quinta-feira, 23 de abril de 2009

NOS 100 DIAS NO PODER, UM OBAMA SOB PRESSÃO.

Argemiro Ferreira

Depois das viagens à Europa e à América Latina, o presidente Barack Obama é cobrado pela oposição interna à direita (onde o ex-vice Dick Cheney e outros, na tela da Fox News, só faltaram expô-lo ao país como anti-americano e até ameaça à segurança nacional) e à esquerda (por críticos aliados do Partido Democrata, impacientes ante a aparente timidez da mudança de rumo na política externa).

A contradição resulta do próprio jogo de cintura que permitiu a Obama chegar à Casa Branca. Na campanha ele teve de temperar a pregação de mudança (o seu Change era proclamado em toda parte) e às vezes distanciar-se dos mais firmes na exigência de compromisso maior com ela. Equilibrava-se, por exemplo, na corda bamba policiada pelos lobbies de Israel e da máfia cubana de Miami.

Claro que não são os únicos lobbies. Com ginástica idêntica sua campanha teve de conter ainda o das armas, da poderosa NRF (Asssociação Nacional do Rifle) e outros. Mas no campo da política externa aqueles são emblemáticos.obama_chavez O exercício da presidência exclui naturalmente a ambiguidade de candidato, pois exige decisões. Mas por causa delas Obama é agora um alvo permanente.
Um refém das políticas de Bush?

A preocupação maior para o processo de tomada de decisões no novo governo é o próprio legado do antecessor. Como libertar-se da camisa de força deixada pela dupla Bush-Cheney, que ameaça manter Obama como refém? Se antes o repúdio à aventura neoconservadora era quase unânime, devido ao acúmulo de desastres dos últimos oito anos, porque seria tão difícil mudar o rumo agora?

A desintegração econômica, outro legado desastroso do governo Bush, exigiu a atenção imediata e prioritária do presidente para o esforço de recuperação. Decisões críticas em outras áreas têm sido retardadas mas terão de ser enfrentadas. Ao mesmo tempo a oposição conservadora reorganiza-se. Até já produziu o espetáculo nacional das tea parties, cortesia do império Murdoch de mídia sob o disfarce de “evento popular expontâneo”.

Obama avança a duras penas (leia AQUI e AQUI balanços positivos dele ao final da V Cúpula das Américas). Para aliados à esquerda, seu ritmo é lento. Para a oposição conservadora - como Cheney deixou claro esta semana na entrevista a Sean Hannity, da Fox News (leia AQUI) - o que está sendo feito já representa ameaça ao país. Sem tortura e criticada pelo que faz, sugeriu ele, a CIA será incapaz de prevenir ataques como o 11/9. E mais: acenos a Cuba e troca de sorrisos com a Venezuela (foto do alto, à direita) expoem uma fraqueza intolerável.

galeano_openveinsÉ repulsivo ver a dupla Bush-Cheney queixar-se de Obama por não fazer cara feia para Hugo Chávez. Em Trinidad e Tobago, durante a V Cúpula das Américas, o presidente venezuelano apenas ousou festejá-lo e oferecer de presente a tradução inglesa de As Veias Abertas da América Latina (capa ao lado - e saiba mais AQUI), o livro de Eduardo Galeano que toda uma geração de latino-americanos, em diferentes países, leu principalmente em espanhol e português, na tentativa de entender melhor a história e a tragédia do que o autor chama de “cinco séculos de pilhagem de um continente”.
O meio século de contradições

O pouco que Obama já fez, na ótica da oposição republicana, ultrapassou todos os limites. Não só na América Latina. Ele é cobrado ainda pelo excesso de gentileza no G-20 e na Europa, onde cometeu o impatriotismo de prometer uma reversão da arrogância de Bush, que afrontara aliados tradicionais como França e Alemanha. Note-se que nada, por enquanto, foi além de simbolismo e promessas implícitas.duvalier_francois

Em relação à América Latina, horroriza os conservadores o conjunto crescente de países determinados a superar a equação obsoleta da guerra fria. Quanto a Cuba (saiba mais AQUI), que sobrevive ao embargo americano de quase 50 anos e continua fora da OEA (Organização dos Estados Americanos) por imposição dos EUA, Obama corre até o risco, se nada fizer, de um repúdio público e unânime de todos os outros 33 países.

De qualquer forma, foram significativas tanto as medidas já decididas em relação a Cuba (fim das restrições mantidas pelo governo Bush sobre viagens e remessas de dinheiro de cubano-americanos), como a disposição de conversar e negociar. E ainda o elogio às declarações de Raul Castro de que está preparado para diálogo substantivo, sem veto a qualquer questão.

somoza_luisÉ bom não esquecer que o pretexto dos EUA para isolar Cuba no continente por tanto tempo foi a suposta falta de democracia e violação de direitos humanos. Mas à época da decretação do embargo, a expulsão de Cuba da OEA só tinha sido possível porque o governo de Washington comprara, com suborno, alguns votos de ditadores notórios – como Papa Doc (foto acima, à direita) do Haiti e um Somoza da Nicarágua (Luis, o do selo à esquerda).
Entre o sonho e a realidade

Da mesma forma, os EUA impuseram condições para realizar (em Miami, 1994) a I Cúpula das Américas. Excluiram Cuba a pretexto de não ser uma democracia. O fato de ter sido o Peru governado 10 anos (até 2000) pela ditadura de Alberto Fujimori e seu homem-forte Vladimiro Montesinos, torturador formado na School of the Americas do Exército americano (saiba mais AQUI sobre ela, rebatizada como WHINSEC) nunca foi obstáculo.

Fujimori responde hoje por crimes contra a Humanidade. O facínora Montesinos (foto ao lado), ex-espião da CIA, foi mais tarde julgado por corrupção, roubo, narcotráfico e tráfico de armas (saiba mais sobre ele AQUI e AQUI).montesinos_vladimiro E enquanto Cuba era punida com embargo, sucessivos governos dos EUA mantiveram relações promíscuas com um punhado de ditaduras (Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, etc, etc), algumas delas instaladas graças à ingerência americana.

Compreende-se a impaciência dos aliados mais à esquerda do Partido Democrata. Não sonhavam ajudar um governo suspeito de ser refém das políticas desastrosas do passado recente. Mas sabiam, desde a campanha, do risco de se apoiar candidato com agenda capaz de abrigar tendências múltiplas. Apostaram na promessa de mudança e terão o fim da era Bush, mínimo esperado. Quanto ao resto, vão precisar de mais realismo.
Fonte;Blog do Argemiro Ferreira.

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