sábado, 27 de setembro de 2008

PETRÓLEO - Eu me nego a aceitar que o petróleo não seja nosso.....


26/09/2008

Nilton Viana, da Redação
A descoberta de novos campos de petróleo no Brasil tem suscitado amplo debate sobre os rumos que o país deva tomar para garantir que essa riqueza seja efetivamente do povo brasileiro. Várias propostas estão sendo colocadas, dentre elas a criação de uma nova estatal para gerenciar o pré-sal. Contrário à criação de outra empresa para administrar o pré-sal, o professor da Universidade de São Paulo Ildo Sauer, em entrevista ao Brasil de Fato resgata o papel histórico-social da Petrobras e acredita que se a ela tem contradições e problemas na sua gestão, é fácil sanar. Segundo ele, é um ato de vontade política. “A Petrobras tem uma corporação extremamente profissional e disciplinada. Se ela faz o que faz é porque alguém na sua organização de comando dirige e faz”. Como alternativa, Sauer defende a criação de um fundo constitucional, gerido com critérios definidos em constituição.
Brasil de Fato – Como ex-diretor da Petrobras, como o senhor tem acompanhado o debate em torno das questões energéticas do país, as recentes descobertas da empresa e como tem visto as principais alternativas que surgem para se lidar com o chamado pré-sal? Ildo Sauer – Eu acho que sempre é preciso recuperar a história para compreender o que está se passando hoje. São necessárias duas considerações preliminares. Uma bastante geral sobre energia e outra sobre a sociedade. O ser humano tem uma longa história marcada por duas grandes revoluções, do ponto de vista da organização da sua produção material para satisfazer suas necessidades de sobrevivência. A primeira, na transição do homem neolítico, homem caçador-coletor, para o homem agrícola, há dez mil anos, quando, com a revolução agrícola, o homem percebe que é possível se organizar socialmente de outra maneira para direcionar em quais plantas, em quais animais, a cadeia energética estava sendo acumulada desde a fotossíntese. A segunda, a revolução industrial, no fim dos anos de 1700, altera completamente a forma de organizar a produção, de dividir o produto social.
Quais dimensões estas revoluções trouxeram consigo? Já na primeira revolução, a agrícola, há quatro dimensões que na minha opinião estão presentes: a primeira, como o ser humano consegue apreender a natureza e a representá-la; a segunda, como ele se apropria de instrumentos, máquinas, equipamentos, processos tecnológicos que ajudam a aumentar a produtividade do trabalho humano para gerar valor; a terceira, a forma como se representa e se legitima esta organização da produção e a divisão do produto, tanto que se o produto é social a pergunta é: “Como é que se legitima a distribuição desse produto social, dessa riqueza gerada?”; e, a última dimensão, são as instituições políticas e os valores que são hegemônicos em cada época. Já a primeira fase da revolução industrial foi marcada pelo controle sobre o carvão, que passa a permitir uma intensificação profunda da produtividade do trabalho, aplicado socialmente e para gerar riqueza. Logo depois, teve uma alteração profunda, quando os meios de produção passam também a ser controlados individualmente e a forma de produzir também se altera. Com a revolução industrial calcada no carvão, e na mudança significativa da base terminal de produção, os meios de produção passam a ser propriedade de uma nova classe que surge, a classe capitalista. E grande parte da população passa a ser apenas detentora de sua força de trabalho.
E no século 19? Este é marcado profundamente pela segunda fase da revolução industrial, em que o carvão progressivamente dá lugar ao petróleo, à indústria elétrica, à indústria automobilística, à indústria das telecomunicações. À uma indústria toda organizada em associação com os grandes bancos capaz de alterar completamente a face do planeta Terra, neste último século. Tanto em termos de população, que sai de um pouco mais de 1 bilhão para, na virada século do petróleo, se transformar em 6,7 bilhões de habitantes. Isso tudo: a mobilidade de carga e pessoas, de materiais, os grandes conglomerados industriais carterizados vinculados ao sistema financeiro, as duas grandes guerras; tudo isso marca a mudança da organização social da humanidade na face da Terra ao longo do último século, e em grande parte, o que permitiu que isso acontecesse foi o fato de que a força de trabalho humana agora passa a ser potencializada na sua capacidade de gerar riqueza porque uma nova forma de energia, apropriada agora em maior intensidade e com menos esforço, está disponível. Esta energia que é o petróleo.
