sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O QUE REALMENTE SIGNIFICA "NACIONALIZAR BANCOS" E "MERCADO LIVRE" NOS DIAS DE HOJE.

A linguagem do saqueio.
por Michael Hudson [*]


"As acções da banca começaram a mergulhar na manhã de sexta-feira depois de o senador Dodd, o democrata de Connecticut que preside o comité bancário, ter dito numa entrevista à Bloomberg Television que estava preocupado por o governo acabar por nacionalizar alguns prestamistas "pelo menos por um período curto". Vários outros decisores políticos eminentes – incluindo Alan Greenspan, o antigo presidente do Federal Reserve, e o senador Lindsey Graham da Carolina do Sul – recentemente reflectiram esta visão".
--Eric Dash, "Growing Worry on Rescue Takes a Toll on Banks",
The New York Times, 20/Fevereiro/2009

Salvar o povo, não os bancos. Como é que Alan Greenspan, lobbista do livre mercado para a Wall Street, anunciou recentemente ser favorável à nacionalização de bancos dos EUA – e sobretudo os maiores e mais poderosos? Será que o antigo discípulo de Ayn Rand se tornou subitamente um Vermelho? Com certeza que não.

A resposta é que a retórica dos "mercados livres", "nacionalização" e mesmo "socialismo" (como em "socializar as perdas") tornou-se a linguagem do engodo para ajudar o sector financeiro a mobilizar o poder do governo a fim de apoiar os seus privilégios especiais. Tendo minado a economia como um todo, os think tanks de relações públicas da Wall Street estão agora a desmantelar a própria linguagem.

O que é que significa exactamente "um mercado livre"? Será aquilo que os economistas clássicos advogavam – um mercado livre do poder monopolista, da fraude nos negócios, de acordos com iniciados políticos e privilégios especiais para os interesses especiais – um mercado protegido pelo surgimento da regulação pública através da lei Sherman Anti-Trust de 1890, do Glass-Steagall Act e de outras legislações do New Deal? Ou será um mercado livre para os predadores explorarem as suas vítimas sem regulamentação pública ou policiamento económico – a espécie de mercado livre para todos que o Federal Reserve e a Security and Exchange Comission (SEC) criaram ao longo da última década? Parece incrível que o povo devesse aceitar a ideia neoliberal de hoje de "liberdade de mercado" no sentido de esterilizar os cães de guarda do governo, estilo Alan Greenspan, deixando Angelo Mozilo no Countrywide, Hank Greenberg na AIG, Bernie Madoff, Citibank, Bear Stearns e Lehman Brothers saquearem sem obstáculo ou sanção, mergulharem a economia na crise e a seguir utilizarem o dinheiro do salvamento do Tesouro para pagarem os mais altos salários e bónus da história dos EUA.

Expressões que são a antítese de "mercado livre" também estão a ser transformadas no oposto do que historicamente haviam significado. Tomem-se as discussões de hoje acerca da nacionalização dos bancos, por exemplo. Durante mais de um século nacionalização significou a tomada pública de monopólios ou outros sectores a fim de operá-los no interesse público ao invés de deixá-los aos interesses especiais. Mas quando os neoliberais utilizam a palavra "nacionalização" eles querem dizer um salvamento, uma dádiva governamental para os interesses financeiros.

O duplo pensar e a dupla conversa em relação a "nacionalizar" ou "socializar" os bancos e outros sectores é um travesti da discussão política e económica verificada desde o século XVII até meados do século XX. A gramática básica do pensamento da sociedade, o vocabulário para discutir tópicos políticos e económicos, está a ser completamente invertido num esforço para evitar a discussão das soluções políticas apresentadas pelos economistas clássicos e os filósofos políticos que fizeram da civilização ocidental "o Ocidente".

