quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

À BEIRA DO ABISMO

por Paul Craig Roberts [*]

A economia americana está em implosão, e Obama está a ser arrastado pelo seu governo de neoconservadores e de agentes israelenses para um pântano no Afeganistão que acabará num confronto dos EUA com a Rússia, e possivelmente com a China, o maior credor dos americanos.

O desemprego nos EUA. Os números dos salários pagos em Janeiro revelam que, no mês passado, perderam os seus empregos 20 mil americanos por dia.

Para além disso, as perdas de emprego em Dezembro foram rectificadas em 53 mil postos de trabalho, de 524 mil para 577 mil. Esta revisão eleva a perda de postos de trabalho nos dois meses para 1 175 000. Se isto continuar, os três milhões de novos postos de trabalho prometidos por Obama serão anulados pela perda de postos de trabalho.

O especialista em estatística John Williams ( shadowstats.com ) considera que este número gigantesco é calculado por defeito. Williams faz notar que influências intrínsecas nos factores de ajustamento sazonal provocaram uma subavaliação das perdas de empregos em Janeiro em 118 mil, o que eleva a perda de empregos real em Janeiro para 716 mil postos de trabalho.

A análise da lista de pagamentos conta o número de postos de trabalho, e não o número de pessoas com trabalho, visto que algumas pessoas têm mais do que um emprego. O Household Survey conta o número de pessoas que têm trabalho. O Household Survey mostra que em Janeiro perderam os seus empregos 832 mil pessoas e em Dezembro 806 mil, o que totaliza uma redução de 1 638 000 de americanos com trabalho.

A taxa de desemprego anunciada nos meios de comunicação americanos é uma falsificação. Williams relata que através de alterações feitas a partir de 1980, principalmente na era Clinton, "os trabalhadores desencorajados que desistiram de procurar emprego porque não havia trabalho, foram reclassificados de modo a apenas serem considerados se tivessem 'perdido a coragem' há menos de um ano. Esta classificação de acordo com o tempo pôs de lado o grosso dos trabalhadores desencorajados. Se voltássemos a incluí-los no total dos desempregados, o desemprego real [segundo a metodologia da taxa de desemprego utilizada em 1980] subiria para 17,5% em Dezembro e 18% em Janeiro".

Por outras palavras, sem todas estas manipulações dos dados, a taxa de desemprego dos EUA já atingiu níveis de depressão.

Como é que poderia ser diferente, dada a enorme perda de postos de trabalho provocada pelos postos de trabalho além fronteiras. É impossível que um país crie postos de trabalho quando as suas empresas deslocam a produção destinada ao mercado consumidor americano para fora do país. Quando deslocam a produção para fora do país, desviam o PIB americano para outros países. O défice comercial dos EUA durante os últimos dez anos reduziu o seu PIB em 1,5 milhões de milhões de dólares. Significa uma quantidade enorme de postos de trabalho.

Há anos que ando a denunciar que graduados universitários têm sido forçados a aceitar empregos de criados de mesa e de empregados de bares. À medida que os consumidores super endividados vão perdendo os seus empregos, passam a ir menos frequentemente a restaurantes e bares. Por conseguinte, os que têm graus universitários vão deixar de ter emprêgo a servir à mesa e a misturar bebidas.

Os políticos americanos têm ignorado o facto de que a procura do consumidor no século XXI tem sido motivada, não pelo aumento das receitas reais, mas por um crescente endividamento do consumidor. Este facto torna inútil tentar estimular a economia socorrendo os bancos para que eles possam emprestar mais aos consumidores. Os consumidores americanos já não têm capacidade para pedir mais empréstimos.

Perante o declínio do valor dos seus principais valores patrimoniais – as casas – perante a destruição de metade dos seus activos de pensões, e perante o espectro da falta de trabalho, os americanos não podem e não continuarão a gastar.

Porque é que se socorre a GM e o Citibank, se estas empresas andam a transferir para além-fronteiras todas as operações que podem?

Grande parte da infra-estrutura americana está em mau estado e precisa de ser renovada. No entanto, os postos de trabalho nas infra-estruturas não produzem bens nem serviços que possam ser vendidos no estrangeiro. Um empenhamento maciço na infra-estrutura não contribui para ajudar os EUA a reduzir o seu enorme défice comercial, cujo financiamento se está a tornar num problema crucial. Além disso, quando os projectos de infra-estruturas acabarem, o mesmo acontecerá com os postos de trabalho.