Quando o Brasil percebe a importância do petróleo? Aparentemente, a população brasileira percebeu esse grande movimento internacional de mudanças, a indústria automobilística, a base industrial, a mobilidade, a indústria aeronáutica. Aqui, aparecia todo esse conjunto de conglomerados tecnológicos capitalistas. E do outro lado, com a revolução socialista, algo parecido acontece também. Na União Soviética, quando se dizia que fazer socialismo era construir soviets e levar eletricidade. A população brasileira, implícita ou explicitamente, percebeu a importância de se ter o controle do petróleo para se formar uma sociedade com certo grau de autonomia e soberania no contexto do novo regime de produção internacional. E aí, lança-se a campanha “O Petróleo é Nosso”, na década de 1940, dentro da visão keynesiana, de que o capitalismo autoregulado fracassou, como ficou claro com o crash da Bolsa, que desorganizou a economia internacional na década de 1930; e que agora a mão invisível do mercado dialoga com o Estado para buscar saídas que permitam ao Estado proporcionar as condições estruturais necessárias para que as relações capitalistas de produção pudessem ter sucesso em muitas regiões do mundo. O plano mágico começou nos Estados Unidos, com o new deal, para depois marchar para a Europa depois da Segunda Guerra. E nos países como o Brasil, não foi diferente.
E a partir de então o petróleo passa a ser fundamental na modernização e no desenvolvimento brasileiro. O desenvolvimento industrial dos recursos energéticos e de outros recursos naturais no Brasil se deu com a criação do BNDE, da CSN e do sistema Eletrobras. A CSN deu base para seguir o grande plano rodoviário na década de 1950 que rasgou o Brasil com o “50 anos em 5” do Juscelino. Deu-se com a indústria automobilística que chega finalmente ao Brasil 50 anos depois de se lançar ao mundo. Nesse contexto, o papel do petróleo passa a ser importante para possibilitar a modernização produtiva no Brasil.
E a Petrobras? A Petrobras surge nesse contexto com uma necessidade prevista pelo povo brasileiro de controlar um recurso fundamental nesse processo que permitisse, com todos essas contradições, que o capitalismo brasileiro se desenvolvesse minimamente na área industrial; deixar de ser um país agrícola e torna-se um país urbanizado, com todas as mazelas e contradições que nós já conhecemos. Então, a Petrobras tem a delegação de uma missão muito particular e dada pelas ruas: garantir o abastecimento do petróleo em todos os cantos do Brasil. Porque isso é a marca fundamental, inclusive para o próprio processo da modernização agrícola, com a presença dos tratores. A mecanização agrícola só foi possível porque os derivados de petróleo chegaram a todos e quaisquer campos do Brasil. Isso foi a sua grande missão. Mas havia uma grande surpresa no horizonte. Porque havia o debate sobre a existência de petróleo no Brasil ou não. Havia isso nas primeiras décadas da Petrobras, mas não foi tão relevante. Relevante foi construir a logística, as refinarias, o acesso ao petróleo que mudou. Permitu a mudança significativa na produtividade e nas condições de vida de todos os brasileiros, especialmente o emergente capitalismo brasileiro se beneficiou profundamente disso.
Mas a Petrobras também teve a missão de desenvolver o álcool combustível. Muito bem. Anos de 1970, dois choques do petróleo, 1973 e 1979. O preço do petróleo dispara e as condições macroeconômicas brasileiras, recém-saídas do milagre brasileiro da ditadura, entra em crise profunda porque não havia como pagar as contas das várias importações, especialmente a do petróleo. Se esgota a primeira fase da Petrobras e lhe dão uma segunda missão, junto com os planos de desenvolvimento do governo Geisel, especialmente, que cria o Programa Nacional do Álcool, o Prograna Nacional de Óleos Vegetais, que hoje se chama de biodiesel, mas que naquele tempo já havia sido concebido. Avançou o Proálcool porque nele havia, primeiro, condições específicas infraestruturais positivas, a base industrial da agroindústria do açúcar que estava em crise e o interesse dos conglomerados agrícolas e financiadores ligados ao governo – Instituto do Açúcar e do Álcool – que permitiram que o Proácool deslanchasse. O programa de siderurgia teve algum avanço também nesse contexto, o Pronuclear nos deixou como herança, imensas dívidas e duas usinas.