O choque de civilização de hoje não é realmente com o Oriente; é com o nosso próprio passado, com o próprio Iluminismo e a sua evolução dentro da economia política clássica e das reformas sociais da Era Progressista destinadas a libertar a sociedade das peias sobreviventes do feudalismo europeu. O que estamos a ver é propaganda destinada a enganar, a distrair as atenções da realidade económica de modo a promover a propriedade e os interesses financeiros de cujas garras predatórias os economistas clássicos começaram a libertar o mundo. O que está a ser tentado é nada menos do que uma tentativa de destruir o edifício intelectual e moral que levou oito séculos para desenvolver na civilização ocidental, desde as discussões dos escolásticos do século XII acerca do Justo Preço até a teoria clássica do valor do século XIX e XX.

Qualquer ideia de "socialismo a partir de cima", no sentido de "socializar o risco", é oligarquia à moda antiga – estatismo cleptocrático vindo de cima. A nacionalização real ocorre quando os governos actuam no interesse público ao tomar a propriedade privada. O programa do século XIX para nacionalizar a terra (era a primeira plataforma do Manifesto Comunista) não significava nem remotamente algo como o governo tomar propriedades, pagar as suas hipotecas a expensas públicas e dá-las de volta aos antigos senhorios livres e limpas de embaraços e de impostos. Significava levar a terra e as rendas do seu rendimento para o domínio público, e arrendá-la a um utilizador mediante uma taxa que ia desde o custo operacional real a uma taxa subsidiada ou mesmo gratuita, como no caso das ruas e estradas.

Nacionalizar os bancos de acordo com estas linhas significaria que o governo atenderia às necessidades de crédito do país. O Tesouro tornar-se-ia a fonte de novo dinheiro, substituindo o crédito dos bancos comerciais. Presumivelmente este crédito seria emprestado para finalidades economicamente e socialmente produtivas, não meramente para inflacionar preços de activos enquanto carregam de dívidas as habitações e os negócios como tem ocorrido sob as políticas de empréstimos da banca comercial de hoje.

Como os neoliberais falsificam a história política do Ocidente

O facto de os neoliberais de hoje afirmarem serem os descendentes intelectuais de Adam Smith faz com que seja necessário restabelecer uma perspectiva histórica mais exacta. O conceito deles de "mercados livres" é a antítese do de Smith. É o oposto dos economistas políticos clássicos, desde John Stuart Mill, Karl Marx e as reformas da Era Progressista que procuraram criar mercados livre das rendas extractivas reclamadas pelos interesses especiais cujo poder institucional pode ser rastreado até à Europa medieval e remonta à era da conquista militar.

Os escritores económicos desde o século XVI até o XX reconheceram que mercados livres exigiam supervisão do governo para impedir a fixação monopolista dos preços e outros encargos impostos pelos privilégios especiais. Em contraste, os ideólogos neoliberais de hoje são advogados de relações públicas para os interesses adquiridos que pintam um "mercado livre" que é livre da regulação do governo, "livre" da protecção anti-truste e mesmo da protecção contra a fraude, como se evidenciou na recusa da SEC em actuar contra Madoff, Enron, Citibank et allii). A ideia neoliberal de mercados livres é portanto basicamente aquela de um ladrão de banco ou um de um gatuno, desejoso de um mundo sem polícia de modo a poder ficar suficientemente livre para sugar o dinheiro de outras pessoas sem constrangimento.

Os Chicago Boys no Chile perceberam que mercados livres para finanças predatórias e privatizações de iniciados só podiam ser impostos a ponta de armas. Estes defensores do mercado livre fecharam todos os departamentos económicos no Chile, todos os departamentos de ciências sociais fora da Universidade Católica onde os Chicago Boys dominavam. A Operação Condor prendeu, exilou ou assassinou dezenas de milhares de académicos, intelectuais, líderes trabalhistas e artistas. Só pelo controle totalitário sobre o curriculum académico e os media públicos apoiados por uma polícia secreta e um exército activos os "mercados livres" em estilo neoliberal puderam ser impostos. A resultante privatização a ponta de armas tornou-se um exercício do que Marx denominou "acumulação primitiva" – captura do domínio público por elites políticas apoiadas pela força. É um mercado livre de Guilherme o Conquistador ou Yeltsin – estilo cleptocrata, com a propriedade entregue aos comparsas do líder político ou militar.

