terça-feira, 31 de março de 2009

SOCIEDADE MOVEDIÇA.

Cláudio Lembo
De São Paulo (SP)

A leitura do noticiário diário contém um traço de masoquismo. Só más notícias. O Senado com o seu sem número de diretorias. O indiscriminado quadro de funcionários da Câmara. Um nunca acabar de mordomias.

No campo particular, nada melhor. Loja de luxo subsidiada por desvios fiscais indevidos. Empreiteira utilizando-se de mecanismos financeiros fora da lei para o envio de numerário para o exterior.

Um Deus nos acuda. Em tempos moralmente tão empobrecidos, um retorno ao passado reconforta o espírito. Não porque, naqueles tempos, tudo fosse perfeito. Mas, ao menos, possuía-se um salutar nativismo.

Agora, o nativismo foi substituído por um globalismo sem regras, onde os mais fortes dominam sem qualquer limite. Querem. Ponto e basta. Fazem. Os outros países que os acompanhem.

Este situação social e econômica leva ao desanimo. Os líderes políticos apequenaram-se. Só pensam no próximo pleito. Não possuem visão de estadista.

Deixam de apresentar novas idéias. Programas de governo rigorosamente nacionais. Já não se pensa no Brasil. Apenas interesses pessoais ou grupais. Estes movem o pensamento político.

Lamenta-se. Um cenário como o descrito leva a uma passividade social. O individualismo assume níveis excessivos. O coletivo deixa de ser preocupação das pessoas comuns e de seus representantes.

Já foi melhor. No período que sucedeu a proclamação da independência do Brasil, tomado como singelo exemplo, surgiu por toda a parte um surto positivo de nacionalismo.

Este nacionalismo possuía como símbolo - acredite-se - a Constituição. Todo o ato cívico era considerado constitucional. Qualquer manifestação negativa, o autor passava a ser cognominado como anticonstitucional.

Bons tempos. Os brasileiros começavam a constituir o Estado nacional e a própria nacionalidade. Na corte, seccionou-se a sociedade. Surgiram, informalmente, o partido dos portugueses e aquele dos brasileiros.

Na pequena e acanhada São Paulo, logo após a instalação da Faculdade de Direito, inicialmente com significativo alunado e depois com grande decadência - onze alunos por qüinqüênio - o civismo consolidava-se.

Uma forma de exposição de idéias foi o teatro. Este fenômeno não se registrou apenas em terras paulistanas. Também ocorreu em Mariana, São João Del Rei, Ouro Preto, sem contar o Rio de Janeiro.

As primeiras manifestações teatrais circunscreveram-se a temas populares e de defesa de interesses sociais. Os estudantes de Direito apresentavam-se como atores e agiam como atores.

Logo, a manifestação mereceu consideração pelos segmentos econômicos superiores. Passaram a apresentar encenações para as famílias e os temas tornaram-se leves. Próprios para figuras diletantes.

O poder preocupou-se. Surgiu a censura. Toda a peça merecia prévia aprovação da autoridade e sua representação acompanhada para evitar "cacos" inaceitáveis para a ordem social.

O teatro tornara-se agente de fermentação política. Exigia transformações. Encenava peças de repúdio a práticas do passado. Antonio José, o autor luso-brasileiro morto pela Inquisição, tornou-se tema.

O texto de Gonçalves de Magalhães sobre Antonio José pode, de maneira ampla, ser considerado o instante do nascimento do teatro nacional. Sua encenação no dia 13 de março de 1838 é marco na História.

Aconteceram, desde os primórdios, atos de autoritarismo. A peça O Triunfo da Natureza, que os estudantes pretendiam encenar no dia sete de setembro de 1838, foi proibida.

O veto partiu diretamente do Imperador. Pretendiam evitar distúrbios. O exercício da cidadania sempre conheceu dificuldades por estas terras. Alguém o impedia. Monarca ou republicano, tanto faz.

A diferença dos tempos antigos com os contemporâneos é sensível. Antes os estudantes lutavam por ideais. Acreditavam. Buscavam intervir. Oferecer propostas.

Hoje, a pasmaceira é geral. Há um sentimento de frustração. Estuda-se, até mais que antes, mas já não existe esperança coletiva. O outro pouco importa. O sentimento de brasilidade esvaiu-se.

É preciso voltar ao passado. Só assim se construirá o futuro.

* Sociedade movediça Economia, cultura e relações sociais em São Paulo - 1808-1850 - Denise A. Soares de Moura - Editora Unesp - 2005.
Fonte:Terra Magazine.

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