quarta-feira, 23 de julho de 2008

CASO DANTAS - Uso do Estado por interesses da elite.

Luís de Oliveira Filho

de Brasília (DF)

Soteropolitano de nascença, Daniel Valente Dantas intercala inglês e português nas ligações interceptadas pela Polícia Federal sob autorização judicial. "Não, foi isso que o mister Confort foi...foi falar com... falou com mister Cardoso. Aí, o que que acontece, então ajudou no fundo a persuadir o governo a simular o private equit no Brasil". De família tradicional baiana, foi colocado em contato com investidores estrangeiros por meio de seu mestre, Mário Henrique Simonsen, por cinco anos ministro da Fazenda da ditadura militar. Sem nunca ocupar cargos públicos, conviveu nas colunas sociais e se beneficiou dos bastidores dos governos Fernando Collor e Fernando Henrique. Tentou – ao custo de R$ 158 milhões, espionagem e manipulação da mídia – manter suas benesses ou pelo menos a impunidade durante o governo Lula. Até agora, mesmo com o trabalho corajoso e "descontrolado" da Polícia Federal, parece que vai conseguir. A seguir, um resumo dos quase 20 anos da carreira do banqueiro e fazendeiro brasileiro que melhor representa a ligação das elites nacionais com o capital estrangeiro, o Estado brasileiro e a mídia tupiniquim.


Dantas formou-se em engenharia civil pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mas fez pós-graduação em economia pela Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (FGV-RJ), onde foi aluno de Simonsen. Este também integrou a diretoria do Citibank – que por anos foi o principal detentor de títulos da dívida externa brasileira – antes de formar seu próprio banco: o Bozano,Simonsen. O ex-ministro apresentou-lhe a um conterrâneo seu, Antonio Carlos Magalhães, como "o melhor economista que ele conhecia e seu melhor aluno".


Do relacionamento com ACM, veio o primeiro convite a ocupar cargo público. "Procurei ver se levava para a Bahia o Sr. Daniel Dantas, por intermédio do Sr. Mário Henrique, para ser presidente do Banco do Estado. Não consegui. Ele já estava entrosado em negócios particulares", disse ACM, em discurso no Senado.


Também por ACM, teria a oportunidade de recusar seu segundo convite. O senador baiano apresentou-o ao então presidente eleito Fernando Collor. O Jornal Nacional, na época, informou que Dantas havia sido convidado para o Ministério da Fazenda. O banqueiro teria recusado o convite. O economista Carlos Eduardo Carvalho, que participou da primeira campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, atribui a Dantas a idéia de confiscar a poupança da população brasileira. Em sua auto-biografia, Collor admite ter discutido a idéia em uma reunião com Dantas e André Lara Resende – que participaria da elaboração do Plano Cruzado e Real. Mas Dantas teria se colocado contra. De qualquer forma, ele foi dos poucos privilegiados que retirou seus investimentos do mercado financeiro dias antes do confisco e aplicou em outros bens.


Surf nas privatizações

No período Collor, Dantas ainda trabalhou para o Bradesco, antes de montar seu próprio banco, o Opportunitty, em 1993. O primeiro grande negócio fechado pelo banco ocorreria em 1997, quando Dantas montou o Sweet River Fund, criativo nome de um fundo sediado nas Ilhas Cayman com objetivo de arrematar a privatização da Vale do Rio Doce. O Sweet River (rio doce, em inglês) fez parte do grupo vencedor do leilão. Só alguns anos depois, descobriu-se que o dinheiro usado pelo fundo para a compra da Vale vinha do Bradesco – que havia vencido a licitação para organizar a venda da Vale e, portanto, estava proibido de participar do leilão. O Bradesco cobrou o empréstimo do dinheiro pela entrega das ações – transação conhecida como debenture – e tornou-se, por meio de seu ex-funcionário Dantas, o dono da empresa que havia ajudado o Estado a vender. A tramóia deu origem a 107 ações judiciais para anular o leilão.


Em 1998, poucos dias antes da privatização da Telebrás, o jornal Folha de S. Paulo divulgou gravações mostrando que o então presidente do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), André Lara Resende; o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros; e o presidente Fernando Henrique Cardoso agiram em favor de Dantas na formação dos consórcios que participariam do leilão contra o grupo de Carlos Jereissati – irmão do então presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati (CE) e dono da rede de shoppings Iguatemi. Nas conversas que seriam interceptadas pela Polícia Federal neste ano, Dantas iria contar a uma de suas advogadas o apoio que recebeu do então presidente. Procurado pelo jornalista Bob Fernandes, FHC afirmou que "isso já é conversa dele, já é usar o santo nome em vão...".


