segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

ANOS DE CHUMBO - Imposto "ditabrando" para a Folha.

Tenho para mim que quem escreveu o infame editorial da Folha, onde foi criado o neologismo "ditabranda",foi um jovem jornalista, "pau mandado" da direção do jornal, que escreveu sobre o que não sabe.Digo isso, porque quando do aniversário dos 40 anos do famigerado AI-5, foi divulgada uma pesquisa pela qual, uma imensa maioria da atual geração não tinha a menor idéia do que foi esse Ato Institucional.
Eu, que tive uma prima adolescente presa e torturada no DOI/CODI da rua Barão de Mesquita e cujo namorado, dito "terrorista", foi assassinado em Pernambuco, também fiquei indignado com o editorial acima mencionado. Eu também tive colegas do movimento estudantil presos, torturados e exilados.No meu caso particular, levei muita porrada dos PMs. Mas o pior que aconteceu comigo foi ter sido demitido do antigo DNER, como sendo comunista.Trabalhava lá como simples escriturário, era um barnabé, como se dizia naquela época e vivia discutindo política. Meus colegas de trabalho me chamavam de "karloff".Pois bem, no dia seguinte da edição do AI-5, saiu uma portaria com uma relação dos funcionários do DNER que estavam sendo demitidos e, para surpresa minha, eu era um deles.Digo isso, porque sabia que existiam funcionários, colegas de trabalho, que faziam parte do antigo Partidão (PCB), porém, eu não tinha o menor envolvimento com os mesmos. Lamento não ter guardado uma cópia da referida portaria.Seria interessante que a Folha ouvisse seu ex-articulista, governador José Serra. Afinal de contas,foi presidente da UNE,fez parte dos quadros da Ação Popular (AP) e, com o golpe de 64, foi obrigado a se exilar no Chile, onde ficou até 1978.
Carlos Dória

A seguir o artigo do Cláudio da Rocha.

Carta aberta para os Frias.

Editorial da folha de São Paulo, sucessora da Folha da Tarde, classificou a ditadura brasileira como ditabranda. Leio no Conversa Afiada a resposta da FSP aos protestos que despertou:

“Nota da Redação - Na comparação com outros regimes instalados na região no período, a ditadura brasileira apresentou níveis baixos de violência política e institucional.”

Eu sei que não foram níveis baixos. Vocês mentem que eu sei.

E acho que sei porque.

Até hoje não me senti de todo confortável para pedir a indenização pelo que a ditadura fez comigo. Vocês me despertaram.

Não critico quem pediu a indenização da lei da anistia (exceto por um que trabalha para vocês).

Mas a conta está errada.

Os que financiaram a repressão, a ditadura, os assassinatos, é que deveriam pagar.

Os que obtiveram favores, cresceram e lucraram pelo apoio à ditadura é que deveriam pagar. E não todo o povo.

Proponho um imposto ditabrando. Apenas 10% do patrimônio amealhado durante a ditadura por aquelas empresas e políticos que participaram, financiaram ou deram cobertura à violência.

Em 1975 eu, um garoto, fui preso em São Paulo pelo simples fato de estar ao lado de um estudante da USP que portava um livro de sociologia da Academia de Ciências da URSS.

Levei uns tapas no DOPS. Umas palmatórias. Uma noite sem dormir. Ouvi os gritos, as ameaças. Como saber se não fui conduzido por uma daquelas viaturas que a Folha da Tarde cedeu para a OBAN? Isto é brando para vocês? Para mim, não.

Depois, em 1977, ainda garoto, fui arrastado para os porões do DOI-CODI na Barão de Mesquita, RJ. Era estudante de medicina. UERJ. Pertencia à geração que criticava, politicamente, a luta armada. Nunca peguei numa. Minha única arma era a palavra.

E conheci o palácio da tortura. Uma instalação. Tão moderna quanto o dinheiro da época podia comprar.

Aparelhada com cadeiras especiais para o choque elétrico, as câmaras frigoríficas chamadas de “geladeiras”, capazes de ir do calor infernal ao frio invernal em poucos minutos.

Sons estereofônicos, ou quadrafônicos, não sei como chamar, mas pode constar como o som do diabo, que estará bem constado.

Janelas especiais onde um companheiro podia observar sua companheira ser seviciada com choques elétricos vaginais e nos seios…até ele mandar parar…em troca de assinar um documento.

Nível baixo de violência, senhores?

A mãe de uma companheira foi sequestrada em Rio Claro e levada para o DOI-CODI, até que a filha se entregasse. Uma senhora que nunca tinha saído do interior de São Paulo.

Quando ocorreu a troca do sequestro, esta senhora foi deixada perdida no Rio de Janeiro.

Nível Baixo, família Frias?

Depois de 10 dias incomunicável naquele inferno, fui levado para o DOPS. Lá soube que minha companheira, também estudante de medicina, fora presa.

Porque era minha companheira. Nível Baixo de violência?

O destino dela foram as torturas.

Fui condenado a três anos de prisão.

Não me esqueço das palavras dos torturadores: “Se você sair daqui vivo, saiba que quando for ao maracanã, estaremos atrás de você. Quando for ao cinema, estaremos atrás de você”.

Na prisão fizemos uma greve de fome e pudemos aguardar o julgamento em liberdade. Um interregno até a pena do presídio.

Neste período, eu e minha companheira fomos seguidos, houve simulação de nova prisão-sequestro. Aconteceu de saltarmos de ônibus e sairmos correndo por entre os carros do trânsito de copacabana, em função do pânico, do pavor de não querermos passar um minuto sequer no DOI-CODI. Não vivos. Vivos não.

Branda, senhores?

Até hoje os horrores povoam meus sonos. Não tenho dúvida de que a vida dos meus filhos e a vida dos meus pais e irmãos foi afetada por isto.

E, o pior, eu sei que outros passaram por coisas muito piores.

Como assim, níveis baixos de violência?

Não desejo a vocês nem um centésimo do que foi aquele inferno.

Mas até hoje vocês provocam.

Não desejo um segundo de prisão para vocês.

Mas vocês provocam.

Farei campanha pelo imposto ditabrando. É duro? Imagina.

TV globo cresceu em função do apoio ao regime ditatorial. Sarney hoje é um ex-presidente da república, próspero senhor de negócios no Maranhão e presidente do Senado. A Folha se apresenta como o maior jornal do país. A ARENA se orgulhava de ser o maior partido do ocidente.

É justo que vocês paguem a indenização.

O DEM, legítimo sucessor da ARENA, deveria, por lei,destinar 10% do fundo partidário para o imposto ditabrando.

Os torturadores, na minha opinião, são uns pobres diabos que só puderam soltar a sanha assassina e mórbida por conta do apoio político e financeiro que receberam.

Lancei a campanha. Imposto Ditabrando para a Folha e assemelhados.

É preciso uma lei. É preciso sensibilizar um deputado. Tentarei.

Escrevo isto com lágrimas nos olhos e um misto de tristeza e raiva.

Sei que estou sob o impulso da emoção. Mas só volto atrás se assim meus filhos quiserem, por entenderem melhor deixar este assunto enterrado nas catacumbas.
Fonte:Blog TIVI Brasil

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