terça-feira, 26 de maio de 2009

O MITO E AS VERDADES EMBARAÇOSAS SOBRE JFK.

Argemiro Ferreira

Houve um tempo em que a imprensa ocidental divertia-se com as doenças de governantes russos. A Rússia dominava a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, governada por comunistas que “comiam criancinhas”. No sentido literal do verbo inexistia prova disso; no outro sentido eram abundantes as suspeitas e ações judiciais nos EUA, mas culpando padres acobertados pela Igreja católica – tudo ignorado pela mídia até os dias atuais, quando o acúmulo de indenizações a vítimas de pedofilia abala as finanças do Vaticano.

Já as doenças de líderes russos justificam capítulo especial em manuais de jornalismo. Na obsessão de esconder a verdade sobre as ausências súbitas de líderes em eventos públicos, preferia-se inventar inocentes resfriados. O caso de Konstantin Chernenko foi emblemático: em 1985, depois de um persistente “resfriado”, de meses, ele morreu e abriu caminho à ascensão de Mikhail Gorbachev e sua glasnost, em seguida ao período tampão (um ano e pouco) de Yuri Andropov, cuja morte inovou – insuficiência renal.

Esconder a verdade, além de não ajudar em nada, ainda levantava dúvidas sobre a eficácia da medicina russa. Recordo agora a prática porque na época a mídia ocidental ria do comportamento russo mas fazia coisa parecida do lado de cá. Acreditávamos, no tempo da Nova Fronteira e Camelot nos EUA, que o presidene John Kennedy, além de padrão de beleza, exemplo de democracia e transparência, também era um atleta vigoroso e esbanjava saúde. Não passava de ilusão, criada pela manipulação eficiente da mídia, criadora de mitos. Um fantasma daqueles dias reapareceu agora para nos acordar da fantasia, como um beliscão. É uma novaiorquina de 66 anos, Mimi (Marion) Beardsley Alford (foto abaixo, à esquerda). Com sua história pessoal na Casa Branca ela pode ajudar a distinguir a realidade do mito.

Outra estagiária e outro presidente
Há quatro décadas e meia, com 19 anos de idade, Mimi foi estagiária na residência presidencial. Como Monica Lewinsky, teve um romance – ou caso de sexo – com o então presidente. Mas a mídia naqueles dias reverenciava com seu silêncio os múltiplos casos extraconjugais de John F. Kennedy. Ela foi um deles, entre junho de 1962 e novembro de 1963, num total de 18 meses. O romance só terminou com a morte do presidente.

Embora o nome dela tenha aparecido brevemente numa biografia de JFK publicada em 2003 (An Unfinished Life: John F. Kennedy, 1917-1963, do historiador Robert Dallek), só agora Mimi resolveu contar sua história (saiba mais AQUI e AQUI). Foi convencida pela proposta, superior a US$1 milhão, feita pela editora Random House. Quem ousaria condená-la? Não é preciso muito para simpatizar com a iniciativa de Mimi. Por que deveria levar sua história para o túmulo se será bem remunerada pela editora, se não se envergonha do que viveu, se julga ter sido um bom momento de sua vida, se foi casada duas vezes depois da experiência e os filhos (dois) aprovam sua decisão.

Perseguida em 2003 por jornalistas do tablóide Daily News, de Nova York, viveu as consequências de ter ocultado durante tanto tempo, até dos pais e dos filhos, fato tão explosivo de seu passado. Ela então vivia em Manhattan e trabalhava para uma Igreja presbiteriana da 5a. Avenida. Ouvida, limitou-se a confirmar que era verdade. A decisão agora de escrever as memórias, para um livro que já tem título (Once Upon a Secret / Era uma vez um segredo) e cujos originais serão entregues em outubro, é a seguinte: ”Trata-se de algo sobre a qual eu gostaria de assumir o controle, ao invés de deixar que qualquer outra pessoa conte meu lado da história”.

O relato do livro, segundo reportagem d0 New York Times sábado passado, é em três atos: antes do estágio na Casa Branca; durante o estágio; e, finalmente, a parte mais vigorosa, o que aconteceu depois. Qual o impacto na vida familiar de Mimi (a foto ao lado é da época do estágio) e no casamento dela ao ser revelado o fato e porque tinha optado pelo sigilo total.

Expondo a mídia e sua manipulação
A história do romance proibido de Mimi é comparável à de Judith Immor Campbell Exner (foto abaixo, à esquerda), que morreu de câncer em 1999, aos 65 anos (saiba mais sobre ela AQUI), depois de publicar um livro e dar dezenas de entrevistas – a partir de 1975, quando foi intimada a depor numa comissão de investigação do Congresso. Ela tinha sido ligada a celebridades de Hollywood, inclusive Frank Sinatra e William Campbell (com quem foi casada) e também a chefões da Máfia como Sam Giancana e John Roselli.

