sexta-feira, 31 de julho de 2009

IRAQUE - O drama de uma ocupação.

O PORTAL VERMELHO
por Lejeune Mirhan*

Há duas questões centrais para certa estabilização no Oriente Médio: a retirada das tropas de ocupação no Iraque e a paz na Palestina – paz justa e duradoura.

Militares

Claro que a questão global mesmo é que os árabes recuperem para si o controle de seus países e saiam completamente da órbita estadunidense, mas isso deve demorar ainda alguns anos. Por ora, queria tratar da ocupação do Iraque, que há tempos não abordo nesta coluna.

A retirada das tropas no Iraque

Já são duas semanas que as forças armadas dos Estados Unidos e da Inglaterra, deixaram o policiamento ostensivo nas ruas das cidades iraquianas. Uma leitura de outra forma pode ser entendida como recuo das tropas de ocupação ante a ofensiva do povo iraquiano contra as tropas invasoras. Fala-se na imprensa local e mundial que a forças policiais iraquianas, treinadas pelos EUA já estariam em condições de fazer esse trabalho. Na verdade não teem. No mesmo dia em que os americanos deixaram as ruas uma onda de atentados, matando quase duas centenas de pessoas , ocorreu no Iraque e vários deles eram soldados da ocupação.

Nesta semana a Grã Bretanha anuncia que retira, até sexta-feira dia 31 de julho, todas as suas tropas que ainda restaram no Iraque, no Sul do país, onde ficavam acantonadas próximas a uma cidade xiita chamada Basra. Chegaram a ter quatro mil soldados. Hoje restam apenas 400. Mas, mesmo esses poucos, segundo anunciou Gordon Brown, serão deslocados para o Kuwait. Os motivos da retirada não são tanto por convicção do governo inglês, mas pelo simples fato de que o parlamento britânico entrou em recesso sem ter votado a prorrogação da permanência das tropas.

Nesses seis anos de ocupação, 179 soldados britânicos perderam suas vidas abatidos pela resistência iraquiana. Mesmo havendo mudança política na linha de governo, do antecessor de Brown, Tony Blair, a linha segue a mesma, ou seja, a Inglaterra, outrora grande potência imperial, continua como uma serviçal do novo imperialismo mundial representado pelos Estados Unidos. Um cachorrinho poodle que obedece a ordens partindo da Casa Branca, qualquer que seja seu ocupante. Há inclusive uma comissão de investigação no parlamento britânico, sobre a participação da Inglaterra na ocupação, que Brown gostaria que fosse secreta, mas por pressão de parlamentares e familiares dos soldados mortos, será aberta.

Os erros continuam na política externa inglesa. Brown decidiu, orientado pela Casa Branca, deslocar tropas e forças militares, para o Afeganistão. Agora a OTAN, que modificou seus estatutos, passa a atuar na Ásia também, além de ocupar a Europa Ocidental e ameaçar constantemente a Europa Oriental. Brown anunciou a permanência e reforço de nove mil soldados britânicos nesse pobre país, que resiste bravamente, ainda que de forma precária, a ocupação pelas forças anglo-americanas.

Quanto à retirada principal, das tropas americanas, Obama foi derrotado pelas forças do complexo militar da sociedade americana. Sempre falamos que Barak Obama é presidente dos Estados Unidos, mas por ocupar esse cargo, ocupa também a chefia de um Império mundial, que são os Estados Unidos. A maior potência militar, política e econômica da terra, ainda que sofrendo de um lento, mas constante declínio nos últimos anos. Por mais progressista que ele possa ser para os padrões políticos norte-americanos, ele precisa cumprir determinações que extrapolam as suas vontades pessoais e seus desejos.

No ano passado, quando Obama disputava as primárias pelo Partido Democrata para ser o candidato oficial ás eleições de novembro, comentei numa coluna as posições desses candidatos sobre a ocupação do Iraque. De todos os seus pré-candidatos, Obama era o que defendia, disparado, a retirada das tropas do Iraque em menor tempo possível. Falava em alguns meses apenas. Hilary era quem defendia maior tempo.

Pois veja como a vida nos prega peças, desde a sua posse em janeiro passado, Obama vinha discutindo com a cúpula das forças armadas, a retirada prometida na campanha. Houveram momentos de impasse, ele manteve o secretário de defesa da época de Bush, um dos governos mais reacionários dos EUA nos últimos tempos, e passou a ceder aqui e ali e acabou capitulando completamente ante às decisões militares tomadas pelo comando do exército.

Para quem defendia a retirada até meados de julho deste ano, Obama acabou por aceitar a proposta do exército, que é de retirar completamente as tropas apenas, e tão somente, em dezembro de 2011! Ou seja, os iraquianos ainda terão de suportar a ocupação de seu país por mais dois anos e meio. Uma eternidade!

Uma das primeiras entrevistas em que o combativo escritor paquistanês, Tariq Ali, deu logo depois de março de 2003, quando da ocupação, ele mencionou que a presença americana seria para durar dez anos pelo menos. Se de fato a retirada for ao final de 2011, terão durados quase nove anos. Ele terá errado a sua previsão por apenas dois anos, mas é possível que mantenham uma presença militar no Iraque por muito mais tempo.

As perspectivas para o país

Novas eleições devem ocorrer até o final do ano ou em janeiro de 2010. Como temos dito, as coisas no mundo árabe, apesar da contra-informação que a mídia faz, nada tem a ver com a religião. A maior prova disso é o que ocorre no Iraque e no Líbano. No Iraque ocupado, os xiitas fizeram um acordo tático com os americanos e aceitaram a ocupação militar. Funcionam como um governo títere. Nuri El Maliki, xiita que tem maioria no parlamento, é um primeiro Ministro serviçal aos interesses americanos. Até porque nunca sobreviveria no poder com a retirada das tropas de ocupação.

A oposição ao governo é feita integralmente pelos muçulmanos sunitas. Eles participam do parlamento, ainda que em minoria, mas encabeçam majoritariamente a luta contra as tropas de ocupação. No caso do Líbano, as coisas dão-se de forma completamente oposta. Por lá, os sunitas são governo e mantém boas relações com os Estados Unidos e mesmo com Israel. E são os xiitas do Hezbolláh e do Amal que encabeçam a oposição, apoiados pelo Partido Comunistas e por cristãos. Assim, a vida política pode ter alguma correlação com a vida religiosa, mas o componente central não é esse.

A questão central hoje no Oriente Médio é os 22 países árabes conseguirem libertar-se da órbita dos Estados Unidos, da sua influência, inclusive ideológica, de modo de vida. São dependentes dos americanos para quase tudo. No campo militar, das exportações de seu petróleo para os EUA, em muitos campos. Não existe quase oposição na maior parte dos governos, chefiados por famílias que controlam o petróleo, controle a ferro e fogo os governos. Não há quase democracia na região. Poucos são os países que têm vida política e partidária ativa e legal, com parlamento funcionando com autonomia e liberdade. São as chamadas petro-monarquias, em regimes semi-feudais.

Não podemos prever quanto tempo isso ainda durará. Essa situação geral é, claro, fruto das dificuldades que a esquerda e os patriotas vivem em todo o mundo, apesar de certos avanços na América Latina. Há muito o que se fazer ainda. Se podemos dizer que saímos da defensiva estratégica e entramos na resistência ativa, estamos ainda longe, de meu ponto de vista, de conquistarmos grandes avanços para as massas populares e atingirmos um estágio mais avançado de democracia popular para o povo árabe em seus países. Exceção honrada fica com os palestinos, a parte do povo árabe que mais luta hoje pelo seu futuro, pelos seus direitos e pelo seu estado nacional.
*Lejeune Mirhan, Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Escritor, Arabista e Professor Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, Membro da International Sociological
Fonte: Márcia e suas leituras.

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