sábado, 27 de junho de 2009

O CUSTO, EM VIDAS, QUE O SOCORRO FINANCEIRO AOS BANCOS ESTÁ CAUSANDO.

"Bancos e outras instituições financeiras, afetados pela atual crise econômica, já receberam US$18.000.000.000.000,00 (dezoito trilhões de dólares), em auxílio público - dados ainda do ano passado - no mundo todo. Já as nações em desenvolvimento receberam, em 49 (quarenta e nove) anos, o equivalente a US$ 2.000.000.000.000,00 (dois trilhões de dólares), em doações dos países ricos", escrevem Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin em artigo que publicamos a seguir.

Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais. Jacques Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.

Eis o artigo.

Bancos e outras instituições financeiras, afetados pela atual crise econômica, já receberam US$18.000.000.000.000,00 (dezoito trilhões de dólares), em auxílio público - dados ainda do ano passado - no mundo todo. Já as nações em desenvolvimento receberam, em 49 (quarenta e nove) anos, o equivalente a US$ 2.000.000.000.000,00 (dois trilhões de dólares), em doações dos países ricos. A Onu alerta que a ajuda aos países pobres não é uma questão de falta de recursos mas sim de vontade política.

Esse é o resumo da notícia que o IHU e outras agências de comunicação social publicaram e, diante dela, não se sabe o que causa maior perplexidade. Se a confirmação aí revelada de modo tão visível da dominação econômica que o chamado mercado exerce sobre o poder político-jurídico dos Estados, se a indiferença moral de grandes organizações dinheiristas transnacionais e de governos que não se escandalizam com esse descalabro, se a incapacidade jurídica dos Poderes Públicos prevenirem tais crises e, no caso de sua deflagração, enfrentarem-na com o rigor e a eficiência que as responsabilidades por elas exigem, se a apatia e o conformismo com que alguma parte das organizações populares recebem o fato como, apenas, uma outra fatalidade própria do chamado “sistema”.

A agilidade com que esse sistema se move em socorro dos seus privilégios, capaz de garantir uma desproporção desse quilate em relação ao direito fundamental à vida de milhões de pessoas, serve para dar uma idéia da força ideológica que o sustenta. Se o dinheiro destinado aos bancos em um ano é quase dez vezes maior do que o destinado aos países pobres em 49 anos, não vai faltar quem sustente, na defesa intransigente do egoísmo capitalista que preside o movimento especulativo e anti-social das bolsas de valores, que as crises como as de agora são próprias desse jogo, tempestades passageiras. Se geram desemprego, fome, miséria e mortes, têm de ser suportadas como um sacrifício inerente à “liberdade” (?) dos mercados.

Essa é a tese, nada menos, de um Nobel de economia, Friedrich Hayek. Dizia ele que a pobreza não é uma forma de coação. Só existe coação onde existe um agente, um “coator” pessoal e, se o mercado não é um agente pessoal, o seu veredito (que certamente será cruel para alguns), deve ser acatado acriticamente; não tendo sentido avaliá-lo em termos de justiça e injustiça.

Num estudo sobre direitos sociais, ainda de 1994, o simplismo alegadamente científico que sustentava essa opinião, foi contestado por Francisco Peláez, de forma extraordinariamente válida e atual, diante do que o relatório da Onu vem de denunciar: “as discriminações entre coação deliberada e não deliberada, pessoal ou impessoal, etc., carecem de relevância em sede estimativa. Se acreditamos que a liberdade é valiosa, qualquer negação da liberdade aparece automaticamente como um desvalor, tenha sua origem em agentes pessoais ou impessoais, em condutas deliberadas ou no azar. O relevante valorativamente é o fato mesmo da não-liberdade, e não a natureza das suas causas, nem sequer o fato de que essas sejam ou não evitáveis. (...) As “leis” econômicas, diferentemente das físicas, são criação humana e, enquanto tais, suscetíveis de correção e modificação.”

Às transnacionais que especularam nas bolsas, violando sua função social e aos bancos que estão falindo porque praticaram uma usura ao nível da impossibilidade de pagamento por parte dos seus devedores, entendem os governos dos países que, agora, as/os socorrem, deva ser socializado o seu prejuízo, nem que seja a custa do aumento da miséria, da fome e da doença no mundo já oprimido e vitima dessa irresponsabilidade cruel. Não é possível aceitar-se como inimputáveis os responsáveis por tais efeitos, aí residindo seguramente um dos maiores desafios para os Poderes Públicos que interpretam e aplicam as leis.

Se o histórico desrespeito que agride a dignidade humana, retratado nesse relatório, não for considerado suficiente para uma radical conversão de prioridades na garantia devida à distribuição dos recursos econômicos que a sociedade e os Estados geram, está mais do que legitimada a desobediência civil que a população pobre manifesta diariamente em seus protestos, as vezes até ocupando terras e fazendo saques. A reação estrepitosa que se ouve contra eles, parta de onde partir, está viciada por um juízo de valor que, atento somente a efeitos, jamais alcança as causas pelos quais eles se organizam.

Brecht tinha razão quando a retratou:

Quem se defende porque lhe tiram o ar, ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo que diz: ele agiu em legítima defesa. Mas o mesmo parágrafo silencia, quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão. E no entanto morre quem não come e quem não come o suficiente. Durante os anos todos em que morre, não lhe é permitido se defender.
Fonte:IHU

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