Tudo isto foi exactamente o oposto da espécie de mercados livres que Adam Smith tinha em mente quando advertia que os homens de negócios raramente se reúnem a fim de conspirar meios de arranjar os mercados em seu benefício. Isto não é um problema que perturbe o sr. Greenspan ou os editorialistas do New York Times e do Washington Post . Não há realmente nenhuma afinidade entre os seus ideais neoliberais e aqueles dos filósofos políticos do Iluminismo. Para eles, promover uma ideia de mercados livres como algo "livre" para iniciados políticos arrancarem o domínio público para si próprios é baixar uma Cortina de Ferro intelectual sobre a história do pensamento económico.

Os economistas clássicos e os Progressistas Americanos consideravam os mercados livres de renda económica e de juros – livre de encargos rentistas e de preços cinzelados por monopólios, e livre de impostos para suportar uma oligarquia. Os governos deveriam basear os seus sistemas fiscais na arrecadação do "almoço gratuito" da renda económica, encabeçada por aqueles das localizações favoráveis proporcionadas pela natureza e o valor de mercado dado pelo investimento público nos transportes e outras infraestruturas, não pelos esforços dos próprios proprietários.

A argumentação entre reformadores da Era Progressista, socialistas, anarquistas e individualistas voltou-se então para a estratégia política destinada a melhor libertar os mercados de dívida e de renda. Onde eles discordavam era sobre os melhores meios políticos para alcançar isto, acima de tudo quanto ao papel do Estado. Havia um vasto consenso de que o Estado estava controlado por interesses adquiridos herdados das conquistas militares da Europa feudal e do mundo que fora colonizado pela força militar europeia. A questão política na viragem do século XX era se reformas democráticas pacíficas poderiam ultrapassar a resistência política e mesmo militar exercida pelo Velho Regime utilizando a violência para reter os seus "direitos". As revoluções políticas decorrentes foram fundamentadas no Iluminismo, na filosofia legal de homens tais como John Locke, economistas políticos como Adam Smith, John Stuart Mill e Marx. O poder deveria ser utilizado para libertar os mercados da propriedade predatória e dos sistemas financeiros herdados do feudalismo. Os mercados deveriam estar livres de privilégios e de almoços gratuitos, de modo a que as pessoas obtivessem rendimento e riqueza apenas pelo seu próprio trabalho e iniciativa. Isto era a essência da teoria do valor trabalho e do seu complemento, o conceito de renda económica como o excesso de preço de mercado sobre o valor-custo socialmente necessário.

Embora agora saibamos que mercados e preços, renda e juro, formalidades contratuais e aproximadamente todos os elementos da empresa económica tiveram origem nas "economias mistas" da Mesopotâmia no quarto milénio AC e continuaram através das economias mistas público/privadas da antiguidade clássica, a discussão era então tão politicamente polarizada que a ideia de uma economia mista com sistemas de restrições (checks and balances) recebeu escassa atenção um século atrás.

Os individualistas acreditavam que toda aquela retracção de governos centrais retrairia o mecanismo de controle pelos quais os interesses adquiridos extraíam riqueza sem trabalho ou iniciativa próprias. Os socialistas viam que um governo forte era necessário para proteger a sociedade das tentativas da propriedade e das finanças para utilizarem os seus ganhos a fim de monopolizar o poder económico e político. Ambos os extremos do espectro político pretendiam o mesmo objectivo – trazer os preços para baixo, para os custos reais de produção. O objectivo comum era maximizar a eficiência económica de modo a transferir os frutos das Revoluções Industrial e Agrícola para a população como um todo. Isto exigia bloquear a classe rentista dos intermediários de se apropriar do domínio público e do controle da distribuição de recursos. Os socialistas não acreditavam que isto pudesse ser feito sem tomar o poder político e legal do Estado nas suas mãos. Os marxistas acreditavam que era necessária uma revolução para recuperar a renda da propriedade para o domínio público, e permitir aos governos criarem o seu próprio crédito ao invés de tomarem emprestado a juros dos banqueiros comerciais e ricaços detentores de títulos. O objectivo não era criar uma burocracia e sim libertar a sociedade do poder de proprietários absentistas sobreviventes, dos interesses adquiridos e dos interesses financeiros.

