sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

ECONOMIA - Seguir a velha ortodoxia é burrice.

Por José Carlos de Assis

Fonte: JORNAL DO BRASIL (27.01.09)

Os economistas progressistas brasileiros têm aceitado com certa passividade o epíteto de heterodoxos. Na raiz grega, significa diferentes em relação a uma doutrina tradicional. Isso dá a entender que o heterodoxo é o que está errado, pois se opõe a regras validadas pela experiência. Entretanto, o que significa exatamente a ortodoxia econômica? Para simplificar, sem perder a essência, significa políticas monetárias restritivas e políticas fiscais de equilíbrio orçamentário a qualquer custo, tudo muito favorável aos ricos.

Keynes desmontou a ortodoxia convencional no plano teórico, e Roosevelt, na prática, este com o New Deal. Keynes mostrou que a criação do crédito e, portanto, da moeda, pertence tanto ao Estado quanto ao sistema bancário privado. Isso significa que o controle da moeda é algo mais complexo que simplesmente afrouxar ou reprimir a base monetária. Passa pela manipulação da taxa de juros, o que tem efeitos complexos na economia real, não podendo ser elevada ou baixada arbitrariamente.

O New Deal, por sua vez, mostrou que uma economia não se levanta de uma depressão profunda sem uma injeção vigorosa de gastos públicos financiados por déficit fiscal. É verdade que as exportações têm efeito expansionista, mas, em época de recessão, o mercado mundial costuma colapsar. A vitoriosa experiência do New Deal, expandida em parte da Europa no âmbito do antigo Mercado Comum, sepultou a velha ortodoxia e instituiu uma nova, a saber, a ortodoxia keynesiana.

Nossa história foi bem diferente, na medida em que não temos sido nem exatamente ortodoxos, nem heterodoxos completos. Aliás, o que a alta tecnocracia econômica brasileira sempre fez foi usar uma retórica ortodoxa por sobre instituições não exatamente heterodoxas, mas disfuncionais. Foi o caso, por exemplo, dos dois mais eminentes economistas ortodoxos brasileiros, Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões, que redesenharam nossas instituições financeiras nos anos 60.

Eles criaram o Banco Central, sim, um passo rumo à velha ortodoxia. Mas partilharam as funções monetárias do Banco Central com o Banco do Brasil, e deixaram no Banco Central algumas linhas de fomento para a agricultura. Sou altamente simpático a esse arranjo. Mas ele seguramente não é ortodoxo. Foi completamente desmontado em fins dos anos 80, com a supressão da Conta Movimento no Banco do Brasil, pelos economistas “progressistas” levados ao poder por Dílson Funaro.

Os dois eminentes ortodoxos criaram a correção monetária, e acabaram estendendo a correção monetária à moeda em fluxo no mercado aberto - algo que, seguramente, nada tem a ver com ortodoxia monetária. Essa distorção sobrevive ainda hoje, na forma de um mercado monetário (open) fundido com o mercado financeiro (títulos da dívida pública), o que deveria ser fonte permanente de incômodo para os ortodoxos tradicionais - assim como é para nós, ortodoxos keynesianos.

Essa institucionalidade, como é óbvio, distorce completamente as virtualidades teóricas da política monetária, além de que constitui uma base de taxa de juros extremamente elevada para a colocação de novos títulos da dívida pública. Mas não é tudo. Como a taxa básica de juros (Selic) indexa uma parte considerável dos títulos públicos, a política monetária tem um impacto fiscal considerável, tornando uma ficção contábil o orçamento aprovado pelo Congresso Nacional.

Em 1973, às vésperas de deixar o governo pela primeira vez, o professor Delfim deixou ao sucessor um belo presente heterodoxo: um instrumento legal pelo qual se autorizava a girar a dívida pública no âmbito monetário, sem contaminação fiscal. Em algum momento posterior, de que não me lembro, algum gestor público entendeu que seria mais ortodoxo pôr a política fiscal a serviço da monetária do que a política monetária a serviço da fiscal. E acabou com o expediente.

Se o espelho da ortodoxia velha é o sistema norte-americano, estamos muito longe da ortodoxia. Estamos mais perto se o paradigma for o recém-criado, em termos históricos, Banco Central Europeu. Mas aí temos realmente um problema. Desde a criação do euro, a Europa está virtualmente estagnada. Muita gente, como eu, supõe que essa estagnação se deve fundamentalmente à institucionalidade monetária e fiscal prescrita no Tratado de Maastricht. Além disso, há claras evidências de que, se não abandonar a ortodoxia estabelecida nesse Tratado, a União Européia não sairá da crise.

No nosso caso, o governo esgotou os mecanismos de política de crédito para enfrentar a crise - exceto pelo fato de que o Banco Central ainda mantém em patamar extremamente elevado a taxa básica de juros. Infelizmente, como se sabe desde os anos 30, política monetária apenas não é suficiente para reverter uma recessão grande. É preciso agir fortemente do lado fiscal. Creio que o governo está se preparando para isso. Não é para menos, quando as estatísticas do Caged em dezembro assinalam uma perda de empregos superior a 600 mil no mês. Manter-se nos registros da velha ortodoxia diante disso não seria ortodoxia. Seria burrice.
Fonte:Blog do Desemprego Zero.

Nenhum comentário: