terça-feira, 26 de maio de 2009

PATRIMONIALISMO NO BRASIL BENEFICIA TRAMBIQUEIROS.

Cláudio Lembo*
para o Terra Magazine

A atual crise econômica mundial tem seu epicentro bem definido. Apresenta-se nítido sem a possibilidade de qualquer dúvida. Encontra-se no sistema financeiro internacional e, particularmente, nos bancos americanos.

Os administradores das instituições financeiras dos Estados Unidos esqueceram que a matemática, como ciência exata, não deve ser usada para artifícios contábeis.

Partiram de cálculos matemáticos para conceber falsas garantias. Aplicaram multiplicadores sobre bases mínimas. Geraram falsos valores. Do quase nada, construíram colossais quantias.

Falsos alquimistas medievais. Transformaram pequenos valores em notáveis volumes de moeda. Tudo falso. Tão falso que, em uma década, toda a construção ruiu.

Lá, nos Estados Unidos, administradores foram afastados. Um operador de fundos - que arrecadou enormes importâncias por toda a parte - preso. É pouco, mas a opinião pública pode recolher sinais de moralização.

Aqui, como lá, o Estado correu em socorro dos aventureiros. Somas imensas despendidas pelos organismos oficiais de crédito. Os sacrificados pela própria ganância mereceram pronto atendimento governamental.

A sociedade acompanhou perplexa a ocorrência. As desculpas de sempre jogadas no rosto da cidadania. Era preciso salvar a economia como um todo. Conservar a confiança nos mercados.

Não se critica a ação governamental. Precisa e exata. Operação necessária que não permitia demora. Salvaram-se núcleos empresariais. Preservaram-se - em parte - empregos.

Ficou, no entanto, na consciência de cada cidadão um traço de interrogação e um princípio de dúvida. É justo o Estado salvar empresários incompetentes e imprudentes?

A resposta surge de imediato: não. Esta forma tradicional em nossa História correspondente à socialização dos prejuízos é perversa. Fere a moral média da cidadania.

As pessoas, que trabalham diuturnamente em troca de salários de sobrevivência, sofrem abalo moral ao constatarem que grandes quantias de moeda são utilizadas para socorrer presunçosos irresponsáveis.

Personalidades, que surgem nas páginas dos jornais dando lições aos governantes, agindo como modernos Catões, de repente exibem sua verdadeira face. Astuciosamente, só pensavam em si próprias.

A sociedade, como coletivo, ou as pessoas individualmente pouco importam. Vale o egoísmo pessoal de alguns empresários e de seus grupos íntimos. Depois, basta promover uma ação social. Aplaca o sentimento de culpa, se este houver.

O presidente Lula, com sua costumeira retórica, em viagem a Turquia, recebendo influxos europeus e asiáticos, sintetizou o assunto com exemplar clareza.

Chamou a esses empresários de trambiqueiros. Exatamente isto, autores de trambiques. Trambicaram quanto puderam. Praticaram negócios fraudulentos. Burlaram e causaram prejuízos. Agiram enganosamente.

Trambique para que fique bem claro é o mesmo que trapaça. Foi exatamente este o agir dos operadores de derivativos. Atingiram área própria dos estelionatários. Ofereceram o que não possuíam.

O lamentável é que, passado o pior da tempestade, todos esqueceram o acontecido. O presidente da República aponta as operações como trambiques.

Não se viu, no entanto, o acionamento dos aparelhos de combate à má vida. Tudo continua como antes. As colunas sociais espelhando os mesmo rostos. As primeiras páginas dos matutinos retratando os mesmos sorridentes empresários.

Os que ontem transformavam milhares em milhões - como diria o Padre Vieira - hoje se lixam para todos os que perderam por vontade própria ou indiretamente como contribuintes anônimos.

Estes últimos, os contribuintes, muitas vezes desempregados, sentem revolta interior. Por que a autoridade sempre age em favor de alguns em detrimento de muitos?

No caso brasileiro, é o velho e sempre presente patrimonialismo. O Estado provedor da insensatez de uns poucos que se apresentam como empresários, sem respeitar a ética do capitalismo.

Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.
Fonte:Terra Magazine.

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