Toda esta história do pensamento económico foi expurgada a fundo do curriculum académico de hoje, assim como da discussão popular. Poucas pessoas recordam-se do grande debate na viragem do século XX. Iria o progresso do mundo de modo razoavelmente rápido das reformas da Era Progressista para o socialismo completo – propriedade pública da infraestrutura económica básica, monopólios naturais (incluindo o sistema bancário) e da própria terra (e, para os marxistas, do capital industrial também)? Ou poderiam os reformadores liberais da época – individualistas, tributadores da terra, economistas clássicos na tradição de Mill e institucionalistas americanos tais como Simon Patten – reter a estrutura básica e a propriedade privada do capitalismo? Se pudessem assim fazer, eles reconheciam que isto teria de ser no contexto da regulação de mercado e da introdução de tributação progressiva da riqueza e do rendimento. Isto era a alternativa à propriedade "estatal" completa. A ideia extrema de "mercado livre" de hoje é uma caricatura simplificada desta posição.

Todas as partes consideravam o governo como o "cérebro" da sociedade, o seu órgão de planeamento prospectivo. Dada a complexidade da tecnologia moderna, a humanidade moldaria a sua própria evolução. Ao invés de a evolução verificar-se pela "acumulação primitiva", ela poderia ser deliberadamente planeada. Os individualistas contestavam que nenhum planeador humano era suficientemente imaginativo para administrar a complexidade dos mercados, mas endossavam a necessidade de eliminar todas as formas de rendimentos não resultantes do trabalho. Isto envolvia regulamentação do governo para moldar os mercados. Um "mercado livre" era uma criação política activa e exigia vigilância regulamentar.

Tal como os relações públicas que advogam em favor dos interesses adquiridos e dos privilégios rentistas especiais, os advogados "neoliberais" de hoje dos "mercados livres" procuram maximizar a renda económica – o almoço gratuito do excesso de preço do valor-custo, não libertar os mercados dos encargos rentistas. Uma história tão enganadora só podia ser atingida pela supressão absoluta do conhecimento daquilo que Locke, Smith e Mill realmente escreveram. Tentativas para regular "mercados livres" e limitar o preço de monopólio e os privilégios são amalgamadas com "socialismo", mesmo com burocracia de estilo soviético. O objectivo é desviar a análise daquilo que um "mercado livre" realmente é: um mercado livre de custos desnecessários tais como rendas de monopólio, rendas de propriedade e encargos financeiros por créditos que os governos podem criar livremente.

A reforma política para alinhar os preços de mercado com o valor-custo socialmente necessário era a grande questão económica do século XIX. A teoria valor-custo intrínseco encontrava a sua contrapartida na teoria da renda económica: renda da terra, preço de monopólio amanhado, juros e outros retornos a privilégios especiais que aumentavam os preços de mercado apenas pelos reclamos da propriedade institucional. A discussão remonta aos clérigos medievais que definiam o Preço Justo. A doutrina foi aplicada originalmente às comissões adequadas que os banqueiros podiam cobrar, mais tarde foi estendida à renda da terra e depois aos monopólios que os governos criavam e vendiam aos credores numa tentativa de se livrarem de dívidas.

Os reformistas e os seus afins mais radicais, os socialistas, procuravam libertar o capitalismo das suas chocantes injustiças, acima de tudo da sua herança da Idade Média europeia de conquista militar quando senhores da guerra invasores capturavam terras e impunham uma classe de proprietários da terra a receberem o rendimento da renda, o qual era utilizado para financiar guerra para novas aquisições de terra. Como se verificou, as esperanças de que o capitalismo industrial pudesse reformar-se a si próprio de acordo com linhas progressistas a fim de purgar-se da sua herança feudal fracassou. A I Guerra Mundial atingiu a economia global como um cometa, empurrando-a para uma nova trajectória e catalisando a sua evolução numa forma inesperada de capitalismo financeiro.