E a missão de se encontrar petróleo? De todas essas iniciativas, essa não foi explicitada abertamente. Ela se lançou ao exterior, encontrou no Iraque [em 1976] o maior campo petrolífero já conhecido naquele país, batizado de Majnoon, que quer dizer maluco, louco, de tão grande que era. A Petrobras foi indenizada em cerca de 200 milhões de dólares e o campo foi nacionalizado, estando lá até hoje. Buscou em outras partes, mas acima de tudo havia a Braspetro, que fazia trocas comerciais para poder pagar a conta-petróleo. É bem verdade que o Iraque, tendo tomado o campo, se comprometeu e isso está até hoje, as relações são muito cordiais com os dirigentes das empresas petrolíferas iraquianas que reconhecem a contribuição da Petrobras. E, durante a crise do petróleo nos anos de 1970-1980, de uma certa maneira, foram promovidas trocas comerciais que permitiam que o Brasil pagasse a conta-petróleo do Iraque com carros, alimento, frango, soja, carne, frango e especialmente com Passats.
E em relação ao Brasil, o que fez a Petrobras? Não encontrando petróleo em terra, a Petrobras se lança ao mar. A poucos metros da lâmina d'água e depois vai aprofundando, aprofundando, até ser reconhecida hoje como aquela que é a campeã mundial na tecnologia de águas profundas – capacidade de gerar o risco tecnológico, risco financeiro e todo um conjunto de riscos associados a esse processo. Hoje, ela se lança ao mar a lâminas d'água de cerca de 2,3 mil metros e daí para baixo da superfície marítima até 7, 10 quilômetros de perfurações contínuas, produzindo num navio colocado, que para perfuração e exploração tem que estar estabilizado porque esta aste de perfuração precisa ser controlada adequadamente. Então, a capacidade de gestão – e não é que a Petrobras defina sozinha essas ações todas ela é uma controladora, integradora, gerenciadora – é uma atividade muito complexa, que lança mão de todos os serviços tecnológicos, da geofísica, da perfuração, da ação concreta lá debaixo do mar.
O governo FHC quis privatizar a Petrobras. Chegou inclusive a trocar o seu nome. É verdade. No governo anterior lhe tomaram o nome por alguns dias, um golpe chamado de Petrobrax, mas o povo foi às ruas e o governo recuou, lhe devolveram o nome, mas lhe venderam 30% das ações na Bolsa de Nova York, por 5 bilhões de dólares em agosto de 2000. 30% que chegaram a ter [em 2008] um valor nominal de 130 bilhões de dólares quando a Petrobras chegou a 400 bilhões de dólares. Considerando o valor atual do petróleo retrocedendo em níveis próximos dos 100 dólares esse valor é diferente, talvez, no momento, a Petrobras esteja valendo uns 200 e poucos bilhões de dólares na Bolsa, então mesmo assim os 30% continuam sendo a fantástica quantia de quase 70, 80 bilhões de dólares. Mas é preciso compreender como são as operações na área do petróleo, tanto as tecnológicas quanto as financeiras. Eu acho então que – com essa preliminar feita do papel histórico-social da Petrobras, com suas contradições, sua capacitação industrial – a descoberta do pré-sal é produto dessa longa trajetória da Petrobras.
Quantos anos de pesquisa a Petrobras levou para chegar a essa descoberta? Desde o final dos anos 1970, mas a ênfase foi mesmo há uns 5, 6 anos, quando a Petrobras resolve alterar o caráter de gestão da empresa, que vinha numa direção desde as reformas liberais dos anos de 1990, iniciadas por Collor e comandadas por Fernando Henrique. A estratégia da Petrobras baseia-se em um tripé de bastante sucesso: reforçar e aprofundar a busca de petróleo; desenvolver na medida do possível todo gás disponível como substituto do petróleo, gerador de valor e menos intensivo em emissão de gás carbônico para evitar o efeito estufa – cada 150 metros cúbicos de gás permitem substituir um barril de petróleo –; e já lançar o caminho para a retomada do álcool que foi imposto a Petrobras nos anos de 1970.
Qual o futuro do petróleo dentro da matriz energética mundial? O cenário é mesmo de escassez? A previsão que se tem é que no mundo havia cerca de 3 trilhões de barris de petróleo, recuperáveis com a tecnologia de hoje. Um trilhão foi usado no século passado, que foi o século do petróleo, que permitiu que a humanidade fizesse essa longa e estasiante trajetória de chegar a 6,7 bilhões de habitantes, baseada em grande parte na exploração do petróleo, geração de valor, alocando trabalho, mão-de-obra, conhecimento em cima do petróleo. Hoje, se acredita, então, que tenha 2 trilhão de barris recuperáveis. Assim, tirando-se 80, 90 milhões de barris por mês, isso significa que nas próximas três ou quatro décadas, o petróleo convencional estará exaurido e o gás natural que tem 2 trilhões também terá ido. Então ficou assim, apesar da discussão em torno das mudanças climáticas, a Petrobras se lançou a descobrir mais e mais reservas e um dos esforços foi exatamente a busca daqueles recursos do pré-sal.
