quinta-feira, 27 de novembro de 2008

G20: A cimeira do faz de conta.

Até os principais economistas rejeitam a ideia de que a cimeira do G20 de 15 e 16 de Novembro tenha alcançado algo de substancial. Simon Johnson, economista do Instituto de Tecnologia do Massachusetts e ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional, disse ao New York Times: "Tratou-se de uma cimeira do faz de conta, eles poderiam ter decidido tudo sem terem sequer marcado uma reunião".

Por Nicole Colson do Socialist Worker

Os líderes mundiais das 20 principais economias reuniram-se para discutir a crise económica global. Os lideres foram surgindo e cumprimentando-se com uma palmadinha nas costas com excepção do presidente francês Nicolas Sarkozy e George W. Bush, que descontraidamente chocaram os punhos em forma de cumprimento.

Após a reunião, Bush considerou que o acordo negociado entre os dirigentes políticos das maiores economias do mundo foi "um primeiro passo importante." Mas um exame mais atento às propostas em questão mostra que estas são "muito poucas e chegam demasiado tarde".

Os princípios gerais incluídos na declaração do G20 representam vagos apelos para o reforço da transparência e da responsabilidade financeira dos sistemas: melhorar os regulamentos económicos; promover a "integridade" dos mercados financeiros; aumentar a cooperação internacional entre os reguladores financeiros dos países, e reformar as instituições financeiras internacionais de maneira a incluir as economias emergentes.

David Kestenbaum, locutor da National Public Radio (uma rádio pública), comentou:

Muitos detalhes aprovados na reunião só virão a ser "descobertos" mais tarde. Os dirigentes disseram que pensavam que os estímulos económicos (construção de novas estradas, controlos mais rígidos, esse tipo de coisas) eram uma boa ideia. Mas José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, disse que cada país teria de decidir o que se adequava a ele.

Por outras palavras, embora a cimeira do G20 tivesse sido apresentada como um encontro dos líderes mundiais, que em conjunto iriam tomar acções coordenadas com vista a reforçar a economia mundial, a realidade é que cada país vai fazer o que já está a fazer, ou seja, usar o poder do seu próprio estado para impulsionar as suas empresas nacionais e os seus sistemas financeiros, em detrimento dos outros países, particularmente os pobres e em desenvolvimento.

Para reforçar esta ideia, surgiu o comunicado de que o grupo não vai reunir de novo até 30 de Abril de 2009, ou seja, passados mais de 100 dias após Barack Obama ter tomado posse.

O New York Times escreveu: "Apesar de as acções de estimulo à economia de alguns países terem sido caracterizadas como passos ambiciosos, elas reflectem sobretudo as medidas que os países já estavam a pôr em pratica para responder a crise."

"Falta verificar se, trabalhando com uma nova Casa Branca, os líderes vão pôr de lado as suas diferenças políticas e económicas para abraçar mudanças mais radicais, inclusive de longo alcance, incluindo propostas para a revisão geral da regulação económica."

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Segundo informações dos bastidores, era praticamente impossível chegar a um acordo sobre estes vagos "princípios". Como seria de se esperar, os EUA parecem ter batido o pé diante de todas as sugestões que apontavam para uma maior supervisão e regulação.

Até os principais economistas rejeitam a ideia de que a cimeira tenha alcançado algo de substancial. Simon Johnson, economista do Instituto de Tecnologia do Massachusetts e ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional, disse ao New York Times: "Tratou-se de uma cimeira do faz de conta, eles poderiam ter decidido tudo sem terem sequer marcado uma reunião".

Como observou o Times: "Apesar do amplo apoio ao estímulo económico, os dirigentes não foram capazes de chegar a um esforço coordenado global. A administração Bush, que não favorece um maior estímulo, resistiu a essa ideia. A proposta de uma agência reguladora internacional, apresentada pelo líder francês, não passou do papel. A administração Bush opõe-se a qualquer agência reguladora com autoridade internacional."

Os E.U.A. também se certificaram de que a declaração do G20 ficasse bem explícita quanto ao compromisso de seguir os princípios do livre mercado.

A declaração diz: "Reconhecemos que estas reformas só serão bem sucedidas se tiverem como base o sistema do livre mercado, incluindo o Estado de Direito, o respeito pela propriedade privada, a abertura comercial e de investimento, os mercados competitivos, eficientes e os sistemas financeiros efectivamente regulamentados. Estes princípios são essenciais para o crescimento económico e prosperidade e já tiraram milhares de pessoas da pobreza, assim como aumentaram a qualidade de vida global."