Isto foi em grande medida inesperado porque a maior parte dos reformadores gastava tanto esforço a advogar políticas progressistas que ignoraram aquilo a que Thorstein Veblen chamava os interesses adquiridos (vested interests). O seu Contra-Iluminismo está a criar um mundo que teria sido considerado uma distopia um século atrás – algo tão pessimista que nenhum futurólogo ousou descrever um mundo dirigido por banqueiros venais e corruptos, a protegerem como seus clientes primários os monopólios, os especuladores imobiliários e os hedge funds cuja renda económica, jogos financeiros e inflação do preços dos activos é transformado num fluxo de juros na economia rentista de hoje. Ao invés de o capitalismo industrial aumentar a formação de capital estamos a ver o capitalismo financeiro esvaziar o capital, e ao invés do mundo prometido de laser estamos a ser arrastados para uma escravidão pela dívida (debt peonage).

O travesti financeiro de democracia

O sector financeiro redefiniu democracia com reivindicações de que a Reserva Federal deve ser "independente" de representantes eleitos democracticamente, a fim de actuar como o lobbista da banca em Washington. Isto torna o sector financeiro isento do processo político democrático, apesar do facto de que o planeamento económico de hoje está agora centralizado no sistema bancário. O resultado é um regime de negócios de iniciados e oligarquia – dominada por uns poucos ricos.

A falácia económica em vigor é que o crédito bancário é um verdadeiro factor de produção, uma fonte quase fisiocrática de fertilidade sem a qual o crescimento poderia não se verificar. A realidade é que o direito monopolista a criar crédito bancário com juros é uma transferência gratuita da sociedade para uma elite privilegiada. A moral é que quando vemos um "factor de produção " que não tem um real custo-trabalho de produção, isto é simplesmente um privilégio institucional.

Assim, isto traz-nos para o mais recente debate acerca de "nacionalizar" ou "socializar" os bancos. O Programa de Alívio para Activos em Perturbação (Troubled Asset Relief Program, TARP) até agora foi usado para as seguintes utilizações que penso poderem ser consideradas verdadeiramente anti-sociais, não "socialistas" sob qualquer ponto de vista.

No fim do ano passado, US$20 mil milhões foram utilizados para pagar bónus e salários a administradores financeiros que se comportaram mal, apesar do mergulho dos seus bancos na situação líquida negativa. E para proteger os seus interesses, estes bancos continuaram a pagar comissões de lobbying a fim de persuadir os legisladores a lhes darem ainda mais privilégios especiais.

Enquanto o Citibank e outras das grandes instituições ameaçavam deitar o sistema financeiro abaixo por serem "demasiado grandes para falir", mais de US$ 100 mil milhões de fundos TARP foram utilizados para torná-lo ainda maior. Bancos já cambaleantes compraram filiadas que haviam crescido através de empréstimos irresponsáveis e absolutamente fraudulentos. O Bank of America comprou a Countrywide Financial de Angelo Mozilo e oa Merrill Lynch, ao passo que o JP Morgan Chase comprou o Bear Stearns e outros grandes bancos compraram o WaMu e o Wachovia.

A política de hoje é "resgatar" estes conglomerados gigantes da banco permitindo-lhes que "ganhem" a sua saída da dívida – pela venda de ainda mais dívida a uma economia estado-unidense já super endividada. A esperança é re-inflacionar o imobiliário e os preços de outros activos. Mas será que realmente queremos deixar os bancos "onerarem os contribuintes" empenhando-se em práticas financeiras ainda mais predatórias em relação à economia como um todo? Isto ameaça maximizar a margem do preço de mercado sobre os custos directos de produção, ao construírem encargos financeiros mais elevados. Isto é simplesmente a política oposta a tentar alinhar os preços da habitação e infraestrutura aos custos tecnologicamente necessários. Certamente não é uma política destinada a tornar a economia dos EUA globalmente mais competitiva.

