domingo, 24 de agosto de 2008

GUERRA DO CÁUCASO - Ai dos crêem no Império.

Deu no Le Monde Diplomatique Brasil:

Ainda que muito breve, a guerra entre Geórgia e Rússia revelou algo chocante para o pensamento convencional. Menos de vinte anos após vencerem a Guerra Fria, os EUA já perderam a condição de poder mundial solitário. Na verdade, deixaram até mesmo de ser superpotência...

Immanuel Wallerstein (23/08/2008)

O mundo assistiu a uma mini-guerra no Cáucaso este mês. A retórica, embora apaixonada, foi muito irrelevante. A geopolítica é uma série gigantesca de jogos de xadrez a dois, nos quais os jogadores buscam vantagens de posição. Nestes jogos, é crucial saber as regras que permitem os movimentos. Cavalos não podem mover-se em diagonal.

É perfeitamente claro, como todo o mundo observou na época, que as regras de Yalta foram revogadas em 1989, e que o jogo entre os Estados Unidos e a Rússia (a partir de 1991) mudou radicalmente. O maior problema desde então é que os Estados Unidos não compreenderam bem as novas regras. Eles proclamaram a si próprios — e foram proclamados por outros — a superpotência solitária. Em termos de regras de xadrez isto foi interpretado como se os estivessem livres para mover-se pelo tabuleiro da forma que bem entendessem. E, em particular, para trazer os antigos peões soviéticos para sua esfera de influência. Sob o governo Clinton, e de forma mais espetacular sob o de George Bush, os Estados Unidos foram levando o jogo dessa forma.

Duas grandes decisões geopolíticas foram tomadas nos anos de Clinton. Primeiro, os Estados Unidos forçaram bastante, e foram relativamente bem-sucedidos, para incorporar os antigos satélites soviéticos do Leste Europeu à OTAN. Tais países estavam ansiosos por este ingresso, ainda que os Estados-chave da Europa Ocidental — Alemanha e França — relutassem de algum modo. Percebiam que a manobra norte-americana também os transformava em alvo, ao limitar a liberdade de ação geopolítica que recém haviam adquirido.

Mesmo sob Yeltsin, a Rússia sentia-se descontente com estas duas iniciativas geopolíticas norte-americanas. No entanto, a desordem politica e econômica naqueles anos era tão grande que o máximo que podiam fazer era reclamar — deve-se dizer que de um modo um tanto débil...

E, é claro, Bush invadiu o Iraque em 2003. Como parte deste envolvimento, os Estados Unidos vislumbraram e obtiveram direitos às bases militares e de sobrevôo nas repúblicas da Ásia Central — que anteriormente faziam parte da União Soviética. Além disso, promoveram a construção de óleodutos e gasodutos que procuravam tornar desnecessários os sistemas russos. E finalmente entraram em acordo com a Polônia e a República Tcheca para estabelecer pontos de defesa de mísseis, sob alegação de defesa contra o Irã. A Rússia, porém, os viu como voltados contra si.

O presidente russo começou começou a agir. Negociou acordos com. Manteve relações próximas com o Irã. Começou a pressionar os Estados Unidos para fora das bases militares na Asia Central. E se posicionou firmemente contra a extensão da OTAN em duas zonas estratégicas: Ucrânia e Geórgia.

As causas imediatas para a mini-guerra destes dias têm dupla origem dupla. Em fevereiro, Kosovo institucionalizou sua autonomia de facto. Este movimento foi apoiado por e reconhecido pelos Estados Unidos e por boa parte dos países europeus. A Rússia alertou, na época, que a lógica deste movimento aplicava-se igualmente às secessões de facto nas antigas repúblicas soviéticas. Na Geórgia, a Rússia agiu imediatamente, pela primeira vez, reconhecendo a independência de jure da Ossétia do Sul, em resposta direta aos fstos em Kosovo, Em abril, os Estados Unidos propuseram, durante reunião da OTAN, que a Geórgia e a Ucrânia fossem recebidas, em um plano de adesão chamado Membership Action Plan. Alemanha, França, e o Reino Unido opuseram-se a isso, alegando que seria uma provocação à Rússia.

Ao invés disso, ele teve uma resposta imediata da força militar russa, que esmagou a pequena armada georgiana. De George W. Bush, obteve retórica. Mas afinal de contas, o que Bush poderia fazer? Os Estados Unidos não são uma super-potência. Suas forças armadas estão atoladas em duas guerras sem perspectivas no Oriente Médio. E, mais importante que tudo, eles precisam muito mais da Rússia do que o contrário. O ministro de Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, frisou, num artigo publicado pelo Financial Times, que a Rússia é um "parceiro do Ocidente no Oriente Médio, Irã e Coréia do Norte”.

A Rússia saiu, portanto, muito mais forte que antes. Saakashvili apostou tudo o que tinha e está agora geopoliticamente falido. Como nota irônica, a Geórgia, uma das últimas aliadas dos Estados Unidos na coalizão no Iraque, retirou todos os 2 mil soldados que ainda mantinha por lá. Estas tropas jogaram um papel importante nas áreas xiitas, e agora precisam ser substituídas por tropas norte-americanas, que terão que deixar outras áreas.

Quem joga o xadrez geopolítico precisa conhecer suas regras. Do contrário, corre o risco de ficar emparedado.
Fonte: Blog Discuta Política.

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