segunda-feira, 25 de agosto de 2008

ARTIGO - A realidade morde outra vez.

por Jim Kunstler

Banqueiro insolvente mendiga empréstimos às portas do Federal Reserve. Cartoon de Rui Pedro Fonseca. A resposta impotente dos EUA à afirmação do poder russo no Cáucaso da Ásia Central era apropriada, uma vez que as nossas pretensões de influência naquela parte do mundo são risíveis. Os EUA aproveitaram a confusão temporária da Rússia, durante o período de dez anos após o colapso soviético, e estabeleceram um governo cliente na Geórgia, com conselheiros militares, vendas de armas e até mesmo a promessa de se tornar membro do clube da aliança ocidental conhecido como NATO. Todo esta corte era em prol do oleoduto de Baku para Ceyhan, o qual foi concebido especificamente para drenar a região petrolífera da Bacia do Cáspio e proporcionar àquele óleo uma saída no Mediterrâneo, evitando países não amistosos ao longo do caminho.

No momento em que este lance foi avançado no tabuleiro, no princípio da década de 1990, entre as chamadas potências ocidentais havia a noção (ou, na verdade, o desejo) de que o Cáspio permitiria contornar a OPEP e os árabes, assim como os persas, e forneceria o petróleo que os EUA e a Europa iriam precisar – um desejo louco e um lance tolo, como se revelou.

Em primeiro lugar, as explorações dos últimos tempos nesta região petrolífera muito antiga – o primeiro furo foi efectuado no século XIX – demonstraram-se algo desalentadoras. Responsáveis dos EUA haviam-na louvado como se fosse "uma nova Arábia Saudita", mas o petróleo realmente produzido nas novas áreas de perfuração no Casaquistão, Turquemenistão e outros "istãos" revelou-se ser sobretudo pesado e ácido, em quantidades mais pequenas do que as sonhadas anteriormente, e mais difícil de transportar através do terreno extremamente agreste até mesmo para chegar ao início do pipeline em Baku.

Enquanto isso, a Rússia pôs a sua casa em ordem sob o não-senil e não-alcoólico Vladimir Putin, e por volta de 2007 acordou descobrindo-se como o principal produtor de petróleo e gás natural do mundo. Dentre as várias consequências disto incluía-se a reemergência da Rússia como uma nova espécie de potência mundial – potência em recursos de energia, com o destino energético da Europa nas suas mãos. Enquanto isso, os EUA estabeleceram outros estados clientes no cordão de antigas repúblicas soviéticas ao Sul da Rússia, com bases militares dos EUA, enquanto enfrentavam compromissos sérios no Iraque e no Afeganistão. Agora digam se isto não foi o movimento mais tolo e mais inútil da moderna história geopolítica!

Os peritos em política externa dos EUA imaginaram que a Rússia permaneceria em coma para sempre! Mas e esta ideia de que poderíamos cercar a Rússia estrategicamente com bases defensáveis em países montanhosos sem acesso ao mar em quase a metade do mundo...? Há que perguntar o que é que eles andam a fumar no Pentágono, na CIA e no National Securtiy Council.

Assim, esta política asnática agora culminou no desastre. Não só a Rússia posicionou-se para ganhar controle sobre o oleoduto Baku-Ceyhan como agora temos todos os sinais de que eles trarão o estados no seu flanco Sul de volta à sua esfera de influência activa, e realmente não há absolutamente nada que os EUA possam pretender fazer acerca disto.

Podíamos ter aproveitado os últimos dez anos para por a nossa casa em ordem – acordando para a obsolescência do nosso estilo de vida suburbano, reduzindo progressivamente o transporte automóvel, reconectando nossas cidades com transporte ferroviários de passageiros de classe mundial, criando riqueza com a produção de coisas de valor (ao invés de recorrer a negociatas financeiras), proteger nossas fronteiras e tomar as medidas necessárias para defender e actualizar as nossas próprias indústrias. Ao invés disso, desperdiçámos o nosso tempo e os nossos recursos. Países cometem erros trágicos quanto à vontade colectiva. O ignorante do George Bush é nada menos do que uma perfeita metáfora do fracasso de toda uma geração. Os boomers serão identificados como a geração que arruinou a América.

Assim, como o período de férias está a acabar, este país saúda uma nova realidade. Cometemos erros na Ásia Ocidental e Central. A Rússia ainda "possui" aquela parte do mundo. Estaremos nós em vias de estender nossas actuais guerras territoriais ali a Estados-nação ainda mais distantes em sem saída para o mar? Em algum ponto, quando enfrentarmos exaustão financeira e militar, teremos de perguntar-nos se poderemos até mesmo evacuar com êxito nosso pessoal das bases dispersas no Uzbequistão e Quirquistão.

Isto deve ser um momento igualmente preocupante para a Europa, e uma razão adicional para o recente afundamento do valor relativo do Euro, pois a Europa agora está à mercê da Rússia para permanecer aquecida no Inverno, operar seus fogões de cozinha e manter a luzes acesas. A Rússia também exerce uma alavancagem financeira substancial sobre os EUA com todos os dólares e papeis de dívida titularizada dos EUA que possui. Com efeito, agora a Rússia pode abalar o sistema bancário americano à vontade com a ameaça de se desfazer dos seus haveres em dólares.

O sistema bancário americano pode não precisar do empurrão da Rússia para cair. Ele efectivamente já está morto, apenas cambaleia como um zumbi junto a um guichet de empréstimos pretendendo tomar capital "emprestado" – e entregando à Reserva Federal, como garantia colateral, retalhos do seu vestuário mofado. Além dos bancos, todo os EUA está a tornar-se uma terra de mortos ambulantes. Os negócios estão a morrer, a propriedade das casas tornou-se uma dança da morte, regiões inteiras estão a ser devastadas por anúncios "para venda", com montes de parqueamentos vazios, edifícios vagos e esperanças frustradas. E tudo isto aponta o caminho directo de um fracasso da imaginação nacional colectiva. Nós realmente não sabemos o que está a acontecer.

A fantasia de que podemos sustentar a nossa influência a 14 mil quilómetros de distância, quando não podemos nem mesmo actuar em conjunto ali no Ohio é simplesmente uma piada sinistra. Pode-se declarar categoricamente que seria uma coisa saudável para a América jogar fora todo o seu apregoado "sonho" e acordar para a situação desgraçada do país.
18/Agosto/2008
O original encontra-se em jameshowardkunstler.typepad.com/clusterfuck_nation/
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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