Leilão realizado, Dantas ficou com participações na Brasil Telecom, Amazônia Celular e Telemig Celular. Por meio de acordos com outros acionistas – como o Citibank e os fundos de pensão de funcionários públicos – conseguiu assumir o controle da Brasil Telecom, mesmo sendo proprietário de 0,39% das ações do fundo controlador da empresa. Em 2001, o então deputado Milton Temer acusou Dantas de ser o mentor do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), que renderia dinheiro a fundo perdido ao Banco Econômico, da Bahia, e outros. No mesmo período, o Opportunity fecha acordo com o Esporte Clube Bahia, que ganha o final S.A. – novidade apontada pela mídia, na época, como um exemplo de gestão empresarial no futebol. O time terminaria por amargar a terceira divisão do futebol profissional brasileiro, quando encerrou a parceria que movimentou 32 milhões de dólares, mas deixou uma dívida de R$ 41 milhões. A PF suspeita de lavagem de dinheiro.


Em 2002, um revés. O comando de campanha do candidato Luiz Inácio Lula da Silva é integrado, entre outros, por Luiz Gushiken. Ex-funcionário do Banco do Brasil e sindicalista da área, ele montou uma empresa que prestava consultoria ao Previ, fundo de pensão dos funcionários do BB. Após a posse de Lula, ocupando a Secretaria de Comunicação Social (Secom), mesmo sem nenhuma ligação direta com os fundos de pensão, Gushiken passa a manobrar, junto aos fundos de pensão, contra Dantas. Em 2004, Dantas é alvo da Polícia Federal pela primeira vez. A Operação Chacal mostra que, a pedido dele, a empresa Kroll – de propiedade da estadunidense IBM – contrata o coronel da reserva do Exército de Israel Avner Shemeh para espionar ministros.


Comprando apoio

No ano seguinte, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios investiga os pagamentos feitos pelo empresário Marcos Valério Souza a líderes partidários – que, segundo a tese dos petistas foi pagamento de "caixa dois" de campanha e, segundo oposição e a mídia, uma compra de apoio político no Congresso Nacional. As agências de publicidade de Valério – DNA e SMP&B – tinham como principais clientes três empresas controladas por Dantas – Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular. Juntas as três pagaram R$ 152 milhões às agências de Valério. Uma busca da Polícia Federal a mando da CPMI, nas cidades mineiras de Contagem e Brumadinho, encontra enterradas e queimadas notas fiscais da SMP&B e da DNA em nome das empresas de Dantas. A CPMI nunca encontrou notas que considerasse que comprovassem os serviços prestados por Valério a Dantas. Em depoimento à comissão, Valério admite que intermediou a aproximação entre Dantas e o então tesoureiro do PT Delúbio Soares. Este, por sua vez, admite, em depoimento, que prometeu a Dantas ajudá-lo a vencer resistências dentro do governo.


A então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie proíbe o acesso dos parlamentares aos dados da conta do Opportunity nas Ilhas Cayman. Mas a CPMI consegue levar, pela primeira vez, Dantas a uma cadeira de depoente no Congresso Nacional. O banqueiro já havia sido chamada quatro vezes para depor: em 2001, na CPI do Proer e na Comissão de Finanças; e em 2002 e 2003, pela ligação com os fundos de pensão. Em 2006, o PSDB pediu informações do Ministério da Justiça sobre um jantar do então ministro Márcio Thomaz Bastos com o banqueiro, que teria sido organizado pelo deputado José Eduardo Martins Cardozo (PT-SP). Todos os pedidos foram arquivados a pedido das bases governistas de ocasião. Quando depôs pela primeira vez, teve a proteção de um habeas corpus preventivo cedido pelo ministro Gilmar Mendes.


No documento final, o nome de Dantas é omitido pelo relator Osmar Serraglio (PMDB-PR). A bancada do PT apresenta um relatório em separado em que aponta Dantas como o financiador do chamado "mensalão". O objetivo do investimento de Dantas seria garantir a manutenção do apoio do governo à sua gestão à frente das empresas privatizadas. O texto conclui que "Dantas era o timoneiro e administrador de fato das empresas adquiridas com recursos de fundos de pensão, sendo o pagador e beneficiário do esquema montado por Marcos Valério" e que "a proximidade de Dantas (...) com Marcos Valério e Delúbio Soares tinha o objetivo de persuadir e pressionar políticos e dirigentes de fundos de pensão para que não o removessem do controle da Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular".


Serraglio aceita os acréscimos sugeridos pelo PT e encaminha o relatório à Procuradoria Geral da República. Esta faz denúncia contra o "mensalão" ao STF, mas separa os dados e repassa à 6ª Vara da Justiça Federal, que já investigava o banqueiro.