Mas foram os "princípios do mercado livre" - especificamente a desregulamentação maciça - que causaram a crise, em primeiro lugar.

Damien Millet e Eric Toussaint, activistas da justiça global, disseram após a cimeira: "No quadro da cimeira do G20, os países mais pobres do mundo serão os que mais irão sofrer, particularmente se instituições desacreditadas como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) passarem a ter mais responsabilidades."

Millet e Toussaint classificaram a cimeira como:

"Um fracasso... Um triste espectáculo, um guião que não tem qualquer credibilidade, e com que poucos espectadores parecem preocupar-se. Nos filmes de detectives, nunca são dadas as chaves do Tribunal de Justiça aos arqui-inimigos. Neste caso, é isso que a cimeira do G20 está a planear fazer. Esta cimeira mostra que as lições não foram aprendidas. Os velhos demónios do passado ainda estão connosco".

"O FMI e o BM, apesar do fracasso das suas medidas executadas durante 25 anos, e da crise de liderança que têm experimentado ao longo dos últimos anos, são ainda o "coração" das soluções propostas. As negociações com a Organização Mundial do Comércio, tendo em vista a liberalização económica, estão novamente na ordem do dia, embora tenhamos já assistido ao fracasso absoluto desta política."

"Quando o FMI já não conseguia encontrar mais clientes para os seus empréstimos, eis que a Hungria, a Ucrânia e o Paquistão foram voluntários. As mesmas condicionantes intoleráveis estão de novo na ordem do dia: como contrapartida para o último empréstimo, a Hungria teve de decidir, entre outras coisas, suprimir o 13º mês aos funcionários públicos e congelar os seus vencimentos. O Japão propôs mesmo injectar 100 mil milhões de dólares no FMI para que este pudesse aumentar os seus empréstimos, e continuar a realizar as suas actividades funestas."

"Mais, a reunião que estava destinada a encontrar uma solução global para a crise actual não foi realizada dentro do contexto da Organização das Nações Unidas, mas limitada ao contexto do G20. Ou seja, é solicitado ao próprio promotor de um modelo injusto e insustentável arranjar uma solução para o seu próprio modelo."

As únicas soluções que foram apresentadas protegem os interesses dos grandes credores. Populations and poor countries as usual were not consulted. Populações e países pobres, como de costume, não foram consultados."

"Quando confrontados com este tipo de incoerência e com este guião mal elaborado, não se pode esperar uma reviravolta final que introduza justiça e ética em tudo isto. Esta reviravolta só se encontra nas lutas sociais, por todo o mundo, para trazer uma mudança radical nas escolhas económicas."

"E se o filme devia terminar como começou, sem qualquer esperança, há uma forte probabilidade de que a plateia vá ficar muito insatisfeita e o faça saber aos 20 directores, de forma mais enérgica."

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Até o comentador neoliberal Thomas Friedman teve de admitir na sua coluna do New York Times que a crise financeira está longe de terminar:

Os governos estão a ter um problema para deter esta espiral deflacionária. Talvez porque esta crise financeira combina quatro químicos que nunca se viram antes misturados a este nível, e não compreendemos completamente a nocividade que as suas interacções têm tido, e ainda poderão ter."

"Esses químicos são: 1) acção massiva - por todos, desde os consumidores que compraram casas como forma de aplicar o dinheiro, até fundos que prometiam 30 dólares por cada 1 dólar em dinheiro vivo; 2) uma economia mundial que está muito mais interdependente do que as pessoas pensavam, o que é exemplificado pelo departamento da polícia britânica que hoje está financeiramente arruinado, pois colocou as suas poupanças em bancos on-line islandeses, para conseguir um maior rendimento, bancos esses que entretanto faliram; 3) instrumentos financeiros globalmente interligados que são tão complexos que a maior parte dos CEOs (chefes executivos das empresas) que lidam com eles, não compreendem como funcionam, principalmente quando apresentam descidas; 4) uma crise financeira que começou na América com as nossas hipotecas tóxicas."

"Quando começa uma crise no México ou na Tailândia podemo-nos proteger, mas quando se inicia na América, ninguém pode. É esta enorme influência americana, conjugada com a actual integração global e este nível de complexidade, que faz com que uma crise na América se torne numa situação explosiva."

Friedman concluiu: "Se vocês querem saber onde estamos agora, aluguem o filme 'Tubarão'. Estamos no momento em que o Roy Scheider vê pela primeira vez o grande tubarão branco, volta atrás e diz ao capitão, com os olhos espelhados de medo: você vai precisar de um barco maior."
Fonte: Site Esquerda.net.

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