quinta-feira, 25 de junho de 2009

SEMPRE PARA QUEM MAIS PRECISA.

Tenho o maior respeito pelo colunista de economia Celso Ming do Estado de S. Paulo, tanto por suas opiniões quanto por sua independência, mas desta vez me sinto no dever de rebater alguns pontos de seu artigo de hoje, "Para os pobres".

Para os pobres - Ontem, o presidente Lula fez uma dessas declarações que deixam as pessoas sem saber se é ou não para levá-las a sério. Disse que, em vez de baixar impostos para incentivar as vendas, é melhor distribuir de uma vez o dinheiro entre os pobres. Eles decidirão em que gastar - e não será com automóveis e provavelmente também não com geladeira nova.

Lula sempre deve ser levado a sério, mas é preciso apenas um pouco de boa vontade para ler nas entrelinhas, entender os recados escondidos na sua linguagem popular e nas metáforas futebolísticas que irritam tanto nossos candidatos à ABL. É claro que o presidente estava fazendo um desabafo e uma primeira ameaça. Em geral as empresas estão baixando preços, mas é sempre bom marcar em cima.

A verdade é que a venda desses produtos dispararam após o anúncio das medidas. O próprio comércio varejista se incumbiu do papel de, literalmente, "anunciar aos quatro ventos" as ações do governo. E este fato pode ser comprovado nas pesquisas de opinião. "Nunca na história desse país" uma iniciativa governamental foi tão bem e rapidamente disseminada nos meios de comunicação e a custo zero para os cofres públicos. O Brasil inteiro conhece hoje o significado de "desoneração do IPI" e comprova os resultados.

Lula costuma sempre citar o fim da CPMF que não significou queda nos preços, apesar da dificuldade de medir seus efeitos. Nesse momento podemos citar o caso do óleo diesel cuja redução de 9,6% nos preços das refinarias ainda não foi repassada para as bombas. Nós consumidores sabemos que quando há um aumento, os repasses são imediatos. Quando há queda, eles esperam acabar com os estoques.

A declaração lembra a de economistas ortodoxos, avessos a tudo quanto lembre política industrial, que é eleger os setores que devem receber prioritariamente recursos públicos. Diante de qualquer dificuldade, empresários, sindicalistas e políticos estão acostumados a recorrer ao governo. Entendem sempre que um superpai deve socorrê-los, em nome do interesse nacional ou da preservação de empregos. Eles sempre arranjam um enfeite argumentativo destinado a encobrir incompetências administrativas.

É verdade que as desonerações anunciadas este ano podem ser enquadradas numa espécie de "política industrial emergencial", mas ela não é resultado de lobistas em busca de privilégios. Veremos mais a frente.

O setor de brinquedos, por exemplo, como não pode sustentar tratar-se de um setor estratégico, defende que precisa de benefícios públicos. Não protegê-lo, segundo seus cartolas, é distribuir dinheiro fácil para os produtores da Barbie (Mattel) ou para os irritantes chineses, que jogam sujo no mercado e tal.

Nesta crise, os Estados Unidos e os países ricos da Europa fizeram bem mais do que simplesmente cortar impostos. A decisão foi salvar bancos, seguradoras, sociedades de crédito imobiliário e até mesmo fundos de investimento - desta vez atendendo ao princípio de que não se deve brincar com instituições cuja quebra possa colocar em risco todo o sistema financeiro.

Mas essa decisão de salvar grandes interesses não se limitou às instituições financeiras. O resgate dos detroitossauros (para ficar com a expressão da revista Economist) não teve nada a ver com o sistema financeiro. A crise das grandes montadoras americanas não aconteceu porque estourou a bolha imobiliária. Foi o resultado de uma longa história de erros, omissões e decadência administrativa... que agora ganha um prêmio.

O Brasil não está socorrendo nenhum setor com graves problemas de solvência ou que foram mal administrados. Até os "detroitossauros" tupiniquins estão bem de saúde, ajudando a irrigar suas matrizes com remessas que comprometem nossas contas externas. Talvez pegas no contrapé com excesso de estoques, mas do ponto de vista da governança nossas empresas estavam razoavelmente bem posicionadas. No entanto a queda da demanda externa foi mais forte do que se esperava inicialmente e por isso a importância de fortalecer a demanda interna.

Aqui no Brasil, a decisão do governo - que o presidente Lula agora parece lamentar - também foi estimular as vendas das montadoras e das empresas de aparelhos domésticos, em nome da preservação de empregos. Os demais setores da economia foram ignorados. Tudo se passou como se o emprego proporcionado por uma montadora ou uma indústria de autopeças valesse socialmente mais do que um emprego no setor de serviços ou nos 2,2 milhões de pequenas e médias empresas, o segmento que garante hoje cerca de 17 milhões de postos de trabalho no Brasil.

Enfim, a decisão de preservar o que existe, com os problemas que carrega, é conservadora e dificilmente é a melhor. A redução do IPI para as montadoras guarda um viés sindicalista que tem a ver com a própria história do PT.

Ming deixou de citar o setor de material de construção na listas dos beneficiados pela desoneração fiscal. Esses setores não foram escolhidos aleatoriamente, muito menos sob pressão de lobistas. A construção civil, a indústria automotiva e de linha branca, são cadeias produtivas horizontais que afetam uma enorme gama de outros setores, inclusive os de serviço. Beneficiando esses setores, estamos indiretamente dando gás a milhares de outras empresas pequenas e médias que produzem equipamentos e insumos, desde a siderurgia, passando pela petroquímica, cerâmica, designer até o comércio varejista.

Não se trata de contabilizar os empregos mantidos nas montadoras e na indústria de aparelhos domésticos, mas de toda a cadeia produtiva por detrás deles.

Além disso, intervenções desse tipo, especialmente as decididas pelos países ricos, impedem o funcionamento do princípio da destruição criativa, evocado pelo economista Joseph Schumpeter, que é a lei de que os incapazes devem dar lugar aos mais criativos e mais eficientes.

Em todo o caso, o presidente Lula não deve ter pensado em nada disso quando disse que é melhor repassar para os pobres a dinheirama da renúncia fiscal, que ele próprio decidiu.

O presidente conhece muito bem os efeitos dos repasses diretos para os pobres, pois foi iniciativa dele a criação do programa Bolsa Família, que por sinal é sempre muito criticado pelos economistas ortodoxos, citados no começo do artigo.

A solução para os problemas criados por essa crise internacional, passa pelo fortalecimento das estruturas de transferência de renda, mas também pela estratégica intervenção em setores capazes de multiplicar os efeitos dos benefícios fiscais. Não precisamos escolher apenas um foco, nem ficarmos fixados em determinadas opções ideológicas. Ortodoxos e heterodoxos têm elogios e críticas a fazer à política econômica do governo, o que não deixa de ser uma boa notícia.
Blog do Alê

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