Rumo ao agronegócio

No mesmo ano, Dantas é finalmente afastado do controle da Brasil Telecom. Sem contar mais com o apoio do Citibank e sendo pressionado pelos novos diretores dos fundos de pensão, Dantas foi retirado da direção da empresa por ação judicial. Em maio de 2006, a revista Veja publica uma reportagem afirmando que os ex-ministros da Casa Civil, José Dirceu, da Fazenda, Antonio Palocci, e da Secretaria de Comunicação, Luiz Gushiken, o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o então diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e o senador Romeu Tuma (PTB-SP) teriam contas no exterior. Somente o presidente Lula teria 38,552 mil dólares em paraísos fiscais. Dantas, à época, divulgou nota negando que era o responsável pelas denúncias. Mas os jornalistas Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif fariam uma série de matérias apresentando documentos que comprovam como, com dinheiro dos fundos de pensão na Brasil Telecom, Dantas pagou jornalistas das revistas Veja e Istoé e dos sites ConsultorJurídico e Nominimo, montando o que Amorim chama de Sistema Dantas de Comunicação.


Na condição de sócio minoritário da Brasil Telecom, Dantas permaneceria até este ano. No acordo de compra da empresa pela Oi, Dantas teria recebido 1 bilhão de dólares, segundo cálculos da revista Teletime. Como parte do negócio, estaria selado um armistício entre Dantas e as partes. Reportagem do jornal Valor, fala dos novos planos do banqueiro: criar gado na fronteira agrícola. Das seis cidades em que a empresa Agropecuária Santa Bárbara tem terras, duas estão na lista suja do desmatamento do governo federal. Dantas anunciava, ao jornal, seus planos de criar uma fábrica de processamento de leite longa vida na região. Além disso, o grupo Opportunity admite ter comprado cinco áreas dentro de reservas ambientais ou indígenas, para explorar a mineração. A PF suspeita que o objetivo dos investimentos era lavagem de dinheiro. Numa das gravações interceptadas, o ex-presidente da Brasil Telecom, Humberto Braz, avisa a um interlocutor que o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh vai receber "50% já e 50% na hora que for aprovado lá no Meio Ambiente."


Em abril, o jornalista Paulo Henrique Amorim, em entrevista à revista Fórum, define a criação da BrOi e o armistício com Dantas como a "grande conciliação nacional" que abrirá caminho para o acordo PT/PSDB. Três meses depois, Dantas estaria numa cela da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo (SP). É liberado duas vezes por Gilmar Mendes, que ocupa a presidência do STF e, como advogado-geral da União durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi responsável por derrubar todas as liminares que tentaram bloquear as privatizações suspeitas de que Dantas participou. Deslegitimado por uma avalanche de abaixo-assinados de juízes federais, delegados da PF e procuradores da República e por um pedido de cassação protocolado no Congresso Nacional, Mendes vai ao Palácio do Planalto.


Poucos dias após a operação, na sala do presidente da República, sentam-se: o próprio Lula – presidente de honra do PT –, Mendes – advogado-geral do governo FHC –, o ministro da Justiça Tarso Genro – que foi candidato à presidência do PT defendendo uma aproximação com o PSDB – e o ministro da Defesa Nelson Jobim – ex-presidente do STF por indicação de FHC e ministro da Justiça do governo tucano. Juntos, os quatro decidem dar força ao projeto de lei que reduz ainda mais o uso de gravações telefônicas por autorização judicial – a primeira lei nesse sentido foi assinada por FHC e Jobim. E criticam a "espetacularização" das ações da Polícia Federal. No mesmo dia, é anunciado que o delegado responsável pelo caso, Protógenes Queiroz, não comanda mais as investigações.


"Já tá tudo ok! Já tá tudo numa boa! Pode ficar tranqüila! Já tô aqui, já tive ontem contigo, já vou hoje na missa da dona Ruth...vida normal", o alívio da irmã de Dantas, Verônica, a uma amiga ocorre em ligação interceptada. Alívio não pelo afastamento de Protógenes, mas pelo pagamento de 1 milhão de dólares ao delegado Victor Hugo. Mas dá uma idéia das conversas que se seguiram nas últimas semanas. No velório, duas semanas antes da prisão de Dantas, Lula declara ao governador mineiro Aécio Neves: "Os laços do PSDB com o PT são tantos que, quando fomos perguntar aos ministros quem gostaria de vir, quase não teve lugar no avião". Após a prisão, o jornalista Manoel Fernandes, do site NovaE, lançou uma campanha realista: "basta de subterfúgios", "Dantas para presidente!".
Fonte: Brasil de Fato.

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