sábado, 21 de fevereiro de 2009

TRABALHO ESCRAVO - Sobre os esqueletos guardados no Congresso Nacional.

Leonardo Sakamoto.

Brasília - Finalmente li a íntegra da entrevista do senador Jarbas Vanconcelos (PMDB-PE) à revista Veja. Com relação às denúncias de fisiologismo e corrupção de seu partido, disse o que todo mundo que acompanha a política nacional já sabe. Mas que, é claro, isso ganha um sabor diferente vindo de uma pessoa de dentro. Faltou só os nomes, que infelizmente o senador não disse (com exceção de Sarney), mas que todos conhecemos. A entrevista não tem cheiro de desabafo, ao contrário do que muitos fazem crer, mas sim de algo feito de olho em 2010. Apesar de negar, duvido que o ex-governador não aceitaria o convite para ser vice na chapa de José Serra à Presidência da República. Aliás, ele não perdeu a oportunidade de apontar que as suas esperanças estão com governador de São Paulo.

Gosto desses momentos de “rachão” no Congresso. É nessas horas que esqueletos guardados no armário podem reaparecer. Entrevistas assim deviam acontecer mais vezes, de ambos os lados. Pela “necessidade de governabilidade”, FHC colocou a Arena, digo, PFL, quer dizer, DEM, no centro do poder. O mesmo fez Lula, com o PMDB. O PT e o PSDB estão longe de serem vestais, mas certamente em questão de fisiologismo não se comparam aos seus dois parceiros, que alegram a vida dos mancheteiros de jornais.

Sei que não era a pauta, mas gostaria muito que o governador Jarbas Vasconcelos tivesse aproveitado a ocasião para explicar outra situação que nunca ficou bem esclarecida, um outro esqueleto que ficou esquecido no armário.

Em julho de 2007, o grupo móvel de fiscalização do governo federal libertou mais de mil pessoas da escravidão na fazenda e usina Pagrisa, em Ulianópolis, no Pará. Seria uma fiscalização de rotina se um grupo de senadores não tivesse pressionado pela criação de uma comissão externa para averiguar essa operação. Dois meses depois da operação, Romeu Tuma (DEM-SP), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Kátia Abreu (DEM-TO), Cícero Lucena (PSDB-PB) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) fizeram uma visita agendada à Pagrisa para verificar as condições de trabalho (OK, me dêem dois meses de antecedência que eu transformou Guantánamo em colônia de férias).

Eles anunciaram que iriam pedir a abertura de inquérito da Polícia Federal para verificar os procedimentos adotados pelo grupo móvel durante a autuação da Pagrisa. Segundo a Agência Senado, na época Kátia Abreu afirmou que a empresa era “muito bem administrada” e formava “uma comunidade de trabalhadores rurais”. O Ministérrio do Trabalho e Emprego havia apontado em relatório com fotos e documentos que as condições no corte da cana eram desumanas e que havia trabalhadores sem receber nada após descontos indevidos.

De acordo com o Diário do Pará, Jarbas Vasconcelos e Kátia Abreu sinalizaram durante a visita que poderiam propor mudanças na legislação sobre trabalho escravo. Em vista da insegurança institucional que se estabeleceu, o Ministério do Trabalho e Emprego decidiu suspender as fiscalizações de trabalho escravo por tempo indeterminado. Muitos auditores temiam por sua segurança, uma vez que o próprio Senado colocava em cheque esse trabalho. Vale lembrar que, três anos antes, quatro funcionários do ministério chacinados em 2004 ao realizaram uma fiscalização rural de rotina em Unaí.

Diante disso, o senador Jarbas Vasconcelos, presidente da Comissão, disse que o Senado “não pode intimidar-se por um chilique de uma Ruth da vida”. Ruth Vilela é a secretária nacional de inspeção do trabalho e uma das criadoras do sistema de combate ao trabalho escravo no país. “Se Ruth da vida quer ter um chilique e ameaça fazer greve, fazer isso ou aquilo, que faça. Porém, esta Casa não pode dobrar-se a esses caprichos”, emendou.

A sociedade civil nacional e internacional, mídia, parte do governo federal, alguns governos estaduais, parlamentares passaram a criticar pesadamente a ação desses senadores. Em outras palavras, o tiro saiu pela culatra. Não só a fiscalização acabou saindo fortalecida e respaldada como o caso ajudou a colocar novamente em pauta a PEC do Trabalho Escravo, que prevê o confisco das terras em que esse crime for encontrado (a sua aprovação, é claro, são outros quinhentos).

Creio que o senador Jarbas, que tem uma história pessoal de serviços prestados ao seu estado e ao país, entrou de gaiato nessa. Outros senadores envolvidos já eram conhecidos por contestar abertamente o sistema de combate ao trabalho escravo por achá-lo injusto com os latifundiários. Ou seja, eram diretamente envolvidos com o tema, mas não ele. Por isso nunca entendi porque entrou nessa. Mais um caso que só congressistas sabem, mas sobre o qual nunca falarão.

O trabalho da comissão acabou sendo finalizado. Jarbas acabou deixando a comissão e, procurado pela Repórter Brasil na época, para comentar a suspensão dos trabalhos, preferiu não se pronunciar.
Fonte:Blog do Sakamoto.

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