Giancana, que morreu em 1965, foi citado em especulações da mídia, frequentemente levianas, como responsável pela fraude em Illinois que ajudou a dar a vitória a John Kennedy em 1960, como ainda em conexão com atentados da Máfia, a pedido da CIA, para assassinar Fidel Castro (Power and Beauty, filme feito para a TV, contou toda a história em 2002 – veja a capa do DVD abaixo, à direita, e saiba mais AQUI). É parte da ficção fabricada na mídia depois do assassinato de Dallas em 1963. Mas o que já está de fato comprovado hoje sobre Kennedy, em especial sobre sua saúde, sugere manipulação capaz de envergonhar o país e sua mídia.

Ted Sorensen, assessor próximo do presidente na Casa Branca, contou em sua biografia Kennedy, de 1965, que uma das razões da vantagem do candidato democrata sobre Richard Nixon no debate decisivo fora sua imagem saudável. Bonito e bronzeado, muito à vontade, contrastava com o rival, que parecia doente (a barba cerrada o prejudicava na TV). Em 2003, a biografia de Dallek revelou o contrário: Kennedy era um homem minado por um conjunto de doenças, cuja ficha médica foi (ainda é, até hoje) escondida do público.

Para escrever seu livro sobre a vida inacabada de Kennedy (An Unfinished Life - leia uma resenha do Times AQUI), Dallek precisou antes de autorização especial (negada a muitos outros pesquisadores) de um comitê encarregado pela família de zelar pelos registros médicos de Kennedy. Era presidido então pelo escritor Ted Sorensen, ex-conselheiro especial na Casa Branca, e integrado por mais duas personalidades ligadas aos Kennedy, o advogado Burke Marshall e o cientista político Samuel Beer. Nenhum deles médico, apenas guardiães zelosos de possíveis segredos embaraçosos.

Entre dor e pílulas, na crise dos mísseis
Graças ao privilégio, Dallek teve permissão para ler os documentos durante dois dias, em companhia do médico Jeffrey A. Kelman, e fazer anotações. Mas não foi autorizado a fotocopiar qualquer dos papéis. Mesmo assim, o autor observou que os registros mostram a que ponto as doenças de Kennedy foram deliberadamente ocultadas, talvez por destruirem a imagem que os assessores tinham criado para ele na mídia. Há contradições e detalhes insólitos, difíceis de explicar. Parece que se construiu uma mentira e a imprensa, para variar, preferiu não se dar ao trabalho de contestar.

Durante anos dizia-se que o único problema dele era de coluna, devido a ferimento sofrido no naufrágio do pequeno barco PT que comandara na guerra do Pacífico. Na verdade esse era um entre múltiplos problemas de saúde – inclusive os intestinais, que datavam da década de 1930. Ele tomou remédios durante anos, muitas vezes por dia. Dallek estranhou ainda não haver entre os registros qualquer referência a Max Jacobson, médico de Manhattan com quem Kennedy fizera tratamento e que mais tarde teve a licença cassada por receitar anfetaminas.

A dra. Janet G. Travell, que tratara dele durante muitos anos, é outro caso curioso: afastou-se por discordâncias com outros médicos. Em 1962, durante os 13 dias da crise dos mísseis, que deixou o mundo à beira de uma catástrofe nuclear, ele tinha dores horríveis todo o tempo e tomava remédios – antiespasmódicos para controlar colite, antibiótico para infecção urinária, quantidades cada vez maiores de hidrocortizona e testosterona, juntamente com tabletes de sal para controlar a insuficiência de adrenalina e como reforço energético.

Por favor, relevem erros eventuais de tradução, pela minha pouca familiaridade com medicina. Prefiram ir direto ao texto original sobre o livro (o da capa acima, à esquerda), saído há seis anos no New York Times, que também publicou muito mais informações relevantes (AQUI). Parece-me claro, no entanto, que o único objetivo do comitê que passou a controlar os registros médicos de Kennedy depois de sua morte é o de acobertar mentiras ditas impunemente no passado sobre a saúde dele, para enganar o público. Como se fazia na URSS. E eram tantas que geravam conflitos entre os próprios médicos.
Fonte:Blog do Argemiro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Mídia, ó mídia, quando cumprirás o juramento dos jornalistas?
Homens, ó homens, até quando cedereis à ilusão do capital?