A reativação da Quarta Frota pelos EUA entra neste contexto? Não é à toa que ela tenha sido reativada em grande parte para vigiar o Atlântico Sul, onde estaria o travesso Chávez ocupando espaço. Mas também é uma coincidência que grande parte dos recursos do pré-sal estejam exatamente em cima e dentro na fronteira daquela zona econômica exclusiva, dentro daquelas 200 milhas decretadas nos anos de 1970, que alguns países, especialmente os EUA ainda não reconheceram.
A Petrobras está credenciada a administrar os recursos do pré-sal? A Petrobras é no mundo a empresa mais credenciada. Sua força de trabalho aumentou em torno de 20 mil pessoas nos últimos 5 anos. Passou de 48 para 68 mil diretamente contratadas, treinadas nos mais diversos afazeres da área de energia, para atuar de igual para igual com outras companhias e nesse contexto regulatório que está colocado aí dentro e fora do Brasil. Essa é uma trajetória de enorme sucesso, com todas as suas contradições, nas quais a Petrobras se insere em razão de sua própria história já que todos os governos tentaram instrumentalizá-la para seus propósitos, muitas vezes legítmos outras vezes nem tão publicáveis, nem tão transparentes assim em várias etapas, de usá-la para aplacar a sede das bases partidárias no Congresso e daí por diante. A Petrobras não ficou imune a isso, especialmente nos últimos dois anos também essa situação se agravou, me parece. [Apesar disso,] a Petrobras é reconhecida hoje como a estrela mundial na área de petróleo por sua trajetória.
Pelo o que entendi, o senhor é contra a criação de uma nova estatal para administrar o pré-sal? Eu não sei o que ela faria. O que eu estou tentando descrever com essa trajetória e essa complexa relação que está colocada é que, se em 50, 60 anos de história a Petrobras logrou chegar ao patamar que se encontra de operação tecnológica, industrial, econômica, empresarial, não é uma coisa muito fácil de se reproduzir em pouco tempo. Então, há dois fatores que me parecem fundamentais nessa história do pré-sal. Primeiro, que ainda não se sabe exatamente estimar se é um arquipélogo de manhcas de óleo ou se é uma espécie de subcontimente que vai de Santa Catarina até o Espírito Santo de óleo. Não se furou o suficiente. Há que se fazer mais perfuração, há que gastar mais tempo e dinheiro para avaliar melhor o volume e ter uma noção clara do que está lá. O que eu estou tentando demonstrar é que não se pode menosprezar a importância de ter uma empresa daquele porte, com essa capacidade, e também não se pode superestimar o potencial de qualquer organização para ocupar um espaço rapidamente com essa complexidade. Eu acho que se a Petrobras tem contradição e problemas na sua gestão, é fácil sanar, é um ato de vontade política.
E como o senhor acha que essas contradições poderiam ser sanadas? Eu vou falar claramente. Grande parte do que nós estamos vendo em relação à Petrobras por parte do governo é um deficiente relacionamento entre o governo federal e a Petrobras. Há uma relação meio esquisofrênica do governo com ela, na medida que o próprio presidente da República faz piegas dizendo que “então tá bom, ela é tão poderosa, é uma ameaça à democracia”. Vir falar disparates desse tipo. Eu dei uma entrevista bastante dura à Folha de S.Paulo porque no dia anterior saiu uma matéria dizendo que o governo pensava criar uma nova empresa porque a Petrobras está se tornando muito poderosa e seria uma ameaça à democracia como foi a PDVSA logo no começo do governo Chávez. Ora, isso não tem nenhum fundamento. A Petrobras tem uma corporação extremamente profissional e disciplinada. Se ela faz o que faz é porque alguém na sua organização de comando dirige e faz.