Na melhor das hipóteses, partindo do princípio que os imigrantes mexicanos não vão ocupar a maior parte dos postos de trabalho na construção, o mais que o programa de estímulo de Obama pode fazer é reduzir temporariamente o número de desempregados

A não ser que seja possível exigir que as empresas americanas utilizem mão-de-obra americana para produzir os bens e serviços que vão vender nos mercados americanos, não há esperança para a economia americana. Ninguém na administração Obama tem lucidez para tratar deste problema. Portanto, a economia vai continuar a implodir.

A acrescentar ao desastre em fermentação, Obama foi induzido pelos seus conselheiros militares e neoconservadores a expandir a guerra no Afeganistão, um país enorme e montanhoso. Obama tenciona utilizar a retirada dos soldados americanos do Iraque para enviar mais 30 mil efectivos americanos para o Afeganistão. Isto elevaria as forças americanas para 60 mil – 600 mil a menos do que é definido nas linhas de orientação contra-revolução do Marine Corps americano e do Exército americano como o número mínimo de soldados necessários para ter êxito no Afeganistão – e menos de metade das forças de um exército que não conseguiu ocupar o Iraque.

Os iranianos tiveram que socorrer o regime Bush refreando os seus aliados xiitas e encorajando-os a recorrer às urnas para conquistar o poder e expulsar os americanos. No Iraque as tropas americanas apenas tiveram que combater uma pequena rebelião sunita surgida duma minoria da população. Mesmo assim, os EUA "ganharam" colocando os rebeldes na lista de pagamentos dos EUA e pagando-lhes para eles não combaterem. O acordo de retirada foi ditado pelos xiitas. Não era o que o regime Bush pretendia.

Poder-se-ia pensar que a experiência com o "passeio" no Iraque faria com que os EUA hesitassem em tentar ocupar o Afeganistão, um empreendimento que exige que os EUA ocupem áreas do Paquistão. Os EUA tiveram muita dificuldade em manter 150 mil efectivos no Iraque. Onde é que Obama vai arranjar mais meio milhão de soldados para juntar aos 150 mil a fim de pacificar o Afeganistão?

Uma das respostas é o desemprego maciço nos EUA, em crescimento galopante. Os americanos preferirão alistar-se para irem matar no estrangeiro do que ficarem na sua terra, sem casa e com fome.

Mas isto só resolve metade do problema. De onde vem o dinheiro para alimentar um exército de 650 mil efectivos no terreno, um exército 4,3 vezes maior do que as forças americanas no Iraque, uma guerra que já custou 3 milhões de milhões de dólares desembolsados ou já comprometidos em despesas futuras. Este dinheiro terá que ser arranjado para além dos 3 milhões de milhões de dólares do défice orçamental dos EUA, défice este resultante da operação de salvamento de Bush ao sector financeiro, do pacote de estímulo de Obama e da rápida queda da economia. Quando as economias estagnam, conforme está a acontecer com a americana, caem as receitas fiscais. Os milhões de americanos desempregados não estão a pagar a Segurança Social, os Cuidados Médicos e os impostos sobre rendimentos. As lojas e negócios que vão fechando deixam de pagar impostos sobre rendimentos, federais e estatais. Os consumidores sem dinheiro nem crédito para gastos não estão a pagar impostos sobre vendas.

Os Atrasados Mentais de Washington, e são mesmo atrasados mentais, não pensaram como vão financiar um défice fiscal de cerca de dois ou três milhões de milhões de dólares no orçamento do ano 2009.

A taxa de poupanças americana, praticamente inexistente, não poderá financiá-lo.

Os excedentes comerciais dos nossos parceiros comerciais, como a China, o Japão e a Arábia Saudita, não podem financiá-lo.

O governo dos EUA só tem de facto duas possibilidades para financiar o seu défice orçamental. Uma delas é um segundo colapso no mercado de acções, que fará com que os investidores sobreviventes acorram, com o que lhes restar, aos títulos do Tesouro americanos, considerados "seguros". A outra é que o Federal Reserve monetarize a dívida do Tesouro.

Monetarizar a dívida significa que, quando ninguém está disposto ou tem capacidade para comprar os títulos do Tesouro, é o Federal Reserve que os compra criando depósitos bancários na conta do Tesouro.

Por outras palavras, o Fed "imprime dinheiro" com que compra os títulos do Tesouro.

Quando isto acontecer, o dólar americano deixará de ser a divisa de reserva.