O plano do Tesouro para "socializar" bancos, companhias de seguros e outras instituições financeiras é simplesmente intervir para retirar os maus empréstimos da sua contabilidade, comutando a perda para dentro do sector público. Isto é a antítese da verdadeira nacionalização ou "socialização" do sistema financeiro. Os bancos e as companhias de seguros rapidamente recuperaram-se do seu medo reflexivo inicial de que um salvamento governamental verificar-se-ia em termos que liquidariam a sua má administração, juntamente com os accionistas e detentores de títulos que a apoiaram. O Tesouro assegurou a estes delapidadores que "socialismo" para eles é uma prenda gratuita. O primado das finanças sobre o resto da economia será afirmado, deixando as administrações nos lugares e dando aos accionistas uma oportunidade para se recuperarem ganhando mais da economia como um todo, com ainda mais favoritismo fiscal. (Isto significa que impostos ainda mais pesados serão transferidos para os consumidores, aumentando o seu custo de vista correspondentemente.)

O grosso da riqueza sob o capitalismo – tal como sob o feudalismo – sempre veio basicamente do domínio público, a começar pela terra e as antigas empresas de serviços públicos, culminando mais recentemente no poder de criação de dívida do Tesouro. Com efeito, o Tesouro cria um novo activo (US$11 mil milhões de novos títulos e garantias do Tesouro, por exemplo, os US$5,2 milhões de milhões para a Fannie e o Freddie). Os juros sobre estes títulos têm de ser pagos através de novos gravames sobre o trabalho, não sobre a propriedade. Isto é o que supõe que vá re-inflacionar os preços da habitação, das acções e dos títulos – o dinheiro libertado da propriedade e dos impostos corporativos estará disponível para ser capitalizado em ainda novos empréstimos.

Assim, o rendimento até agora pago como impostos de negócios será ainda pago – na forma de juro – ao passo que os antigos impostos serão colectados, mas do trabalho. O fardo fiscal-financeiro será então duplicado. Isto não é um programa para tornar a economia mais competitiva ou elevar padrões de vida para a maior parte do povo. Trata-se de um programa para polarizar a economia dos EUA ainda mais, com finanças, seguros e imobiliário (FIRE) no topo e o trabalho na base.

As denúncias neoliberais da regulamentação pública e da tributação como sendo "socialismo" são realmente um ataque à economia política clássica – o liberalismo "original" cujo ideal era libertar a sociedade dos legados parasitários do feudalismo. Uma política do Tesouro realmente socializada seria no sentido de os bancos emprestarem para finalidades produtivas que contribuíssem para o crescimento económico real, não simplesmente para aumentar encargos e inflacionar preços de activos o suficiente para extrair encargos de juros. A política fiscal destinar-se-ia a minimizar ao invés de maximizar o preço da propriedade habitacional e da feitura de negócios, baseando o sistema fiscal na colecta da renda que agora está a ser paga como juro. Comutar o fardo fiscal para fora dos salários e dos lucros e em direcção às rendas e aos juros foi o núcleo da economia política clássica nos séculos XVIII e XIX, bem como na Era Progressista e dos movimentos social-democratas de reforma nos Estados Unidos e na Europa antes da I Guerra Mundial. Mas esta doutrina e o seu programa de reforma foram enterrados pela cortina de fumo retórico organizada pelos lobbystas financeiros que procuram turvar as águas ideológicas suficientemente a fim de atenuar a oposição popular ao poder hoje apresado pelo capital financeiro e o capital monopolista. A sua alternativa à verdadeira nacionalização e socialização das finanças é a escravidão pela dívida, a oligarquia e o neo-feudalismo. Eles chamaram a isto programa de "mercados livres".
23/Fevereiro/2009
[*] Antigo economista da Wall Street, professor investigador na Universidade do Missouri, Kansas City (UMKC), autor de Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance . mh@michael-hudson.com

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/hudson02232009.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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