Como se dá efetivamente a relação entre o governo e a empresa? Há um mecanismo que engloba as normas, o estatuto da empresa e, acima de tudo, o conselho de administração, que é aquele que elege os dirigentes da empresa e que lhe dá diretrizes. O que eu tenho assistido – e que é um depoimento pessoal bastante forte – é que lamentavelmente o governo Lula, através do seu vínculo com a Petrobras, não esteve à altura do desafio que a Petrobras vem enfrentando e das oportunidades e possibilidades que estavam colocadas. Nunca, em nenhum momento sequer o conselho de administração, especialmente através de sua presidência, tem sido um caminho, um canal de comunicação que expressasse verdadeiramente nos dois sentidos aquilo que poderia ser um relacionamento muito profíquo. O que a gente percebia lá é um conflito permanente, no geral, sobre questões que não existiam, que eram inventadas e fabricadas. Então, esse relacionamento complicado que se criou entre a percepção que o governo tem em Brasília da Petrobras é um enorme equívoco histórico. Quem tem a responsabilidade por isso, acima de tudo, é a presidência do conselho de administração da Petrobras [do qual Dilma Rousseff é presidente desde janeiro de 2003], que não foi capaz de conduzir esse relacionamento num nível desejável.
E como resolver a questão acionária e de controle da Petrobras? Essa questão do controle acionário pode ser modificada, mas ela não é tão relevante. Basta organizar a forma de gerir o acesso ao recurso natural e a partilha do valor produzido com seu desenvolvimento. Em 2003, dizíamos então que, dado que era difícil a roda andar para trás, o gênio voltar para a garrafa, é preciso converter o limão numa limonada. Ou seja, alterar o regime de concessão. Essa era a proposta. Acabar com as concessões como estavam sendo dadas. Lamentavelmente, neste governo, a roda, a máquina como aquela do Charles Chaplin do filme, continua rodando igualmente. Isso é uma coisa que nós viemos debatendo muito. Porque, se você tem um regime que concede blocos, que dá três anos para encontrar, e tendo sucesso, dá mais 20 anos para desenvolver, o Brasil rapidamente estava na engrenagem de ser um exportador de petróleo. O que a diretoria da Petrobras fez foi comprar todos os blocos que estavam à venda e que tinham prospectividade. Isso foi feito. Só que a política mesmo era comandada de Brasília, do Ministério de Minas e Energia, da Casa Civil, que fez essa roda andar no automático, que levou ao pré-sal. E o que o governo fez? Não mudou o regime regulatório, não alterou sequer o decreto, que era uma canetada simples e ainda manteve a 9ª rodada, até que a Petrobras anunciou publicamente a viabilidade e o sucesso do Tupi. Então, criou-se uma situação na qual os bilhetes que estavam à venda já eram bilhetes premiados sabidamente. Onde é que está a assessoria do governo Lula na área de energia? Não está na Petrobras, não está nas universidades, está lá no próprio Planalto. Então, esse elo fraco que nos levou a essa situação, que felizmente, o presidente da República resolveu arbitrar o problema adequadamente, ainda que com lentidão de seis meses de atraso, retirou os blocos. Só que muito pouco foi feito de lá para cá.
O senhor disse que o governo não tem estado à altura da Petrobras. Como a diretoria da Petrobras tem si posicionado frente deficiência do governo? A diretoria da Petrobras, por iniciativa dela – eu sugeri ao diretor financeiro, a quem cabe essa medida –, levou à diretoria, a diretoria aprovou e o conselho referendou a recompra de ações com lucros. Cerca de 5 bilhões de dólares dos lucros seriam aplicados na recompra de ações dos outros sócios. Mas o mais importante foi que em maio, nessa mesma época quando se previa uma alteração significativa no quadro dadas às informações, eu pessoalmente, Ildo Sauer, pessoa física, tive uma conversa com o ministro Guido Mantega, da Fazenda, e lhe sugeriu: “Guido, o senhor está agora com 130 bilhões de dólares no exterior, recebendo juros de 1, 2, 3, 4 % ao ano e aqui dentro para ter essas reservas você está com uma dívida que paga 7 a 10%, portanto, uma arbitragem negativa. Por que que você não pega 30 bilhões de dólares – a Petrobras valia 90 bilhões de dólares naquele tempo – vai a Nova York e recompra as ABRs [ações] através de um fundo, compras as ABRs lá, você importa a Petrobras, deixa as ações lá, os dólares lá, enfim, e você vai ter uma rentabilidade da ordem de 20, 30, 40% ao ano sobre esse valor investido, e além do mais o câmbio ia estar reequilibrado no Brasil e ajudaria nas condições macro do câmbio, que cria dificuldades enormes para as exportações de bens industrializados e mesmo de bens agrícolas. O governo começou a discutir o câmbio soberano, e estamos discutindo, discutindo e a ação concreta nada. Até agora, só debate.
