sexta-feira, 14 de março de 2008

Por que existem as FARC?

Interessante abordagem sobre as Farc, escrito pelo escritor americano Chomsky


Por que existem as Farc?



Escreve Chomsky, no capítulo Consentimento sem Consentimento, do livro O Lucro ou as Pessoas?, editora Bertrand, 2002, página 57:

"A campeã de violações aos direitos humanos no hemisfério é a Colômbia, também o país que mais tem recebido assistência e treinamento militar norte-americano nos últimos anos. O pretexto é a guerra contra as drogas, um mito, segundo relatam constamente os principais grupos de defesa dos direitos humanos, a igreja e outras instituições que investigam a espantosa crônica de atrocidades, e os estreitos vínculos existentes entre narcotraficantes, latifundiários, militares e seus sócios-paramilitares. O terror estatal devastou as organizações populares e praticamente destruiu o único partido político independente por meio do assassinato de milhares de ativistas, dentre os quais candidatos à presidência, prefeitos e outros mais."

Por que existe Farc somente na Colômbia e não no Equador, Colômbia, Peru, Venezuela, Chile, Argentina ou Brasil? Na ânsia de produzir factóides anti-esquerdistas, a nossa mídia omite explicações que situariam as Farcs em seu contexto político e histórico, liberando energias sociais que uma visão lúcida dos problemas possibilita. A direita brasileira, representada por setores midiáticos, continua afagando o presidente Alvaro Uribe, mesmo tendo ele violado a sagrada soberania do Equador, e depois de ter sido claramente condenado por todos os países latino-americanos, pela França e pela Organização os Estados Americanos (OEA). O corporativismo ideológico é algo impressionante. Só porque Uribe é de direita, ele é defendido com unhas e dentes, numa questão em que ele não tinha razão nenhuma. Para evitar o desgaste de Uribe, procura-se demonizar as Farcs, num processo de alienação histórica que descontextualiza e omite as razões que levaram a Colômbia a ser o único país sul-americano a ter, em pleno século XXI, um poderoso movimento insurgente agindo em seu território.

A razão primeira reside no fracasso das democracias nas décadas de 50 e 60, todas derrubadas por golpes militares patrocinados pelos Estados Unidos. Uma tendência que foi particularmente cruel na Colômbia, por razões que os historiadores ainda devem explicações mais detalhadas, que resultou numa cultura de eliminação sistemática de políticos não alinhados ao para-militarismo e com a mais suave veleidade esquerdista. Essa foi a razão que deu sustentação moral à criação das Farcs e o apoio que o movimento encontrou no seio da sociedade colombiana.

Hoje as Farcs estão ultrapassadas por conta da evolução política do continente. A vitória, sofrida, mas avassaladora, de forças de esquerda em toda a América do Sul, e a política progressista que vem sendo implementada no continente, com resultados econômicos e sociais impressionantes, tira qualquer razão de ser de movimentos de guerrilha.

Na verdade, as Farcs, hoje, representam um incômodo para todas as forças populares sul-americanas. A suposição de que Chávez, Correa, Morales, ou seja lá quem for, sustentam politica ou financeiramente as Farcs, é absurda, porque estes são presidentes eleitos com esmagadora maioria de votos, de maneira que se tornaram símbolos do valor supremo da democracia. O poder dos presidentes sul-americanos emana dos altos valores democráticos, valores que são negados pelas Farcs. O que Chávez quer, o que todos nós queremos, é o fim da guerra civil na Colômbia, guerra iniciada exatamente em 9 de abril de 1948, quando Jorge Eliecer Gaitán, candidato à presidência da república, foi assassinado numa esquina de Bogotá. O crime produziu uma onda de desespero em todo país e houve o famoso Bogotazo, em que milhares de pessoas saíram às ruas, histéricas, desesperançadas, e incendiaram e quebraram tudo que viam pela frente.

Esta guerra civil, como qualquer outra guerra civil, só pode acabar com um gesto de magnanimidade do governo colombiano. A guerrilha, ao iniciar um processo de libertação em massa de reféns, está fazendo um gesto muito claro de paz. Por que o governo de Uribe não faz também? Não se trata de "negociar com terroristas". Trata-se de procurar soluções que tragam distensão política ao país e criem condições para a desmobilização da guerrilha colombiana.

Não é Chávez, Correa e Morales que querem a guerra. Quem quer a guerra são as Vejas do continente. Por isso, o abraço de Uribe em Chávez, e a reconciliação entre Colômbia e Venezuela, foram vitórias dos que realmente desejam a paz. A paz dos fortes, a paz de guerreiros em descanso, que fiquem bem claro. Por que, em virtude do fascismo midiático que grassa em todo continente, ainda teremos muitas batalhas pela frente.

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