em que questiona a concessão de anistia a servidores e militares envolvidos com tortura, morte e desaparecimento de militantes políticos. A ação deve ser julgada pela Corte ainda este ano.

Outra ação foi levada à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo em que se pede que o Brasil seja julgado por detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas da Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e1975.



Futuro

Segundo Ivan Seixas, os crimes cometidos hoje são herança dos abusos praticados durante a ditadura militar, como torturas, chacinas e sequestros. Ele ressalta a importância de “diálogos que levam informação e mobilizam contra a ditadura uma herança ideológica que a sociedade brasileira ainda tem”.

“Quando falamos em anistia, estamos falando em derrotar esta prática da barbárie, que é cotidiana”, afirma o ex-preso político.

Da mesma forma, Maria Auxiliadora defende que sejam feitas campanhas de conscientização, principalmente pela mídia. Ela chama a atenção para o caso da tortura, que ainda está presente na sociedade brasileira. “Precisa uma campanha de esclarecimento sobre a tortura, porque ela é um crime imprescritível, porque ela não se justifica em nenhuma situação, porque dignifica um país dizer que nele não tem tortura nem em preso comum, nem em preso político, nem em ninguém”, explica.
Fonte:Brasil de Fato.

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