Esse cenário de valorização, ou supervalorização do petróleo pode, tomadas as decisões corretas, ajudar o Brasil a corrigir suas mazelas sociais? A minha proposta é simples: um fundo constitucional, gerido com critérios definidos em constituição, qual a alocação de recursos dentro e fora do Brasil, limites máximos e mínimos, critérios e transparência na gestão e não ser uma empresinha, uma agenciazinha, ou uma empresa ou uma agência que obedeça aos ditames do governo diturno, muitas vezes pautados nas crises que tem que apaziguar a sanha das bases de apoios nos parlamentos. Então, eu acho que há experiências internacionais importantes, há experiências na África. Tem coisas positivas e coisas negativas. Tem experiências positivas na Noruega, só que a Noruega é um país diferente. E lá se tem uma empresa que é gerida por um pouco mais de uma dezena de pessoas, mas é muito mais o investimento financeiro que eles controlam. Não é uma empresa com base industrial. Então o modelo pode ser aperfeiçoado, há muitas sugestões na mesa, uma delas é mudar a forma de conceder para quem devolva mais, na proporção da produtividade. Isso mantêm as empresas solventes, capazes de gerir seus riscos, como é o caso da Petrobras e vai gerar recursos também para capitalização da Petrobras.
Quanto tempo se levará para que realmente se comece a extrair a produção no pré-sal? Para desenvolver isso, 4, 5, 6 anos. Agora, não é para qualquer empresa fazer isso. Se há problemas com a Petrobras, como se tem dito por aí, que ela é muito poderosa, ao ponto de o presidente da República dizer que agora, em tom de brincadeira, iria promover a primeira eleição de presidente da Petrobras e ele indicaria o presidente da República, é falta de compreensão do papel histórico da Petrobras. O petróleo é nosso, a Petrobras é nossa e o pré-sal é nosso. Eu me nego a aceitar que o petróleo não seja nosso, que a Petrobras não seja nossa. Ou seja, restringir que só o pré-sal é nosso.
Voltando sobre aquela questão que você colocou sobre a decisão da diretoria sobre a recompra das ações... Isso não foi encaminhado? Não sei se foram compradas ou não porque ninguém vai anunciar publicamente. Porque se você diz que está botando 5 bilhões para comprar, as ações explodem. Eu não sei se foi executado ou não. Porque a estratégia de execução não é assim. Porque se é sabido que os acionistas remanescentes querem comprar os que vão vender vão querer um prêmio para sair. Eu não sei quanto foi executado, mas foi aprovado. Mas simultaneamente, isso era só 5 bilhões, isso era mais simbólico, o que a diretoria podia fazer era isso, porque ela não pode tirar muito lucro. O que o governo podia ter feito e não fez, e que eu disse ao Guido Mantega foi: “Pega 30 bilhões da reserva e compra”. E ele não fez. Então, quero dar essa dimensão porque eu vi um discurso de que alguém do governo tinha mandado a Petrobras fazer e não fez. É errado. Veja, eu tenho me preocupado muito com a discussão que sai de Brasília sobre a Petrobras, essas coisas que circulam na imprensa, tentando demonizá-la, transformá-la na vilã da história. O que aconteceu nos últimos anos é o contrário. Quem tem instrumentalizado as instituições para atender certos clientes, em geral, clientes de alto poder aquisitivo, os mais privilegiados, tem sido facções do nosso governo. Isso precisa ser revisto. E o discurso sempre é esse, de tentar demonizar, desmoralizar. Dizer que vendeu gás duas vezes, que a Petrobras só pensa no lucro. Um monte de coisas que são ditas que constróem um ambiente de opinião pública para que depois se possa agir na direção contrária do que se diz que vai fazer.
O senhor, como ex-diretor da Petrobras, a defende e tem muito claro qual deve ser o papel dela neste momento. Eu sou o único diretor fora da Petrobras deste governo. Estar fora da Petroras, portanto, é ter a obrigação de dar o testemunho do que aconteceu lá dentro. Porque os demais incumbentes, por mais que tenham consciência disso, não tem voz pública, porque se tiveram voz pública a sua garganta vai ser cortada.
Fonte: Brasil de Fato.

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