quarta-feira, 30 de julho de 2008

RODADA DE DOHA - Uma outra visão.

Eduardo Sales de Lima

O Brasil tomou decisões divergentes do G-20. Os Estados Unidos, a Índia e a China se acusaram mutuamente de bloquear a realização da liberalização do comércio mundial. E a Rodada de Doha entrou em colapso.


Para Kjeld Jakobsen, consultor de Relações Internacionais e ex-secretário da Central Única dos Trabalhadores, as negociações travadas em Genebra no final de julho evidenciaram um conflito já presente no G-20, o grupo dos países subdesenvolvidos que travaram a Rodada Doha em Cancún.


Segundo ele, os diálogos travados no âmbito da Rodada Doha são uma negociação exclusiva do capital. Kjeld diz também ser favorável a uma maior participação popular em acordos deste tipo, negociados exclusivamente pelo Poder Executivo.


Brasil de Fato - O que o fracasso da Rodada de Doha significa para o futuro das negociações dentro do âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC)?

Kjeld Jakobsen - No sentido de aumentar o comércio mundial, o fracasso não tem muito significado, porque o que eles estavam concluindo nesses últimos dias era um acordo com poucas ambições, de pouco impacto no comércio geral. Obviamente, esse fracasso coloca em questionamento a própria OMC e o sistema multinacional de comércio. Ou seja, sua capacidade de resolver esses problemas. O que significa que deverão prevalecer, pelo menos em alguns países, as tentativas de trabalhar bilateralmente.


Quais as diferenças entre esse atual processo que envolve a Rodada Doha, desde 2001, com o encontro em voga em Genebra, em relação aos processos passados?

As outras rodadas, como a do Uruguai, foram desvantajosas para os países em desenvolvimento. Foram fracassos do ponto de vista institucional. Esse resultado beneficiou principalmente as empresas transnacionais dos países desenvolvidos.


Parece que nada mudou até agora.

O meu problema com a Rodada vem de um ano atrás, quando começaram a trabalhar essas propostas de redução de tarifas dos produtos industriais. Foi uma troca desvantajosa. O comércio de agricultura é variável, depende do preço do momento, depende se choveu, se produziu, se não produziu, se ocorreu excesso de oferta ou não. Já a indústria abriu, não fecha mais. Se concedeu, não tem como voltar atrás. São dois itens incompatíveis para se negociar. Uma coisa é negociar produto agrícola por produto agrícola, ou produto industrial por produto industrial. Aí tem como avaliar se foi equilibrado, se ganhou ou se perdeu. Agora, quando se mistura as coisas, indústria por agricultura, é mais provável que se perca, ainda mais no nosso caso.


O Brasil apoiou o pacote agrícola e industrial do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, para fechar o acordo da Rodada Doha, no rumo oposto ao de aliados como Índia, Argentina e China. Ele sai dessa Rodada enfraquecido dentro do G-20?

O Brasil teve a iniciativa de propor o G-20, mas evidentemente era um grupo que tinha alguns problemas para manter essa unidade. Embora o que unisse esses países fosse o interesse em acessar mercados agrícolas, principalmente dos países desenvolvidos, alguns têm dificuldade em conceder abertura nessa área, particularmente a China e Índia. Em algum momento, surgiriam diferenças de interesses entre Brasil e Índia. Fosse pela via da OMC, fosse por outros meios. O Brasil pode abrir seu mercado agrícola porque ele está adaptado para isso. A Índia, não. A Índia teria que continuar protegendo seu mercado agrícola e é aí que surge uma diferença de interesses. Seja um país do Norte ou do Sul, por mais desejável que seja ter a unidade, os países acabam defendendo seus interesses. E foi o que aconteceu.


O fato de o Brasil ter aceito o acordo revelou uma diplomacia influenciada por transnacionais do agronegócio e, por outro lado, uma organização mais forte dos pequenos agricultores da China e da Índia?

Isso é bobagem. Quando se fala em negociação de comércio, é uma negociação no âmbito do capitalismo. Ou seja, toma lá, dá cá. É negócio, é dinheiro, é vender produto, seja de pequenos agricultores, seja de grandes agricultores, produtores nacionais ou transnacionais. No fundo, é negociação de capital. Então, não compartilho dessa visão de atribuir uma posição ou outra em função de organizações populares. Existem claras diferenças entre esses países. O Estado chinês é um Estado muito forte, com um partido único. A Índia também tem um Estado muito forte, muito nacionalista, e possui uma população de 1 bilhão de pessoas onde quase 70% vivem no campo. O governo indiano não pode ignorar isso. No Brasil, vivem no campo cerca de 18% da população, o que é uma realidade totalmente distinta.


Tendo em conta a relevância dessas negociações para o futuro do país, não existe participação popular em outras instâncias até que se chegue à Doha, pelo menos no Brasil. É possível considerar legítimas e representativas as negociações em Genebra?

Eu sou favorável, no caso da política externa brasileira ou de qualquer outro país, que haja uma abertura maior, maiores consultas (populares), um processo mais aberto. Isso é importante para que todos os interesses e todas as necessidades sejam contempladas. Deveria haver mecanismos que pudessem envolver mais a sociedade, o próprio Congresso Nacional de alguma maneira. Até nos Estados Unidos existe isso. Dependendo do que tiver em discussão, é limitado o poder do (poder) Executivo. Aqui, não temos isso. Para falar a verdade, a Itamaraty segue o que a Constituição lhe atribui de poder. Gostemos nós ou não. Inconstitucional não é. Agora, poderia ser mais aberto e participativo.
Fonte: Brasil de Fato.

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