Além disso, a China, o Japão e a Arábia Saudita, países que detêm quantidades enormes da dívida do Tesouro dos EUA, para além de outros activos em dólares americanos, irão vendê-los, na esperança de se livrarem deles antes de outros.

O dólar americano deixará de ter valor, passará a divisa de uma república de bananas.

Os EUA deixarão de poder pagar as importações, um problema grave para um país dependente das importações para a energia, bens manufacturados e produtos de tecnologia avançada.

Os conselheiros keynesianos de Obama aprenderam com uma lição vingativa de Milton Friedman que a Grande Depressão foi consequência de o Federal Reserve ter permitido uma contracção do fornecimento de dinheiro e de crédito. Na Grande Depressão as dívidas boas foram destruídas pela contracção monetária. Hoje, são as dívidas más que estão a ser aguentadas pela expansão do dinheiro e do crédito, e o Tesouro dos EUA está a pôr em perigo a sua posição de crédito e a posição do dólar como divisa de reserva com os enormes leilões trimestrais de títulos, conforme estamos a assistir.

Entretanto, os russos, a transbordar de recursos energéticos e minerais, e sem dívidas, perceberam que o governo dos EUA não é de fiar. A Rússia assistiu à tentativa dos sucessores de Reagan para virar clientelas da União Soviética em estados marionetas dos EUA com bases militares americanas. Os EUA estão a tentar cercar a Rússia com mísseis que neutralizem a dissuasão estratégica da Rússia.

Putin entendeu bem o "camarada lobo". Conseguiu que o presidente do Quirguistão, uma antiga república da União Soviética, desalojasse os EUA da sua base militar. Esta base é essencial para a capacidade de a América abastecer os seus soldados no Afeganistão.

Para impedir a intromissão da América na esfera de influência da Rússia, o governo russo criou uma organização de aliança de segurança colectiva formada pela Rússia, Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. O Uzbequistão é participante parcial.

Por outras palavras, a Rússia organizou a Ásia Central contra a penetração dos EUA.

A que agenda é que o Presidente Obama está a ficar amarrado? Num artigo na versão de língua inglesa do jornal suíço Zeit-Fragen, Stephen J. Sniegoski assinala que as figuras de proa da conspiração neoconservadora – Richard Perle, Max Boot, David Brooks, e Mona Charen – ficaram em êxtase com as nomeações de Obama. Não encontram qualquer diferença entre Obama e Bush/Cheney.

Não são só os homens nomeados por Obama que o estão a empurrar para uma guerra alargada no Afeganistão, o poderoso lóbi israelense também está a empurrar Obama para uma guerra com o Irão.

É difícil de acreditar no irrealismo com que o governo dos EUA está a manobrar. Um governo na falência, que não consegue pagar as contas sem imprimir dinheiro, está a correr precipitadamente para guerras no Afeganistão, Paquistão e Irão. Segundo o Centro de Análise Estratégica e Orçamental, o custo para os contribuintes americanos de enviar um só soldado para combater no Afeganistão ou no Iraque é de 775 mil dólares por ano!

A guerra de Obama no Afeganistão é o Chá do Chapeleiro Maluco [1] . Após sete anos de conflito, ainda não há qualquer missão definida nem cenário de fim de jogo para as forças americanas no Afeganistão. Quando lhe perguntaram qual era a missão, um militar americano disse à NBC News, "Francamente, não temos nenhuma". A NBC noticia: "estão a trabalhar nela".

Ao falar na Câmara dos Democratas em 5 de Fevereiro, o presidente Obama reconheceu que o governo americano não sabe qual é a sua missão no Afeganistão e que para evitar "o arrastamento de uma missão sem parâmetros claros", os EUA "necessitam de uma missão clara".

Gostariam de ser enviados para uma guerra, cuja intenção ninguém conhece, incluindo o comandante do estado-maior que vos envia para matar ou ser morto? Caros contribuintes, gostam de estar a pagar o custo enorme em enviar soldados para uma missão indefinida enquanto a economia desaba?
09/Fevereiro/2009
[1] Em 'Alice no País das Maravilhas', o Chapeleiro Maluco apresenta uma adivinha: "Em que é que se parece um corvo com uma escrivaninha?". Quando Alice desiste, o Chapeleiro reconhece que também não sabe a resposta (N.T.)

[*] Paul Craig Roberts foi secretário Auxiliar do Tesouro na administração Reagan. É co-autor de 'The Tyranny of Good Intentions'.

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/roberts02092009.html . Tradução de Margarida Ferreira.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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